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NO DIVERSO DE NÓS / JOÃO SCORTECCI

Eu estava lá, você também e outros. Contei a minha versão do que havia visto. Todos riram de mim. Você contou a mesma história – só que do seu jeito. Todos – incrédulos – gargalharam de nós. Outros tentaram – em vão – explicar do mesmo, do que haviam visto. Não houve consenso ou certeza alguma sobre nada. Silêncios. Calamo-nos, então, no vazio do diverso e nas raízes do tempo. Cada alma do seu jeito. Nós, poetas, reunimo-nos, então, no chão do caminho - nas beiradas do rio - e versamos, possuídos, palavras de morte, que, diante do diverso de nós, morreram por lá. Acendemos fogueira. Depois, despedimo-nos, então, com abraços de fim. Partidas e nada mais. Antes, rasgamos bilhetes - versos incompletos, talvez - no vento do lugar. Lá ficaram. Findamos nossos corações - Eu, você e outros: dos pecados da noite, das danações nas águas do rio, dos gritos - amordaçados - no avesso de nós. Apagamos - apressados e na sorte - pés, trilhas, segredos e beijos ruins. Nada ficou. Travessias, sem rastros. Sem cheiros. E os versos - ausentes - gargalharam de nós. 

João Scortecci


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ENVIESADO, MAS LÚCIDO / JOÃO SCORTECCI

Trajetória das direções oblíquas. Viés? Talvez. Acordei com o assunto no pé dos ouvidos. Essa noite o radinho fora de sintonia chiou a noite toda. Queimou as pilhas até o zero. Sorte que tenho – sempre – um pacote guardado de pilhas novas. Não durmo sem ele! Mania de mais de 50 anos, desde que cheguei à cidade de São Paulo, isso no início dos anos 1970.  O assunto no rádio - antes do apagão - era sobre “viés cognitivo”, atalho mental que leva a decisões irracionais ou incongruentes com a realidade, algo assim. Interessante. Anotei na memória e tratei de dormir novamente. Mais 30 minutos. No dicionário “viés cognitivo” é um padrão de distorção de julgamento que ocorre em situações particulares, levando à distorção perceptiva, ao julgamento pouco acurado, à interpretação ilógica, ou ao que é amplamente chamado de irracionalidade. Isso explica, talvez, ter acordado enviesado, com dor nos olhos e com a língua seca. Bebi água e tratei de pensar nas distorções do dia: domingo de tempo fechado, querendo chover. Fiz ovos mexidos e comi com pão de milho e leite quente. Continuo pensando nas direções oblíquas da vida. Devo ter acordado com viés acurado. Doença chata, sem direção. Olho novamente pela janela da sala e o viés cognitivo do instante decide por mim: vou pegar a bike e pedalar! Navegar pela irracionalidade do rumo incerto, sem direção, sem julgamento, sem dor, mas lúcido. Preciso do sol? Certeza que sim. Enquanto ele "dorme de mim" eu espero de silêncios.  

João Scortecci

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AVATAR DAS IDEIAS OPORTUNISTAS / JOÃO SCORTECCI

O avatar de ideias. Yascha Mounk (1982 -     ) é um jovem cientista político germano-americano especializado em teoria política e democracia. É Professor Associado de Prática na Escola de Estudos Avançados da Universidade Johns Hopkins, em Washington DC. Autor do artigo “O pior está por vir”, de 2018, quando, então, escreveu: "Quanto mais tempo líderes populistas permanecem no poder, mais radicais se tornam. Inicialmente os populistas são limitados em sua capacidade de concentrar o poder nas próprias mãos. A partir do momento em que esses governos são reeleitos, essas limitações começam a desaparecer. O estado de direito fica ameaçado e o clientelismo do poder cresce." Democracias funcionam do equilíbrio de poderes e das coalizões - acordo político ou aliança interpartidária para alcançar um fim comum - sadias. Nas democracias “maduras” - Brasil tem provado ser uma, mesmo que aos trancos e barrancos - duas coisas não se explicam: reeleições e indicação de candidato ao poder travestido de outro. O clientelismo do "é dando que se recebe", tomou conta da política. No Brasil a emenda constitucional nº 16, de 1997, abriu a possibilidade de reeleição. A mudança beneficiou a todos que já exerciam mandatos à época, como prefeitos, governadores e também o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que, no ano seguinte, 1998, pôde se candidatar a mais 4 anos no Planalto e ser reeleito presidente. Em 2020, Fernando Henrique, escreveu que aprovar a reeleição foi um "erro". Assumiu a culpa. Declarou, ainda: "Quatro anos é pouco, talvez cinco!" Em 1997 havia ampla oposição a Luiz Inácio Lula da Silva e ao PT, pois o Plano Real - que debelou a hiperinflação - estava no seu momento mais positivo. Aprovar a "reeleição" generalizou a prática da distribuição de verbas e cargos na política brasileiro. E o pior estava - mesmo - por vir. E veio.

