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JOÃO GUIMARÃES ROSA E O LIVRO DE POESIAS "MAGMA"

Não sabia. Confesso: foi surpresa! Guimarães Rosa, poeta? "Magma" foi escrito em 1936 e publicado postumamente pela Editora Nova Fronteira, em 1997. O livro de poesias sempre foi considerado uma obra menor pelo autor de “Sagarana” (1946), “Grande Sertão: Veredas” (1956) e Outros. Curiosidade: “Magma” foi ganhador do concurso literário criado pela Academia Brasileira de Letras (1936), com o pseudônimo “Viator” (Viajante). Durante sua vida, Guimarães Rosa (João Guimarães Rosa, 1908 - 1967) não demonstrou qualquer interesse em publicá-lo, chegando a dizer em entrevista: " [...] escrevi um livro não muito pequeno de poemas, que até foi elogiado. [Depois] passaram-se quase dez anos, até eu poder me dedicar novamente à literatura. E revisando meus exercícios líricos, não os achei totalmente maus, mas tampouco muito convincentes". “Magma”, poesia de nome “Sono das Águas”: "Há uma hora certa, no meio da noite, uma hora morta, em que a água dorme. Todas as águas dormem: no rio, na lagoa, no açude, no brejão, nos olhos d’água. Nos grotões fundos. E quem ficar acordado, na barranca, a noite inteira, há de ouvir a cachoeira parar a queda e o choro, que a água foi dormir…". Guimarães Rosa, em 6 de agosto de 1963, foi eleito, por unanimidade, membro da Academia Brasileira de Letras, sendo o terceiro ocupante da cadeira n.º 2, que tem como patrono Álvares de Azevedo. João adiou a cerimônia de posse por quatro anos. No seu discurso de posse, em 16 de novembro de 1967, afirmou: "…a gente morre é para provar que viveu.". Guimarães Rosa faleceu 4 dias depois de sua posse, vítima de um ataque cardíaco, na cidade do Rio de Janeiro, em 19 de novembro e 1967, aos 59 anos de idade. 

João Scortecci


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DESAFIOS E OS ROUBOS NO MUSEU DO LOUVRE

Desafios existem! Nunca saem de moda. Roubar o Museu do Louvre – maior museu de arte do mundo e um monumento histórico da França – é um deles. O mais recente aconteceu em 19 de outubro de 2025. Quatro ladrões entraram durante o horário de funcionamento, usaram um guindaste para acessar o interior do museu e fugiram levando joias da coroa francesa. O poeta e crítico de arte francês Guillaume Apollinaire (1880 – 1918) morreu jovem, com apenas 38 anos de idade, vítima da gripe espanhola. É considerado o mais importante ativista cultural das vanguardas do início do século XX. É conhecido também por sua poesia sem pontuação e por ter escrito manifestos importantes para as vanguardas na França, tais como o do Cubismo, e de ser o criador da palavra “Surrealismo”. Apollinaire, em 21 de agosto de 1911, foi acusado de cúmplice no roubo do quadro “Mona Lisa”, exposto no Louvre, obra do italiano Leonardo da Vinci (1452 – 1519). Depois de investigações, o poeta chegou a ser preso e mantido na cadeia por uma semana, até ser solto, por falta de provas. No seu depoimento – não há documentos sobre o que foi dito – Apollinaire acusou o pintor espanhol Pablo Picasso (Pablo Ruiz Picasso, 1881 – 1973), de ser o mandante do roubo. Picasso foi ouvido e nada foi encontrado que o incriminasse. Dois anos depois, em 1913, a polícia da Itália prendeu o italiano Vincenzo Peruggia, ex-funcionário do Louvre, tentando vender a pintura. Em 1914, “Mona Lisa” foi reintegrada ao acervo daquele museu francês. Historiadores e cientistas da arte afirmam que a mulher retratada no quadro é a italiana Lisa Gherardini (1479 – 1542), nascida em Florença, e que seu marido, Francesco del Giocondo, foi quem encomendou a obra. “Mona Lisa” é, muito provavelmente, a obra de arte mais famosa da história ocidental. Mede 77 cm de altura por 53 cm de largura e foi levada para a França pelo próprio Leonardo da Vinci, quando morou naquele país e trabalhou na Corte francesa. Foi vendida para Francisco I, rei da França, entre os anos de 1515 e 1547. O poeta Guillaume Apollinaire morreu em 1918, quatro anos depois que “Mona Lisa” voltou para o Louvre. Está sepultado no cemitério de Père-Lachaise, em Paris, tendo sobre seu túmulo uma escultura em forma de menir, monumento megalítico, feito por ninguém menos que o pintor e escultor espanhol Pablo Picasso. Nuances da vida. Desafios, talvez.

João Scortecci
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MORFEU, PASITHEA E AS MEMÓRIAS AFETIVAS