João Scortecci

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BISCOITOS DA SORTE E AS CIRCUNSTÂNCIAS DA VIDA / JOÃO SCORTECCI

Abro o biscoito da sorte número 1 e leio: “Processo mental: atitude de quem acredita!” Como o biscoito - feito de pessoas e coisas - engolindo junto: salivas e reflexões. No celular os 8 "não" para a vida: Não reclame, não critique, não julgue, não se sinta incapaz, não se compare, não olhe para o ontem, não desista e não deixe de ter fé. Li e apaguei. Abro o biscoito da sorte número 2: "As incertezas fazem parte do amadurecimento humano." Feitiço. Razões emocionais - da hora e do instante - que fazem o dia. Anoto no bloco de notas. Eu como, Eu mastigo, Eu engulo: azedumes! Teimosia e gula, talvez. Circunstâncias da vida. Aprendi - desde muito cedo - a respirar os cheiros da terra. Das águas! A dor dos músculos e a fragilidade dos ossos! É na calma da pressa que construímos esqueletos. Abro, então, o biscoito da sorte número 3. Ganhei 5, no total. Temo - dou fé - que devorarei, também, logo, os dois últimos. Isso antes do por do sol. Farelos no ardor do chão. Varreduras! Bebo água fresca do poço e depois, bebo café quente. Biscoito 4: "Processo mental: atitude de quem acredita!" No amargor da biruta  o ar sopra, ainda. Tudo que voa: voa no tempo e na imensidão da sorte. Abro, então, o biscoito número 5 - o último - e leio: "Um passo de cada vez e depois outros!" Entendi. Guardei-os, todos, no prego do quadro de cortiça. 5 espetos no meu depositário de valores e lembranças. Teimosias da sorte: minhas e do mundo!   

João Scortecci

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QUEM MORRE DE VÉSPERA É PERU

Morte é morte! E não adianta escolher dia e hora. Acontece e pronto. No início dos anos 1980, o economista Eugênio Gudin (Eugênio Gudin Filho, 1886 - 1986), era, até então, o nome do diretório acadêmico da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Mackenzie e nada mais. O Google ainda não existia (criado, bem depois, no ano de 1998) e as enciclopédias da época, as disponíveis, Barsa, Delta-Larousse e outras, não gostavam muito de publicar biografias de gente viva, mesmo tratando de pessoas conhecidas, populares e famosas. Um risco! Eugênio Gudin - considerado um economista liberal - viveu 100 anos e três meses. Foi ministro da Fazenda entre setembro de 1954 e abril de 1955, durante o governo de Café Filho e diretor-geral da “Great Western of Brazil Railway”, por quase trinta anos. Em 1944, o então ministro da Educação, Gustavo Capanema Filho (1900 - 1985), designou Gudin para redigir o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de economia no Brasil. Nesse mesmo ano - 1944 - foi escolhido delegado brasileiro na Conferência Monetária Internacional, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, que decidiu pela criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (IBRD), instituição ligada à ONU com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico e social. Em 1983, uma emissora de TV, em cadeia nacional, erroneamente, noticiou a sua morte. A notícia era falsa! A emissora pediu desculpas, horas depois, mas já era tarde. A notícia espalhou-se, rapidamente. Professor Gudin viveu, ainda, mais três anos e alguns meses, batendo a incrível marca dos 100 anos. Chico Anysio, Renato Aragão, Silvio Santos, José Carlos Garbuglio, Gugu Liberato, Ratinho, Vanderlei Luxemburgo e outros, também passaram pelo constrangimento de morrerem antes da hora. Comigo aconteceu uma única vez e a experiência, confesso, não foi nada agradável. No dia 22 de março de 2013, no melhor dos meus 53 anos de idade, atendi dezenas de ligações na editora perguntando o endereço do meu velório. Foi infarto? Suicídio? Acidente de carro? Perguntaram de tudo. Passei o dia - ao telefone - dizendo que estava “vivíssimo da silva”. As duras penas, descobri que quem havia morrido, de fato, havia sido o escritor, jornalista e acadêmico João de Scantimburgo (João de Scantimburgo Filho, 1915 - 2013). Nomes parecidos? Talvez. Mais recentemente fiquei sabendo que o João Scantimburgo era de Dois Córregos, cidade do interior de São Paulo, terra dos meus avós maternos – José Scortecci e Maria Aparecida Campos Scortecci -, donos da fazenda Nilcevia, onde morei de 1958 até 1961. Isso, talvez, tenha contribuído para a história da minha provável morte aos 53 anos de idade. O que eu aprendi com o mal-entendido: desmentir uma tragédia - mesmo em tempos de Internet e redes sociais - dá muito trabalho. “Ué, você não morreu?” Foi o que mais escutei. Mas, o pior aconteceu na manhã do dia seguinte. Uma mulher - até hoje não identificada - ligou na minha residência e gritou: “O desgraçado já foi tarde!” Gritou e bateu o telefone. Isso, talvez, explique a minha vontade de continuar - ainda - vivendo, desbragadamente. Aqui com os meus ossos envelhecidos: quem morre de véspera é peru!   

João Scortecci 


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BALADEIRA, OVOS DE CALANGO, A CADELA WANDERLEIA E A SOPEIRA CENTENÁRIA

Gosto do "bicho" calango. Eu os “bajulo” desde criança! Isso no Ceará dos anos 1960. São lagartos simpáticos, previsíveis e comem baratas, grilos, cupins, formigas, besouros, aranhas e escorpiões. Quando ameaçados correm e se escondem em fendas e buracos. Quando apanhados fingem-se de mortos e, na fuga, abandonam o rabo. A danação de menino era caçá-los com baladeira e mamona verde. As baladeiras eram feitas com galhos de goiabeira, sem casca, da grossura de um dedo indicador. Não mais do que isso. As ligas, elásticos, eram de câmera de ar de pneu de carro, com 35 cm de comprimento, no máximo. Na falta de uma régua para a medição, usávamos o pé do João Cambão, pé de prancha. O garoto era um “lobo selvagem” e de tanto andar descalço, ganhou o apelido. 12 anos de idade e um pé de 35 centímetros. Nas extremidades das ligas, unindo-as, uma língua de couro cru, tambor para armazenar o balaço de mamona. “João, você pegou o meu chinelo de couro?” Não. "Deve ter sido a Wanderleia". Wanderleia era a nossa cadela. Nome dado em homenagem a cantora da Jovem Guarda, que, na época, fazia o maior sucesso. "Mãe, a Wanderleia anda estranha.". “Estranha?”. "Deve estar no cio, procurando fazer ninho!". "Outro dia ela estava cavando buracos no quintal". Inventei. "Deve ter “entocado” no buraco o seu chinelo de couro". Com um chinelo de couro cru fazíamos uma dúzia de baladeiras. Os gatos - parceiros silenciosos - comiam as carcaças dos calangos abatidos. E o tempo cuidava do resto. “João, o que é isso?” Mamãe Nilce perguntando. "Ovos de calango!". "O que vai fazer com eles?" Quis saber. Chocá-los! Respondi. A ideia era simples: criar calangos! “Menino, deixa de invenção!”. Guardei-os, então, dentro da sopeira centenária, herança da avó materna Maria Aparecida, que, na época, ficava no centro da mesa da sala de jantar. Lugar seguro! No inventário da minha mãe Nilce acabei ficando com a sopeira. Meu pai Luiz, engenheiro civil e elétrico, vez por outra,  trabalhava em casa e usava a mesa da sala como local de trabalho. Abria nela plantas e folhas de vegetal. “Merda! Merda!”. “O que foi Luiz?”. Mamãe Nilce perguntando. “Errei”. Preciso de uma borracha. "Eu vi uma dentro da sopeira!" Disse. Papai Luiz, mais rápido que o capitão Jet Jackson, o comandante meteoro, abriu a sopeira e catou de olho, uma borracha cabeça de lápis. Eu gelei. Papai esfregou o ovo de calango no vegetal que explodiu, sujando tudo. "Deus do céu!" A meleca fedia. "Vou matar quem fez isso?" Gritava. O jeito foi se fingir de morto, igual calango encurralado. Lembro-me de ter visto - com o canto do olho - a cadela Wanderleia, rosnar e dobrar o rabo. Vingança? Talvez. Um dia, do nada, desistimos dos calangos. Não éramos mais crianças. Guardei minha baladeira certeira por um bom tempo e depois, do nada, ela sumiu. Depois de muitos anos, já morando em São Paulo, papai soube da história dos ovos de calango. Ele, então, me disse: "Eu sabia!" Risos.   

João Scortecci

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2025: O LEGADO DA CRIAÇÃO

O ano de 2025 começou assim: Mark Zuckerberg, o CEO da Meta declarou que a Meta não vai mais regular o seu conteúdo. Pensei, ingenuamente: “notícia falsa". Fui conferir: tudo verdade! E mais: declarou, ainda, amor desbragado às ideias insanas do Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, criminoso condenado e merecedor de uma “dispensa incondicional”, algo assim, que, confesso, desconhecia existir na hilária democracia dos guardiões do mundo livre. Decepção! Segundo o jornal britânico The Guardian: "Estudos mostram que posts falsos na Internet viralizam 20 vezes mais rápido do que os verdadeiros, especificamente se tiverem conteúdo radical ou ultrajante, como conspirações governamentais, ataques racistas e estímulos à violência”. Não duvido. A Constituição brasileira assegura, no rol de direitos fundamentais, a livre manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Pesquisa realizada pelo Senado Federal, pelo menos 76% da população foi exposta a informações falsas sobre política no segundo semestre de 2022. O estudo mostrou, ainda, que as notícias falsas originadas nas redes são amplamente difundidas por meio de conversas com amigos e colegas (66%), noticiários de TV (65%), conversas com familiares (57%), jornais e revistas locais e nacionais (55% e 53%, respectivamente). Mark Zuckerberg andou pregando: “As redes sociais são um espaço de diálogo, uma ágora onde ideias são colocadas e as melhores prevalecerão!” Justo. Faltou dizer que todas as informações, sem exceção, são "anabolizadas" ou "filtradas" pelos algoritmos do capeta! Liberar “notícias falsas” numa rede que foi construída e aperfeiçoada para promovê-las é, no mínimo, loucura total. Estranho escutar “entendidos” dizerem que a regulação é uma ameaça a "liberdade de expressão". O que vai acontecer com a não regulação do seu conteúdo: Epidemias de desinformações, crimes digitais incontroláveis, desequilíbrio na saúde mental, cancelamentos, animosidades online, manipulações e perseguições. É o legado do caos. Eu sei, eu penso: quem somos, onde estamos, para onde vamos? A borboleta voa, ainda e nela a derradeira certeza: A vida é cíclica: do início da criação, do meio imaginário e do fim, improvável, talvez.   