Morfeu veio e se ocupou de mim: sonho bom, leve, adocicado, língua no céu da boca. Acordei relaxado, volátil, nos braços de Pasithea. Desconfio que o gatilho tenha sido alguém no rádio durante a madrugada falando sobre degustação de chocolate, algo assim. Esse negócio de gatilho emocional mexe com nossas forças, nossas fraquezas, nossos sentidos, com o melhor de nós. O olho vê e o cenário, então, renasce inteiro no coração. Um simples toque de dedos na pele e o sangue logo começa a ferver, a fluir apressado, nos labirintos da carne. Um cheiro inesperado, picante ou podre, pinga nas entranhas do cérebro e, do nada, traz ventanias, temporais dos infernos. Basta o silêncio ganhar uma gota de som, um bramir de asas e folhas, vazar nos ouvidos, que, ligeiro, o céu grita no ar palavras, músicas, melodias e encantamentos. Coisas da alma. Quando o paladar abre a boca e morde línguas e amores, quando saliva sabores, o gozo se transforma em hálitos, em memórias de olfato. O gatilho, lanceiro mortal, armou-se, então, e atirou no alvo das memórias do tempo. Meu pai Luiz, inteligente e brilhante, já idoso e demente, morreu no silêncio de tudo. Dói lembrar. Certo dia, ele já esquecido, morando na Casa de Repouso Toniolo, levei-o para um passeio de carro no quarteirão. Papai estava machucado no rosto, óculos quebrado, inquieto. Na clínica haviam dito que tinha sofrido uma queda, algo assim. Anos depois descobrimos que ele havia tentado fugir, pulando o muro. Entramos no carro – na época um Vectra, verde musgo, da Chevrolet – e ele, cheio de manias, esticou o pescoço e espiou o painel do carro, de olho no ponteiro do combustível. “Podemos ir!”. Rodamos no bairro alguns quarteirões, não mais que 30 minutos. Quando estacionei o carro de volta, no portão da Clínica Toniolo, ele, num passe de mágica, saiu da demência. Estava perfeitamente lúcido, racional, equilibrado, como havia sido a vida inteira. Foi emocionante, inesquecível. Conversamos sobre negócios, imóveis, sobre o falecimento da mamãe Nilce em 2003, meus irmãos, sobre a editora e sua estadia, desde então, na clínica. Papai perguntava e eu respondia de pronto. No final da conversa, antes de apagar novamente, disse-me: “Do jeito que você está fazendo está ótimo!” Alguns meses depois parou de se alimentar e adoeceu. Sofreu uma parada cardíaca no hospital, quando foi fazer uma ressonância magnética. Foi ressuscitado, teve as costelas quebradas e veio a falecer na UTI, alguns dias depois. Morfeu, então, veio e se ocupou de mim. Nunca vi papai comer chocolate algum na vida. Até hoje não sei se gostava ou não. Gostava de frutas: banana, principalmente. Esse negócio de gatilho emocional mexe com nossas forças, nossas fraquezas, silêncios do passado, com o melhor de nós. Papai Luiz faleceu no dia 3 de dezembro de 2007, aos 84 anos de idade. Chorei sua morte somente alguns anos depois, quando assisti o filme “Peixe Grande e suas histórias maravilhosas”. Não foi fácil hoje escrever sobre o nosso último encontro de lucidez. Tenho medo da demência. Foi Pasithea, com certeza, quem provocou o encontro de hoje, depois de escutar no rádio sobre degustação de chocolate, memórias de olfato e língua no céu da boca.

João Scortecci

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HISTORINHAS DO CORAÇÃO

Gosto de “historinhas”. Quem não gosta? Algumas são deliciosas e eternas e fazem parte do meu coração de menino. Vovó Sarah era quem contava as melhores. Inesquecíveis! Foi ela que me contou pela primeira vez a historinha do sábio índio e os seus conflitos internos da alma. Dizia: “Dentro de mim moram dois cachorros, um deles é cruel e mau, o outro é muito bom e dócil, eles estão sempre procurando briga um com o outro. Foi quando lhe perguntaram: “Qual dos dois ganharia a briga?” O velho índio parou, refletiu e respondeu: “Aquele que eu alimentar primeiro!” Hoje acordei cedo e logo tratei de alimentar o meu cachorro bom e dócil. Comeu e dormiu, em paz, com a cabeça voltada para o bem. O cachorro cruel e mau, reclamou. Latiu. Dei-lhe, então, ração e água. E nada mais. Vovó Sarah dizia, sempre: o único animal cruel por natureza é o homem. Eles e as formigas! Formigas? Sim. Elas carregam e espalham doenças, vírus, bactérias e fungos! Filho, cuidado com as formigas! Fuja delas. Elas levam e trazem gripe, tuberculose, verminoses e até lepra, além de intoxicações alimentares, vômito e diarreia. Guardei a lição. Vovó Sarah, Já idosa e sofrendo de demência, isso no final dos anos 1970, certo dia, depois de alimentar os cachorros, tirou os sapatos do pé, ajoelhou-se e começou a cutucar o chão e os cantos da sala da casa. Perguntei-lhe: Vovó, o que você está fazendo? Ela, então, olhou-me e respondeu: “Já alimentei os cachorros da alma. Agora estou matando as formigas da casa!”  

João Scortecci


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O SOFÁ DO NADA DO POETA MANOEL DE BARROS

Tudo ou nada, na direção de Manoel de Barros, o poeta. Quero o nada e depois o tudo, sentar-me, indolente, e lá permanecer, por séculos. Isso basta, o bastante. Manoel de Barros (1916 – 2014) nasceu em Cuiabá, estado do Mato Grosso, e aos 13 anos de idade mudou-se para Campo Grande, hoje Mato Grosso do Sul. Lá, ficou – quase – sempre. Escreveu o “Livro sobre nada”, de 1996, obra que eu gostaria de ter escrito. Belíssima! Falar sobre o nada, sempre me ocupou profundamente. Gosto da ternura do nada, inexistente, selvagem e mortal. No nada não há dor e nem medo. Somente solidão! No meu livro de poemas “Água e sal – Fragmentos de tempo algum”, de 1990, prefaciado pelo mineiro Fábio Lucas, poetei alguns poucos versos sobre o nada. Ficou, na época, a promessa de, um dia, cutucar novamente o assunto e, então, talvez, escrever. Ficou. Tenho até um provável título: “Nada de alguém”, quase isso. Manoel de Barros é absoluto. Escreveu: “Uso a palavra para compor meus silêncios.” "O nada do meu livro é nada mesmo.". Não o conheci pessoalmente. Uma pena! Trocamos assobios, passarinhos, bilhetes e livros. Nunca tempestades! Mais um dos descuidos literários, de tantos, em 50 anos. Perdi – não me conformo – os passarinhos de Quintana, a vida Severina, de João Cabral, e o “Poema sujo”, de Ferreira Gullar. Não adianta justificar-me por nada – eu os perdi, e pronto. Os poetas são malvados: gostam de travessuras, piruetas e castigos. São serpentes! Morrem do nada – alguns, várias vezes –, não vão embora, não se despedem, nunca. Ficam nos azucrinando, nos marcando com palavras, bocas e cheiros. Os poetas são grudentos! Drummond – o anjo torto do céu – recusou o epíteto de “maior poeta vivo do Brasil”, em favor de Manoel de Barros. Grande Drummond! Manoel de Barros morreu no nada, aos 97 anos de idade, lendo, provavelmente “Poemas concebidos sem pecado”. Fica aqui – registrado – o meu desafio: quando publicar o livro “Nada de alguém”, será em sua homenagem, com dedicatória e nada. Manoel, licença! Posso sentar-me no sofá de bronze? Venho de longe. 