João Scortecci
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DAS IDEOLOGIAS DO TRACY E DA MEDIOCRIDADE

Das ideologias. O filósofo, político e líder da escola filosófica dos Ideólogos, Tracy (Antoine-Louis-Claude Destutt, 1754 - 1836) e a tentativa de elaborar uma teoria liberal abrangente do indivíduo, da sociedade e da política. Involuntariamente autorizou dividir em “iguais e diferentes” a ciência do ideal. Encontrei na Internet: “Conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas ou visões de mundo de um indivíduo ou de determinado grupo, orientado para suas ações sociais e políticas”. O desconhecimento agride. A falta de leitura e estudo mata. Admiro a amplidão dos “estados de consciência” e a “pluralidade da ciência das ideias”. O resto é porcaria. Aqui com os meus leões de barro: Fico, continuo ou me deleto? Estou, ainda, no Facebook, na conta de poucos amigos que escrevem e pensam junto. Adoro os “divergentes” e os “sábios” que agregam o post do dia. Vale a inteligência, o humor da crítica, a sensibilidade do que é bruto, o espírito mágico do que somos: frágeis! A insustentável leveza do pensamento ou a razão em desequilíbrio? Isso, talvez, explique admirar os loucos! Os varridos do senso comum e os iguais e diferentes do Tracy. Perdi a paciência com a mediocridade. E ela comigo. Coisas da ciência do ideal que não existe. Perdi. Perdemos! 

João Scortecci

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DE VOLTA AO PASSADO

Resoluções pré 70 anos: comprar uma vitrola para discos de vinil, reabilitar minha máquina fotográfica analógica, colar as fotos "perdidas" do álbum de fotografias, continuar lendo livros impressos em papel, catalogar os livros amontoados e perdidos da biblioteca, retomar minha coleção de selos de uma vida inteira, perder 5 quilos ou mais, voltar a pedalar minha bike, finalizar e publicar dois livros que se arrastam além do tempo, chumbar na parede do quarto armadores de aço e estender - finalmente - a rede de algodão cru presente do Ceará e continuar a fazer da vida um poema sem-fim. O naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882), que propôs a teoria da evolução por seleção natural, escreveu: "Não é o mais forte das espécies que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças". Quem disse que quero adaptar-me às mudanças? Aqui confesso: nunca me achei inteligente. E mais: não quero sobreviver ao caos! Espécie alguma merece tanto. Alma liberta!   

João Scortecci


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FOLIA DE REIS E O CEARÁ DOS ANOS 1960

Eu tinha 12 anos de idade quando participei da minha primeira Folia de Reis, isso na cidade de Fortaleza, no Ceará dos anos 1960. Fui junto no embalo do povo devoto, sem saber exatamente o que era Folia de Reis, o que significava e muito menos o que ia acontecer. Verdade: nunca perguntei! Era tarde da noite. Nos reunimos na casa de amigos do meu irmão José e a noite prometia. Bebida a rodo, amores imaginários e ensaio – repetidas vezes - da cantoria da Folia de Reis: "Meu Senhor dono da casa abra a porta e acenda a luz / Abra a porta e acenda a luz / Pelo nome de Jesus / Aqui estamos em vossa porta / Em figura de Raposa, em figura de raposa / Nós queremos alguma coisa..." Silêncio. E agora o que acontece, quis saber. Alguém explicou: "Temos que esperar acenderem a luz e abrir a porta da casa!" E se não abrirem? Insisti. "Mijamos no muro!" Simples assim. Na minha primeira visita de Folia de Reis, numa casa do bairro da Aldeota, acenderam a luz e abriram a porta. Sorte! Então cantamos, antes de invadir a casa e assolar o bar, a geladeira e a dispensa da casa: “Esta casa está bem feita / Por dentro, por fora não / Por dentro cravos e rosas, por fora manjericão / Deus vos salve casa santa / Onde Deus fez a morada / Onde mora o cálice bento / E a hóstia consagrada..." Lembro-me que na minha primeira Folia de Reis assaltamos dezenas de casas. E também mijamos em duas. Gostei da brincadeira. A Folia de Reis tem origem na Europa e foi trazida para o Brasil no século XIX por padres portugueses. Trata-se de uma manifestação católica, cultural e festiva. É celebrada do dia 24 de dezembro ao dia 6 de janeiro, data da chegada dos reis magos a Belém. Surpresa foi a ultima visita da noite: minha casa! Papai Luiz e Mamãe Nilce acenderam a luz e abriram a porta. Entrem! Estava bêbado e com sono. Desmaiei no chão do banheiro e lá fiquei, travestido de raposa. No dia seguinte fiquei sabendo que Papai Luiz teve que carregar na Rural e levar pra casa, cinco ou seis reis magos. Bêbados, vomitados, todos devotos! 

João Scortecci

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RUBEM BRAGA E A DESPEDIDA NAS ÁGUAS

Eu ando apaixonado por crônica. Ela mesma: paixão desbragada! Comecei - confesso - escrevendo prosa poética, combinando prosa com elementos poéticos, e do nada, amanheci preso em seus tentáculos, perdidamente. Fiquei. Hoje, exercício diário, necessariamente obrigatório. Quando não escrevo sinto-me vazio, devedor de mim mesmo, estranho. O cronista e jornalista Rubem Braga (1913 – 1990), nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. Andei por lá nos anos 1970, tomando banho de cachoeira e espantando moscas do prato. Cidade das moscas! Na hora do almoço montávamos na mesa morrinhos de comida para enganá-las do prato principal: o nosso! Cachoeiro de Itapemirim terra também do cantor Roberto Carlos e Outros, também famosos. Rubem Braga iniciou-se no jornalismo aos 15 anos de idade, trabalhando no jornal Correio do Sul e no jornal Diário da Tarde, fazendo reportagens e assinando crônicas. Formou-se em Direito, em 1932, em Belo Horizonte, mas não exerceu a profissão. Como jornalista cobriu a Revolução Constitucionalista, movimento armado ocorrido nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, entre julho e outubro de 1932, que tinha por objetivo derrubar o governo de Getúlio Vargas e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. Em 1936 transferiu-se para o Recife, onde dirigiu a página de crônicas policiais no Diário de Pernambuco, o mais antigo periódico em circulação da América Latina, fundado em 7 de novembro de 1825, pelo tipógrafo Antonino José de Miranda Falcão. Fundou o periódico “Folha do Povo” e lançou, também, o seu primeiro livro de crônicas, “O Conde e o Passarinho”. Em 1947 em São Paulo, fundou a revista “Problemas”, do PCB - Partido Comunista do Brasil, que circulou até 1956. Durante a Segunda Guerra Mundial, atuou como correspondente de guerra junto à Força Expedicionária Brasileira. No exterior desempenhou função diplomática em Rabat, Marrocos, atuando também como correspondente de jornais brasileiros. Após seu regresso fixou residência na cidade do Rio de Janeiro, onde escreveu crônicas e críticas literárias, para o “Jornal Hoje”, da Rede Globo. Em 1987, foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, de Portugal. Em 1960, em sociedade com os escritores Fernando Sabino e Walter Acosta fundou a “Editora do Autor”, cuja divisão, em 1966, deu origem à “Editora Sabiá”, comprada, posteriormente, pela Livraria José Olympio Editora. Em “Despedida” (Livro: A Cidade e a Roça, Editora do Autor, 1964), escreveu: “E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.” Rubem Braga faleceu de insuficiência respiratória, no Rio de Janeiro, em 19 de dezembro de 1990, aos 77 anos de idade, em decorrência de um câncer de laringe. Foi cremado e suas cinzas lançadas ao rio Itapemirim, na imensidão da pequena pedra achatada.

João Scortecci


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ASTROLÁBIOS: MEDIÇÃO E NAVEGAÇÃO

Dos estigmas. Das cicatrizes. Dos traços e das marcas no corpo da alma. Tatuagens ou mapas? Não sei. Somos - hoje - os nós engordados e flácidos, os nós envelhecidos e antigos, os nós adoentados disso, daquilo e sempre, os nós marginalizados, desaprovados e negados! É o que “estamos”. Os nós! O navio dos antigos está à deriva: ilhado no mar revolto, no incerto, perdido de bússolas, de vento, perdido dos astrolábios e das estrelas do céu. Estigmas das sombras? Talvez. Lembro-me dos rabiscos do menino Marco Polo desenhado no livro das mil aventuras. Lembro-me de tudo. Lembro-me das linhas da palma da mão e dos segredos da alma. Linhas da sorte? Vovó Sarah sabia das coisas. Dizia sempre, na leitura do destino alheio: “Cuidado com as mãos.” Algo assim. "Tenha medo dos vivos!" Depois, cantarolava uma poesia sobre as ondas do mar e seus amores. Voz doce e serena.: voz de avó. “Isso também passa. Todas as coisas na Terra passam. Os dias de dificuldades passarão. Passarão também os dias de amargura e solidão. As dores e as lágrimas passarão...” Palavras do Mestre Chico Xavier. Saber esperar - pacientemente - é virtude. Meu coração está ferido e dói. Eu sei, eu sinto. Hoje dia de estrela escura no céu. Silêncios espirituais. Até quando? Não sei. Eu passarinho! 