João Scortecci


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FOTO DE AUTOR DE CAPA DE LIVRO

Eu sei e todos nós sabemos que escritor – iniciante ou não – tem “frescurite aguda” na hora de escolher a foto do verso ou da orelha, para compor a arte de capa. O drama – nas casas editoriais – é tratado como um parto selvagem e cruel. O bicho pega! Já tive até cancelamento de contrato. Síndrome de imortalidade? Talvez. Nos anos 1990, na sede da União Brasileira de Escritores, na Rua 24 de maio 250, na cidade de São Paulo, o escritor e publicitário Ricardo Ramos (1929 – 1992), filho de escritor Graciliano Ramos (1892 – 1953) e pai do atual presidente da entidade, Ricardo Ramos Filho, chamou-me de canto e, apontando o dedo para uma foto impressa na orelha de um livro, fez um pedido formal: “Scortecci, está vendo essa foto?”. “Sim”, respondi. “É ela! A escolhida! É com ela que quero ser lembrado.” Algo assim. E assim foi. Quando Ricardo Ramos faleceu, em 1992, imprimimos nas oficinas da Gráfica Scortecci a tal foto imortal, num pôster de 1/4 de folha, com mensagens de vários amigos escritores, em sua homenagem. Ricardo Ramos foi velado na Academia Paulista de Letras, no Largo do Arouche, na capital paulista, e o pôster foi distribuído aos presentes. Guardo uma cópia no memorial da editora. Escrevi: “Gostava dele aos trancos e barrancos!”. Ricardo Ramos foi um alagoano difícil e amoroso. Um crítico justo e feroz. Não gostava de dar entrevistas e, quando falava, mordia e assoprava, sempre com bom humor. Um dia, reunidos na residência do crítico literário Fábio Lucas, a escritora Lygia Fagundes Telles, declarou: “Ler Ricardo Ramos – para quem o conhece – é o mesmo que escutá-lo”. Inconfundível e único. Guardo até hoje sua voz no meu coração. No início dos anos 1980 – nos primórdios da editora – recebi uma ligação da poeta e tradutora Dora Ferreira da Silva (1919 – 2006), autora de muitos livros, ganhadora do Prêmio Jabuti e editora da revista “Cavalo Azul”. “Scortecci, quero editar a revista ‘Cavalo Azul’, número 10!”. “Perfeito”, respondi. Marcamos então um encontro no saguão de entrada da Biblioteca Mário de Andrade, na cidade de São Paulo. Não conhecia Dora Ferreira da Silva, pessoalmente. Como reconhecê-la? Os buscadores Yahoo (1994) e Google (1998) não existiam. Difícil acreditar nisso! A Internet era para poucos e somente entrou na vida da Scortecci Editora no ano de 1989, com a compra de um poderoso computador 268. Tinha um livro da escritora na estante, com foto na orelha. Sorte! Reli a obra e fui ao encontro, carregando o exemplar do livro “Jardins”, publicado em 1979. Publicação recente, portanto. Sou exageradamente pontual e não gosto de atrasos. Nem de desculpas! Na mesma hora – pontualmente – adentrou no saguão da biblioteca Mário de Andrade uma senhora idosa e encapuzada. Fazia frio em São Paulo. Não devia ser ela, concluí. Buscava pela foto uma mulher jovem, bonita, com seus 40 anos de idade. Depois de uns 15 minutos de espera e já impaciente, a senhora – que me olhava insistentemente – se aproximou e perguntou: “Você é o Scortecci?”. “Sim.” “Eu sou a Dora Ferreira da Silva: não está me reconhecendo?” “Não”, respondi. Fui ríspido, confesso. Abri o livro e mostrei a foto de referência. Ela sorriu. Disse-me, sussurrando: “Um pouco mais jovem, talvez”. “Muito!”, retruquei. Ela justificou: “É do final dos anos 1960. Gosto dela! Está nas orelhas dos meus últimos livros”. De volta à editora – curiosamente – tratei de pesquisar e descobrir a sua idade: 71 anos! Fui cruel. Perdão Dora Ferreira da Silva! O post é um pedido de desculpas. No meu último livro de poesias “Dos Cheiros de Tudo – Memórias do Olfato", publicado em 2019, tive um ataque inesperado e incontrolável de “Síndrome de Imortalidade”, na hora de compor a arte da capa. Escolhi uma foto de 2015, tirada em um evento literário na Livraria da Vila, em São Paulo. Gosto da foto: um pouco mais jovem, talvez.

João Scortecci

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A LOTÉRICA CRYSTAL DA SORTE DE JOSÉ SCORTECCI

Meu avô materno José Scortecci (1902 - 1988) fez na vida de tudo um pouco. Foi editor, gráfico, fazendeiro, dono de um comércio de secos e molhados e - até então um fato desconhecido - dono de casa lotérica. A casa chamava-se: CRYSTAL DA SORTE (Scortecci & Cia. Ltda). Segue matéria do jornal “O Correio de São Paulo”, do dia da inauguração da lotérica, que ficava na Rua Líbero Badaró nº 599, no centro da cidade de São Paulo. Não consegui localizar a data. Provavelmente 1946 ou 1947. Na matéria fala ex-proprietário da Revista PAN (1935 - 1945). Na foto 1 José Scortecci é o terceiro da esquerda para a direita, de óculos e, na foto 2 é o primeiro da direita. Acho - não tenho certeza - que do seu lado direito está a minha avó materna Maria Aparecida Campos Scortecci (1909 - 1987). No subtítulo da matéria do jornal algo que não entendi: “Com 2 é mais provável e 2 terá com 1, no Crystal da Sorte”.



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PAPELADA DOS INFERNOS E OS INÉDITOS DO AMOR BANDIDO

Já editor de livros, num almoço de domingo, isso no ano de 1999, quase na virada do milênio, mamãe Nilce – depois de beber uma garrafa de vinho – confessou-nos, alegremente: “Vocês sabiam que o pai de vocês já escreveu um romance?” Silêncio. Papai – surpreso – com a “entrega”, emudeceu. “É verdade?”, perguntei, surpreso. Papai Luiz se enrolou todo e, sem saída, confessou: “Sim. Já cometi um romance!”. Risos. “Onde está o livro?”, insisti. “Perdeu-se!”, respondeu. E o assunto morreu ali. Durante anos duvidei do “simples” desaparecimento da obra. Quando mamãe Nilce faleceu, em 2003, e papai Luiz, já demente, estava numa clínica, vasculhamos o apartamento, mas o livro, infelizmente, não foi encontrado. “Pai e o livro?” Ele – distante e esquecido – respondeu: “O livro sumiu!”. “Qual era o título?” Ele, num lampejo de juventude, delatou-se: “Conceição, só eu sei!”. Mamãe Nilce, certa vez, deixou escapar o enredo: uma história de amor de um estudante de engenharia e uma jovem de nome Conceição! Papai gelou. Lembro que, quando o cantor Cauby Peixoto (1931 – 2024), cantarolava no rádio a música “Conceição”, papai Luiz tremia feito vara verde. Mamãe Nilce fazia cara feia e soltava fumaça pelo nariz. Conceição havia sido o grande amor do meu pai. Em 50 anos escrevendo, editando e imprimindo livros conheço muitas histórias de originais perdidos, destruídos, queimados, jogados fora. Muitas vezes pelos próprios autores, mas, quase sempre por alguém da família. As razões são muitas, pertinentes ou não. Acontece. E parte da vida e da história daquela pessoa desaparece. Uma vez acompanhei, de perto, uma desventura cruel. Um professor viúvo, respeitadíssimo no meio literário, com vários livros publicados e outros ainda inéditos, sofreu um AVC e morreu, aos 72 anos de idade. Uma de suas filhas – a mais velha – ligou-me e avisou de sua morte. Foi um susto. Gostava dele. No meio da conversa informou: “Jogamos tudo fora, uma papelada dos infernos! A escrivaninha e a poltrona de couro, um sobrinho levou. Ficou a máquina de escrever. Vocês querem?”. Perguntou e continuou falando: “Guardamos as roupas. Ternos de linho, sapatos italianos, gravatas de seda, abotoaduras e perfumes. O velho, você sabe, depois que enviuvou, andava nos trinques!”. “E os livros da biblioteca? E os originais inéditos?” Resposta: “Jogamos tudo fora, no lixo”. “E os exemplares que estão aqui no estoque da editora: o que faço?” “Não queremos nada!” E desligou o telefone. Foi quando, em 2001, criei o Portal Amigos do Livro e depois, o Livros para Todos, projeto voluntário, de formação e ampliação de bibliotecas públicas e comunitárias. A máquina de escrever ficou por lá. Não tive coragem de retirá-la. Sempre que presencio história igual ou parecida, lembro do sumiço do romance “Conceição” que o meu pai Luiz – jovem e apaixonado – escreveu. Mamãe Nilce deve ter dado fim nele. Hoje, quando escuto no rádio a música “Conceição” lembro do meu pai e do seu livro: “Conceição, só eu sei”. Inédito e bandido.

João Scortecci

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FAMÍLIA SCORTECCI NO BRASIL

Meu bisavô materno, Esaú Scortecci, era natural da comuna de Laterina – distante 8 km de Arezzo – hoje com uma população de 3,5 mil habitantes. Imigrou para o Brasil no vapor “Sirio”, no ano da graça de 1889. Sete anos depois, no dia 4 de agosto de 1906, e dois dias após ter partido do Porto de Gênova, o vapor naufragou na costa da Espanha, próximo às Ilhas Formigas, junto ao Cabo Palos. O capitão do vapor, Giuseppe Piccone, com 68 anos de idade e 46 anos de experiência na profissão, estava “descansando” no momento do naufrágio e, ao perceber a tragédia, foi um dos primeiros a abandonar o navio. O “Sirio” – considerado na época um transatlântico moderno – foi construído em 1883, em Glasgow, na Escócia, e fez sua primeira viagem em 15 de junho daquele ano. Medindo 129 metros de comprimento e pesando 4.141 toneladas, com motor de 5.323 cavalos-vapor, o navio transportava cerca de 1.700 passageiros na viagem em que naufragou, embora só pudesse levar 1.300 mais 127 tripulantes. Entre os passageiros, havia cerca de 700 imigrantes italianos, dos quais 300 morreram e 200 ficaram desaparecidos. A embarcação espanhola “Jovem Miguel” recolheu cerca de 300 náufragos, mas foi obrigada a se afastar, deixando ainda centenas de pessoas no mar, já que a explosão das caldeiras do “Sirio” e seu rápido afundamento colocaram a embarcação espanhola em perigo. O capitão Giuseppe Piccone foi preso em Cartagena, como culpado pelo sinistro, acusado de superlotar o navio com o transporte de clandestinos. Além disso, o “Sirio” viajava em velocidade elevada, de 17 nós ou 31,5 km/h, incompatível com o local – “Bajo de Fuera” – que se transformaria na época num cemitério de embarcações. Entre os mortos, vindos de Roma para o Brasil estavam o Monsenhor José Camargo de Barros (1858 – 1906), 12º. bispo de São Paulo, e mais oito missionários. Entre os religiosos, o único que se salvou do naufrágio foi o arcebispo de Belém do Pará, Homem de Melo (José Marcondes Homem de Melo, 1860-1937). A tragédia ficou marcada profundamente na memória da colônia italiana no Brasil, que – três gerações depois – ainda canta, com muita tristeza: “Il Sirio, il Sirio, la misera squadra; per molta gente la misera fine…” O pintor, desenhista, historiador e cartógrafo paulista Benedito Calixto (Benedito Calixto de Jesus, 1853 – 1927), no ano de 1907 – um ano após a tragédia –, pintou um quadro em óleo sobre tela, com 160 x 222 cm, intitulado “Naufrágio do Sirio” e que hoje faz parte do acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo. Na pintura de Benedito Calixto, Monsenhor Homem de Melo – o sobrevivente – está à direita do Monsenhor José Camargo de Barros, retratado abençoando missionários e segurando uma boia salva-vidas. Testemunhas afirmam que Dom José Camargo de Barros morreu devido à agressão de um tripulante que lhe tirou a boia, quando o religioso abençoava aqueles que iam se atirando nas águas do mar. Na memória de imigrantes italianos no Brasil, o naufrágio é também relembrado com o ditado: “Quem não souber por quem rezar, reze por aqueles que estão no mar!” 