João Scortecci

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GASPARINO JOSÉ ROMÃO - O POETA DE GUARULHOS

Eu o conheci na virada do século XX e desde então nos tornamos amigos. O advogado, professor e acadêmico Gasparino José Romão (1925 - 2014) publicou dezenas de livros pela Scortecci e tornou-se pessoa querida e admirada por todos na editora. Sua presença na casa era motivo de festa e alegria. Ao chegar dizia em voz alta: “Quero falar com o chefe!”. E assim acontecia. Eu, ocupado ou não, largava tudo e o recebia. Não tínhamos hora para terminar o papo, que se estendia até sua partida. Na verdade, como bom mineiro que era, sabia a hora natural das coisas. "Agora eu vou!" Dizia. Confesso que com ele aprendi muito sobre política, literatura, direito e, principalmente, sobre a natureza humana. Seus “causos” eram cheios de vida e nunca se repetiam. Era fonte inesgotável de conhecimento e sabedoria.  Pode um homem bruto ser infinitamente bondoso, justo e delicado? Pode. Assim era Gasparino. Faleceu em 2014, aos 88 anos de idade. Quando ficou doente, fui visitá-lo no hospital. Foi nossa despedida. Estava lúcido e cheio de planos para o futuro! Sua obra é imensa e de valor literário inestimável. Particularmente tenho o livro preferido: "Entardecer", de sonetos, publicado em 2004. Nele o poeta nos fala: “Eu quis fazer um passeio inusitado” e o fez. Coisas de poeta. 

João Scortecci


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POLISSEMIA POÉTICA

Uma tragédia: estou com polissemia na língua. Fui comer milho cozido e acabei mordendo-a. Do nada o Waze do carro começou a tagarelar uma língua estranha nos meus ouvidos. Chinês? Talvez. Saiu sangue. Muito! Cuspi pela janela do carro e sujei o vidro. Fiz bochecho. Tive que deletar o APP e tentar instalá-lo novamente. Sem sucesso. Polissemia brava! Deu pau de língua. Passei pomada Oncilon na danada e tratei de ficar de castigo: de olho no caminho. Limpei o vidro com papel. Fiz stop numa concessionária da Honda e pedi ajuda. Moço você faz pareamento de língua! O moço fez cara de briga. Expliquei, então. Ele sorriu. disse-lhe: Tem uma língua estranha no bluetooth do meu carro! Liguei o motor e mostrei a língua tagarelando. Polissemia é uma doença perigosa. Não tem cura. O Moço - ligeirinho - mexeu no computador de bordo e pronto! Sua língua está nova! Testei novo cuspe. Funcionou. O sangue foi longe. Leva 3 dias e depois cicatriza. Recomendou-me, então, sorvete. Ajuda, disse. Quanto devo pelo conserto da língua? Nada. A Honda agradece. No caminho de volta joguei a espiga de milho numa caçamba de rua e tratei de testar a língua do bluetooth. Liguei para a editora. Deu certo. Algum recado? Perguntei. Não. Polissemia é coisa séria. Vale o contexto, sempre.   

João Scortecci

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O LEITOR DE LIVROS E O TRAPÉZIO

Vejo-me, assim, no movimento do trapézio. Arte pura! Vejo-me na fotografia do espelho, no desenho das sombras do sol, na ilustração do traço, na pintura das cores, na colagem das misturas, no rabisco das linhas, no corpo da estampa. Sinto-me perfil. Deixo-me leitor, no ar do trapézio. Reflexos? Talvez. Pergunto-me: Qual das escaladas devo subir? Duas em movimento: A dos degraus, das curvas, das pontes, das rampas, das lombadas, dos labirintos, dos precipícios ou a dos abismos da noite? Das quimeras, talvez. Minhas medições são letras do alfabeto, do glossário, dos capítulos, dos sumários, dos prólogos e das notas de rodapé. Meu celeste, escreve, assim: poesia nova no prelo! Leio verbos, linhas de mãos, bulas, bilhetes, dobraduras e mistérios. Segredos e tudo. Nas cordas do trapézio, não há vertigens e nem dor. Não há sebos e nem sangue seco, adormecido. Vejo-me páginas, versos, segurando ilhas de papel. Do alto do céu tudo parece circo e tablados. Mergulho, então - mortalmente - no corpo de Ícaro  - alma veloz - até o chão da terra. No fogaréu do trapézio: deixo-me livro. E leitor, também. E a vida segue feliz, tristemente. Hoje, dia 7 de janeiro, dia Nacional do Leitor. E neles escrevo perfis, espelhos e outros de mim.