João Scortecci


FOTO: Da esquerda para a direita: Luiz Scortecci, Guilherme Scortecci (mais alto, no fundo), Maria Henriqueta de Sousa Scortecci (sentada, bisavó), José Scortecci (avô materno), Catarina Scortecci (mais alta, de babado na gola), Esaú Scortecci (sentado, bisavô) e Sílvio Scortecci (direita). Está faltando na foto a caçula, Aninha (Maria Scortecci).





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QUEM ORDENA, JULGA E PUNE?

A escritora, professora e poeta Cecília Meireles (Cecília Benevides de Carvalho Meireles, 1901 - 1964) morreu jovem, proveniente de um câncer no estômago, na cidade do Rio de Janeiro, no dia 9 de novembro de 1964. Tinha 64 anos de idade. É considerada a maior poeta do Brasil. Não a conheci. Em 1964, quando de sua morte, tinha 8 anos de idade, era menino no Ceará e ainda dava os primeiros passos na Linha Cerol. Conheci a obra de Cecília, a poeta dos olhos azuis-esverdeados, no final dos anos 1970. Alguém me disse: “é a maior poeta do Brasil” e eu fui conferir. No início sua poesia não mexeu comigo. Li e gostei. Na época estava náufrago - lendo e relendo - a obra de Carlos Drummond de Andrade, meu poeta maior. Cecília veio aos poucos, principalmente depois da popularização da Internet e do surgimento das redes sociais. Cecília - veio e ficou - é, talvez, a escritora mais popular da Internet. Em 1990 ganhei um exemplar do livro “Romanceiro da Inconfidência", coletânea de poemas que conta a História de Minas, dos inícios da colonização no século XVII até a Inconfidência Mineira, revolta ocorrida em fins do século XVIII, na então Capitania de Minas Gerais, edição da Nova Fronteira. A obra faz parte da minha biblioteca. Gosto dos versos: “Ó meio-dia confuso, ó vinte-e-um de abril sinistro, que intrigas de ouro e de sonho houve em tua formação? Quem ordena, julga e pune?”. De arrepiar! Diz tudo. Sempre me pergunto: Quem ordena, julga e pune?”. O tempo, talvez. “Quais os que tombam, em crime exaustos, quais os que sobem, purificados?” A história é assim: lembra e esquece! 

João Scortecci


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JOÃO: NOME DO BRASIL E DO MUNDO

Nomes do Brasil. Censo de 2022, IBGE. Fiquei sabendo pelo rádio e fui conferir. De cara, na Home, vi que “João” ocupa o segundo lugar no ranking masculino com  3.430.608 milhões de pessoas, percentual de 1,69% e idade média de 23 anos. “João” entre os nomes masculinos está em 2º lugar, depois de José com 5.164.752 milhões. No topo estão as “Marias”, com 12.284.478 milhões, percentual de 6,05% e idade média 53 anos. Detalhe: gosto do nome Maria! O significado do nome João tem origem no hebraico Yohanan, que quer dizer ”a graça de Deus”, ”agraciado por Deus”. O nome originou-se da junção dos elementos linguísticos Yo, referindo-se a Deus, e Hanan, que significa graça. Na tradição cristã, o nome é muito associado às figuras bíblicas de João, um dos apóstolos de Jesus, e João Batista, profeta antecessor de Jesus. Juan, uma das variações do nome João, é o nome masculino mais popular em diversos países da América Latina, como Chile, Argentina e Uruguai. João é o nome mais frequente entre os papas, tendo sido utilizado 21 vezes pelos chefes da Igreja Católica. Minha mãe Nilce dizia: “João tem de tudo: velhos, crianças, mocinhos, bandidos, santos, heróis e danados! Então, comporte-se!” Guardei a máxima. Ainda na página Nomes do Brasil procurei pelo nome “Scortecci”. Encontrei 25 pessoas. Família pequena. Abri o Excel e listei então os Scortecci que conheço, vivos e residentes no Brasil: 31. E agora? Faltam 6 nomes no censo do IBGE. Mistério. No mundo, segundo a Forebears, existem 293 pessoas com Scortecci no nome, vivendo na Itália, França, Alemanha, Sardenha, Croácia, Alasca, Estados Unidos e Brasil. Sobre os 25 listados pelo IBGE que vivem no Brasil vou procurar saber. Tenho amigos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sou um importunado: Não gosto de ficar sem respostas! Mamãe Nilce sabia das coisas: "Então, comporte-se!”

João Scortecci


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PEDRO II E FAROL DO MUCURIPE NO CEARÁ

No dia 2 de dezembro de 2025 aniversário de nascimento de 200 anos de Pedro II (Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga, 1825 – 1891), segundo e último monarca do Império do Brasil. Pedro, cognominado "o Magnânimo" comentou em seu diário em 1862: "Nasci para consagrar-me às letras e às ciências". Era um polímata e leitor voraz. Interessava-se por antropologia, geografia, geologia, medicina, direito, estudos religiosos, filosofia, pintura, escultura, enxadrismo, teatro, música, astronomia, química, física, poesia, tradução e tecnologia. Falava não só o português, mas também latim, francês, alemão, inglês, italiano, espanhol, grego, árabe, hebraico, sânscrito, chinês, provençal e tupi. Tornou-se o primeiro brasileiro fotógrafo quando adquiriu uma câmera de daguerreótipo (processo fotográfico desenvolvido por Louis-Jacques-Mandé Daguerre, em 1840, que produzia imagens únicas e detalhadas em placas de cobre com revestimento de prata). Criou um laboratório fotográfico em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Em 2017, a cidade de Fortaleza ganhou um novo farol, no bairro Vicente Pinzón, com 72 metros de altura e três vezes mais alto que o do Mucuripe, imortalizado como sendo “Os olhos do mar”. O novo farol conserva o aparelho lenticular do farol do Mucuripe, de alto valor histórico e simbólico, por ter pertencido a Pedro II. Relendo a sua biografia não pude deixar de observar a data de sua morte (5 de dezembro de 1891, no Hotel Bedford, em Paris), de ter morrido jovem, com apenas 66 anos de idade. Quando criança admirava vê-lo nas fotos idoso, sábio, culto e inteligente. Desconhecia sua tristeza e resignação quanto ao fim da monarquia. Salve Pedro: Os olhos do mar! 

João Scortecci


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O MANGAKÁ OSAMU TEZUKA

Osamu Tezuka (1928 – 1989) foi um “mangaká” – desenhista de mangás – influente no Japão e no resto do mundo. É lembrado no Japão como o “pai do mangá moderno” ou “Deus do Mangá”. Com sua obra “Shin Takarajima”, publicada em 1947, Tezuka começou o que ficou conhecido como a revolução dos mangás no Japão. Sua produção lendária gerou algumas das séries de “mangás” mais bem-sucedidas e premiadas daquele país, entre elas: “Astro Boy”, “Kimba”, “O Leão Branco”, “Dororo”, “Black Jack” e “Hi no Tori”. Osamu Tezuka não é o inventor dos mangás. É o mangaká que os popularizou. O desenho de Tezuka é facilmente identificável: o traço é claro, as imagens são simples, o enquadramento cinematográfico e o humor têm sempre seu lugar. O autor não hesita em se colocar em cena com sua silhueta reconhecível pela boina e os óculos grossos. Sua obra completa chega a mais de 700 mangás, com mais de 150 mil páginas. A grande maioria não foi traduzida do original japonês e continua inacessível aos leitores do Ocidente. Em 1954, publicou “Phoenix 1” (“Pássaro de fogo”), obra de 12 volumes, inacabada, considerada a obra da sua vida, segundo o próprio mangaká. “Phoenix” trata de reencarnação. Cada história envolve uma busca pela imortalidade, personificada pelo sangue do pássaro de fogo, que, conforme desenhado por Tezuka, assemelha-se ao “Fenghuang” – ave mítica que renasce das cinzas. Acredita-se que o sangue concede vida eterna, mas a imortalidade na Fênix é inalcançável ou uma terrível maldição, enquanto a reencarnação na visão budista é apresentada como o caminho natural da vida. Tezuka divulgou os quadrinhos japoneses ao redor do mundo. Foi assim que conheceu o artista francês de história em quadrinhos, Moebius (Jean Giraud, 1938 – 2012), e o cartunista brasileiro Maurício de Sousa. Em 2012, a Mauricio de Sousa Produções publicou duas edições da revista “Turma da Mônica Jovem”, com alguns dos personagens principais de Tezuka, incluindo Astro Boy, Black Jack, Safire e Kimba, junto à “Turma da Mônica”, em uma aventura na floresta amazônica contra uma organização criminosa de contrabando de árvores. Tezuka morreu de câncer de estômago, em Tokyo, aos 60 anos de idade, no dia 9 de fevereiro de 1989. Sua morte teve um impacto imediato no público japonês e no universo dos mangakás. O Museu Osamu Tezuka, dedicado a sua memória e obra, foi construído na cidade de Takarazuka, província de Hyogo, no Japão, cidade onde Tezuka viveu grande parte da vida.

João Scortecci

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E, OU e NÃO DE BOOLE

O matemático britânico George Boole (1815 – 1864) foi quem inventou a estrutura de álgebra – conhecida hoje como álgebra booleana – que esquematiza as operações lógicas e está presente na programação dos videogames, no código dos aplicativos, programas de computadores e no motor de busca usado pelo Google. Em 1851, Boole confessou a um amigo sobre sua invenção: “A contribuição mais valiosa, se não a única, que fiz ou que provavelmente farei à ciência, e é o motivo pelo qual desejaria ser lembrado, se é que serei lembrado, postumamente.” As portas lógicas mais básicas são, na linguagem original de Boole, E (AND, em inglês), OU (OR) e NÃO (NOT). O logotipo do Google ilustra as portas lógicas usadas em computação e que são derivadas das funções de Boole. O nome “Google” teria sido um jogo de palavras, uma brincadeira, uma variação feita pelos seus fundadores, Larry Page e Sergey Brin, em 1998, com a palavra “googol”, termo cunhado pelo matemático estadunidense Edward Kasner (1878 – 1955), que representa matematicamente o número 10 elevado à potência de 100 ou 1 com 100 zeros. Dizem que, durante a criação do buscador, quando a palavra “googol” estava sendo considerada, um investidor escreveu “Google” – erroneamente – em um cheque. Page e Brin, teriam então gostado do nome e o adotaram. Um sinal de sorte? Talvez. A invenção de Boole foi negligenciada por muitos anos, até por matemáticos famosos, desdenhando-a como apenas uma curiosidade filosófica sem qualquer significância matemática. Acordei pensando nas “Leis do Pensamento”, princípios básicos da lógica – Lei da Identidade, Lei da Não-Contradição e Lei do Terceiro Excluído – consideradas a base do raciocínio válido, formuladas pela primeira vez por Aristóteles, filósofo e polímata da Grécia Antiga. Estudei o assunto em 2001, após a virada do século, para uma apresentação na Escola do Escritor. Procurei o trabalho e não o encontrei. Acontece. Boole, sempre ele, ajudou-me, então, com a pressão na cabeça: “Cada coisa é o que é. Uma afirmação é verdadeira, se e somente se ela é idêntica ao que está sendo afirmado. Nada pode ser e não ser ao mesmo tempo. É impossível que uma proposição e sua negação sejam ambas verdadeiras simultaneamente. Para qualquer proposição, ela é verdadeira ou sua negação é verdadeira. Não há uma terceira opção.” Anotei tudo e salvei o arquivo no Dropbox com o nome: E, OU e NÃO. Fui, então, tomar café: ovos mexidos, sem azeite, sem creme de leite e apenas três torradas Bauducco. Boole riu. Surrou os meus pensamentos. Perguntou-me: “Não há outra opção?”. “Não”, respondi. Na matemática da vida cada coisa é o que é.