João Scortecci


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VIDA SEVERINA E O COMEÇO DE TUDO EM SÃO PAULO

Li a obra "Morte e Vida Severina" (1955) do poeta e diplomata pernambucano João Cabral (João Cabral de Melo Neto, 1920 - 1999) no início do ano de 1972. Era novo na cidade de São Paulo e ainda ligado emocionalmente com tudo do Nordeste brasileiro. Foi nessa época que li, também, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Manuel Bandeira e José de Alencar. Alencar nunca foi um dos meus “protegidos”. Existe uma razão? Nenhuma. “Morte e Vida Severina” de João Cabral, na época, mexeu comigo. Comprei o livro no supermercado PEGPAG das ruas Das Palmeiras e Martim Francisco, no bairro de Santa Cecilia. Não existe mais. Lá - e cercanias - era o meu pedaço mágico de início de São Paulo. Não conheci o poeta João Cabral, pessoalmente. Uma das minhas muitas frustrações de leitor. Acontece. E Severino? Muito. Olha que deliciosa sua apresentação: “O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias.” Em 1952, quando o Partido Comunista do Brasil estava na ilegalidade, João Cabral foi acusado de criar uma "célula comunista" no Itamaraty, junto com mais quatro diplomatas: Antônio Houaiss, Amaury Banhos Porto de Oliveira, Jatyr de Almeida Rodrigues e Paulo Cotrim Rodrigues Pereira. Foram afastados em 20 de março de 1953. Recorreram ao Supremo Tribunal Federal e conseguiram retornar ao serviço em 1954. Hoje, dia 9 de janeiro, aniversário de nascimento do poeta João Cabral. Se vivo fosse estaria comemorando 105 anos de idade.

João Scortecci

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MACACO VERDE-FLUORESCENTE E AS QUIMERAS

Quimera é uma figura mística caracterizada por uma aparência híbrida de dois ou mais animais e a capacidade de lançar fogo pelas narinas, sendo, portanto, uma fera ou besta mitológica. Lendo sobre “quimeras” soube que cientistas chineses desenvolveram em laboratório “macacos quiméricos”, primatas que possuem dois ou mais tipos de DNA no seu corpo, resultado da combinação de células-tronco de embriões geneticamente distintos de macacos da mesma espécie. As quimeras – lendo a matéria – poderão, num futuro próximo, ser usadas como modelos em pesquisas sobre doenças neurológicas. Algo assim. Em outra frente, poderão também ser usadas em estudos para desenvolver novas terapias a partir das células estaminais, que têm a capacidade de se auto renovar. Da experiência “verde-fluorescente” um macaco quimérico, macho, nasceu vivo. Detalhe insignificante, para nós leigos, bestas mitológicas: O macaco psicodélico - que produz efeitos alucinógenos - nasceu com cérebro, coração, rim, fígado, trato gastrointestinal e testículos, com traços que provam, de fato, ser um quimera. Detalhe: não lança fogo pelas narinas! Sorte. O comediante, escritor, ator e humorista Jô Soares (José Eugênio Soares, 1938 – 2022), tinha na TV aberta um personagem – hilário, dos melhores – de um general da reserva que tinha entrado em coma antes da abertura, e que tinha saído do coma anos depois, em plena abertura, que ficava horrorizado com tudo e com as coisas que estavam acontecendo no país. O general, inconformado com a nova realidade, deitado numa cama de hospital, protestava, sempre: “Me tira o tubo! Me tira o tubo!”. Saudade do humor do Gordo! E também, pasmem, do inofensivo monstro com a cabeça de leão, o corpo de cabra e a cauda de serpente da minha infância. Monstro simpático! Sobre o macaco com saco e unhas verde-fluorescente, anotem: Vai fazer sucesso! Muito. 

João Scortecci


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CASIMIRO DE ABREU E OS BOLINHOS DE BACALHAU

Ontem, dia 4 de janeiro, fui comer “bolinhos de bacalhau” na festa de aniversário de 186 anos do poeta Casimiro de Abreu (Casimiro José Marques de Abreu, 1839 – 1860). Meu saudoso poeta morreu jovem de tudo, com 21 anos de idade. Tinha, apenas, uma única ocupação: Ser Poeta e nada mais. Dele guardo no coração de “primaveras” os versos mais lindos do mundo: “Oh! que saudades que tenho / Da aurora da minha vida, / Da minha infância querida / Que os anos não trazem mais!” A festinha foi animadíssima. Lá tinha de tudo: até poetas! Outro dia, em 2014, a amiga e escritora Betty Vidigal, escreveu: “Dia desses Ziraldo disse que só jovens têm saudade da infância, velhos vivem o presente. Que Casimiro escreveu isso porque tinha 20 anos... Se tivesse 80, estaria ocupado vivendo!” Perguntei-me, então: Eu os meus oito anos? Pensei, pensei e lá fiquei sem respostas. Dormi cedo - com o estômago cheio de versos e bolinhos de bacalhau - antes da meia noite. Tenho medo de virar abóbora! Coisas de poeta.   