João Scortecci


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FREUD E OS DESEJOS REPRIMIDOS

Engordei. E já estou no processo de “desengordamento”. Perdi 3 quilos. Segundo o Dr. Google e a tabela peso x altura, preciso perder ainda mais 7 quilos. Hoje tenho 1,88m de altura. Já tive 1,90m. Estou encolhendo. Antigamente eu era alto; hoje sou grande. Meu avô Batista, o Batista da Light, dizia: “O primeiro sinal de velhice é quando começam a nascer pelos no nariz e nas orelhas!” Verdade. E digo, dando-lhe razão: também a queda dos pelos das pernas, das axilas e da região das genitálias. Acontece. Um detalhe, insignificante: nunca me preocupei com a queda dos cabelos da cabeça. Sou um careca feliz! Nada a ver com fatores inconscientes e desejos reprimidos – Freud não explica. Um comportamento ilógico: gosto de ver pessoas com muito cabelo. Tara singular? Talvez. De volta ao meu processo de “desengordamento”. Os meus jeans estão folgados, meus sapatos estão confortáveis e um terno antigo de que gosto muito, outro dia o vesti confortavelmente. O que estou fazendo: comendo tudo pela metade, tirei o pão, os refrigerantes, o creme de leite no ovo mexido e cortei a sobremesa pela metade. Vou sobreviver! Hoje tive um pesadelo terrível, até então, inédito. Assustador. Geralmente sonho que estou voando, brigando, trabalhando, visitando lugares da minha infância, no Ceará dos anos 1960. Desta vez foi diferente, terrível, estranho, assustador: estava numa festa boca-livre e comecei a comer de tudo, sem parar. O que vinha, eu garfava, mastigava e engolia, sem pestanejar. Minha barriga foi ficando gigante e virei uma bola, uma imensa pelota. Quando estava prestes a estourar, acordei. Consultei, então, o Dr. Google, sobre o significado do meu terrível sonho. Ele me disse: “Sonhar que come muito pode ter múltiplos significados, como presságio de abundância e sucesso ou pode indicar insatisfação e carência emocional. Outra interpretação é a de comportamento descontrolado, representando excesso de pensamentos, vícios, ciúmes ou críticas.” Li e reli o texto. Sempre que encontro um “ou” numa explicação sobre o significado de algo, fico cabreiro e desconfiado. É ou não é. Consultei também o Chat GPT, sem sucesso. Sou influenciável, mas tenho opinião própria. No fim de semana, tenho uma tremenda festa de aniversário no interior paulista. Vou comer de tudo! Pretendo arrebentar a boca do balão. Depois, juro, reinicio o meu “desengordamento”. Já disse: sou influenciável e gosto de escutar as vozes do Além. E mais: os pelos do nariz servem para proteger o sistema respiratório, agindo como uma barreira contra poeira, bactérias e vírus. Odeio Freud.

João Scortecci


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ChatGPT: ERRAR É HUMANO!

Erros e acertos: são dois lados de uma mesma moeda, onde um não existe sem o outro. Meu pai Luiz dizia: Errar é humano! Temos que aprender a conviver com o erro. Aprende-se muito com os nossos erros. O erro nos ensina lições valiosas. E nos alertava, ainda: o que você não pode é insistir no mesmo erro. Isso é burrice! Aconselhava. Reconhecer o erro é importante! Ele nos fortalece o espírito. Guardei, então, a lição. No início do ano de 2025 - curioso sobre os avanços da inteligência artificial - perguntei para o ChatGPT sobre o escritor, editor, gráfico e livreiro João Scortecci. O IA respondeu tudo errado. Um desastre. Perguntei ainda: quais os 10 principais livros do escritor João Scortecci? Não acertou nenhum. Fiquei preocupado. Meu medo: quem consultasse sobre a minha pessoa receberia um pacote de informações erradas. Um desastre! No meio do ano, mês de agosto, refiz as mesmas perguntas para Chat-GPT e tive, então, uma pequena surpresa: mais da metade das respostas estavam corretas. Ufa! Pensei: reconhecer o erro é importante, mesmo para o AI. Hoje, refiz, pela terceira vez, as mesmas perguntas, exatamente iguais. Grande surpresa: o ChatGPT acertou tudo, listou, ainda, corretamente, os meus dez últimos livros, sem pestanejar. Meu pai Luiz tinha razão: o que não podemos é insistir no mesmo erro. Seria burrice, nada humano. Enfraquece o espírito, algo assim. 

João Scortecci


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ZIRALDO É FLICTS!