João Scortecci

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DIA DO LEITOR E O JORNAL “O POVO”

Meu pai Luiz Gonzaga do Carmo Paula era filho de João Batista de Paula, o Batista da Light e de Sarah do Carmo Paula, primos legítimos da cidade de Quixadá, interior do Ceará. Sarah, avó paterna, era filha de Joaquim do Carmo Filho e de Izabel Figueiredo Leopoldina do Carmo, e irmã de José Nereu, Godofredo, Maria Augusta, Letícia e Creusa. Creusa (Creusa do Carmo Rocha, 1915 - 1943), casou-se com o poeta, jornalista e acadêmico cearense Demócrito Rocha (1888 – 1943) e tiveram duas filhas: Maria Albanisa Rocha e Maria Lúcia Rocha, a Tia Lucinha. O jornalista e poeta Demócrito Rocha e o poeta, jornalista, Deputado Federal, Senador da República e governador do Estado do Ceará, Paulo Sarasate (Paulo Sarasate Ferreira Lopes, 1908 - 1968), fundaram, em 7 de janeiro de 1928, o Jornal cearense “O Povo”. Paulo Sarasate, 20 anos mais jovem que Demócrito Rocha, casou-se, então, com Maria Albanisa, sua filha mais velha. E não tiveram filhos. Confuso, né? Também acho. Demócrito Rocha, iniciou a atividade jornalística em 1924, fundando o jornal Ceará Ilustrado. Foi também redator e diretor literário do jornal “O Ceará”. Fundou em 1928 o jornal diário “O Povo” e no ano seguinte, a revista literária Maracajá, que propagava o modernismo no Nordeste do Brasil. Com a morte de Demócrito Rocha, em 1943 e de Paulo Sarasate, em 1968, Maria Albanisa Rocha Sarasate assumiu, a direção do jornal, até 1985, quando veio, então, a falecer, transferindo a direção do jornal para o sobrinho, Demócrito Dummar, filho mais velho de sua irmã, Maria Lúcia Rocha Dummar. Demócrito Dummar foi um primo querido. Era afilhado do meu pai Luiz e sempre que possível conversávamos sobre o mercado editorial. Tinha planos de abrir uma filial da Gráfica Scortecci, em Fortaleza. Demócrito, faleceu tragicamente em 25 de abril de 2008. Hoje, depois de 97 anos, o Jornal O Povo, o mais antigo em circulação no Ceará, tem como Presidente do grupo a bisneta de Demócrito Rocha, filha mais velha do primo Demócrito Dummar, a jornalista Luciana Dummar. O Dia do Leitor, comemorado no Brasil no dia 7 de janeiro, é dedicada às pessoas que são apaixonadas pela literatura e amam os livros! Foi criado em homenagem à fundação do jornal cearense “O Povo”, de 7 de janeiro de 1928, pelo poeta e acadêmico Demócrito Rocha, e que ficou conhecido por combater a corrupção e divulgar fatos políticos com isenção e coragem e, também, pela criação, em 1929, do suplemento literário “Maracajá”, folha modernista do Ceará, em referência ao felídeo encontrado na região Amazônica e cujo nome é originário da língua tupi, que se tornou um espaço de divulgação do movimento modernista literário cearense na época.

João Scortecci


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PETIT GATEAU COM ISAAC NEWTON

Das primeiras causas: o homem poeta! Lendo Newton - o natural, filósofo - escrevi no corpo do guardanapo do almoço: reações opostas do Eu (verso 1), no nu das próprias palavras (verso 2) e adiante: sinto-me fracionado no mundo material das coisas! (verso 3). Fim. Limpei a boca e tratei de pedir para o garçon a conta do restaurante e voltar, ligeiro, para o trabalho do início do ano. "Espera!" Gritei, encurralando o garçon. Quero o guardanapo. "Sujo?" Perguntou-me. Sim, por favor. Respondi. Guardei-o no bolso. Isaac Newton nasceu no ano de 1643, no dia 4 de janeiro. Irmão de alquimia literária, algo assim. Hoje - mais do que nunca - ando esquecendo das exatidões da vida. Reabro o poema do guardanapo e ele, Isaac Newton, sussurra, na boca do estômago: “Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele.” Reações do Eu? Talvez. Continuo, então, explorando a geografia do poema-guardanapo: “A mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida, e é produzida na direção de linha reta na qual aquela força é aplicada.”. Entro, então, de vez, nas palavras do meu silêncio impróprio. Força motora imprimida? Silêncio pensativo. E nas bordas do poema sujo: “A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos.” Fracionei-me! Ações mútuas de dois corpos um sobre o outro! Alquimia do amor, pensei. Declaro-me, então: Infeliz guardanapo! Boca amarga, gordura ingrata, talheres cruzados, cruz de aço e vazios. Pergunto: "Vocês tem “petit gateau” de sobremesa?" Preciso de um. Talvez dois, ou mais. Newton que me perdoe a hora: quero rosetar minha alma de leão! Livrar-me do gosto amargo. Amanhã, outro dia, na desigualdade do impróprio, darei, então, um desconto justo e merecido. Vou pedir: salada de palmito, tomate e folhas verdes. Eu e as exatidões da vida: parcial, ingrata e cruel. E em linha reta! Na dúvida: outro poema-guardanapo e a sorte do prato do dia. 

João Scortecci


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