Era o ano de 1984 – eu já editor de livros e trabalhando no projeto de criar a Gráfica Scortecci - quando meu irmão, José Henrique, arquiteto, presenteou-me com um exemplar do livro “Flicts”, do escritor e cartunista mineiro Ziraldo (Ziraldo Alves Pinto, 1932 - 2024). Era um relançamento da editora Melhoramentos, da 1ª. edição do ano de 1969, lançado pela Editora Expressão e Cultura. “Flicts” foi o primeiro livro infantil de Ziraldo, também autor da série “O Menino Maluquinho”, um dos maiores fenômenos da literatura infantil brasileira. Conheci Ziraldo na Bienal do Livro de São Paulo, no ano de 1994, quando o evento ainda era realizado no Pavilhão do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. “Flicts” - representado por um tom terroso de bege - é uma cor “diferente”, que não consegue se encaixar no arco-íris, nas bandeiras e em lugar nenhum, e cujo merecido valor ninguém reconhece, a princípio. Desgostoso deste mundo injusto e cruel, Flicts - que “não tinha a força do Vermelho, não tinha a imensidão do Amarelo e nem a paz que tem o Azul” - resolve então sumir do mapa. Muda-se para a Lua e lá percebe que ela, "de perto, de pertinho, é flicts". Ziraldo faleceu no dia 6 de abril de 2024, aos 91 anos de idade. Guardo o livro até hoje com carinho. Vez por outra o mundo - vasto mundo - amanhece “Flicts”. Meu Pai Luiz dizia: “Cor de jumento novo!” Risos. É quando, então, observo a Lua cheia, de longe, de lado, de perto, de pertinho e dentro dela: com o coração de menino. E o terroso bege dos sonhos ilumina toda a imensidão do céu. O ano de 1984 foi assim: incrível! Ziraldo: saudade de você!

João Scortecci


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FOI MAIS OU MENOS ASSIM

Foi mais ou menos assim. Só tive um patrão na vida. Experiência boa! De 1977 até 1982, quando, então, abri a Scortecci Editora. Um dia, do nada, o meu patrão me chamou na sua sala e comeu-me o fígado. Juro: Não me deixou nem respirar. Saí da sala sem saber o motivo da tremenda bronca. Perguntei-lhe: “Patrão o que eu fiz?”. Ele não me respondeu. Antes de deixar a sua sala - assustado e tonto, com nó nas tripas - pude observar no calendário gigante que ficava atrás da sua poltrona o meu nome "João" escrito com caneta piloto vermelha, na data do dia. Ferrei-me! Fui marcado e não sei o motivo. Meses depois – já tinha até esquecido a bronca – cometi, então, um erro grave no serviço. Uma cagada das grandes! Fui chamado novamente na sua sala, esperando pela demissão. Entrei, sentei e olhei o calendário. O meu nome estava lá, na data do dia, desta vez com caneta piloto na cor azul. Ele me olhou nos olhos e docemente começou a me elogiar. Falou das minhas qualidades, da minha inteligência e eficiência no trabalho e do quanto eu era querido por todos. Listou virtudes e predicados, que até então eu desconhecia sobre mim. Prometeu-me ainda um aumento de salário e um novo cargo na empresa. Pensei: O cara está “maluco de pedra” ou está de “sacanagem” comigo. Deixei a sala em silêncio, assustado e confuso da cabeça. No dia seguinte – fervendo - o procurei. Estava decidido: Isso não vai ficar assim! “Patrão, tenho perguntas. E muitas! Quero saber primeiro sobre o calendário com o meu nome: um dia na cor vermelha e no outro na cor azul. Segundo: um dia você me come o fígado, injustamente, sem motivo e no outro – depois de uma tremenda cagada que fiz – você me elogia e me promove na empresa. Exijo uma explicação!” Bati forte. Ele me olhou, sorriu, virou-se para o calendário na parede e respondeu na maior calma do mundo: “A primeira bronca já estava programada: você merecendo ou não. Nada pessoal. Isso explica o seu nome escrito no calendário na cor vermelha. Quanto à promoção e os elogios também já estavam programados. Isso explica o seu nome no calendário na cor azul. E tudo ficou por isso mesmo. Quando pedi as contas e deixei a empresa em março de 1982 para, então, montar a Scortecci Editora, ele me disse: “Boa sorte. Não dando certo no seu novo empreendimento você volta, o seu lugar vai estar aqui, reservado." E tudo ficou por isso mesmo: quando não há explicação, explicado está! É o que dizem.

João Scortecci


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PAPAI SABE TUDO

Sou doido: mas não sou louco! É o que penso. No máximo um ogro – criatura mitológica do folclore europeu – enlouquecido. Em pesquisa antiga, do ano de 2012, feita pelo Instituto Britânico, li isto: “Crianças preferem o Google aos pais para tirar dúvidas”. Até aí, nenhuma surpresa. Eu já sabia! O Google substituiu, com propriedade, as enciclopédias Barsa e Britânica. O que assusta na pesquisa do Instituto Britânico de 2012 são os números: 34% das crianças do mundo não acreditavam que seus pais fossem capazes de ajudá-las a fazer o dever de casa e 14% não achavam seus pais inteligentes. E agora com a IA? Ferrou! Confesso, sem remorso: não fui capaz de ajudar meus filhos, quando crianças, com a lição de casa. Até tentei, juro. Optei pela contação de histórias mirabolantes, que guardei no coração, contadas pelo meu pai Luiz e pelo meu avô Batista, o Batista da Light. Na hora de dormir, contava uma aventura, até o dia em que minha filha Patrícia – esperta que só ela – disse-me: “Pai, você está inventando!”. Então, desisti. Percebi que ela havia crescido. De volta à pesquisa. Fiquei cabreiro – mesmo – com os tais 14% que não achavam seus pais inteligentes. Burros, na verdade! Aqui cabe o que mamãe Nilce dizia: “Santo de casa não faz milagre!”. E pensar que a pesquisa do Instituto Britânico é antiga, do ano de 2012. Doideira, né? Hoje – no ano de 2025 – esse número já deve ter ultrapassado 80%. Lembrei agora do “Papai Sabe Tudo” (“Father Knows Best”), seriado de televisão de muito sucesso transmitido no Brasil na década de 1960, pela TV Tupi, estrelado pelo ator Robert Young, no papel de Jim Anderson, um pai simpático e sabichão de uma família “feliz”. Naquela época ainda não existia o Google, e a IA era, até então, uma ideia do futuro. Bons tempos!

João Scortecci


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DIA DO POETA

Dia 20 de outubro: Dia do Poeta! A data foi escolhida em razão do Movimento Poético Nacional (MPN), que surgiu na mesma data, em 1976, na casa do jornalista, romancista, advogado e pintor brasileiro Menotti Del Picchia. Fui amigo de Menotti que foi amigo do meu avô José Scortecci, na época da Revista PAN, semanário que circulou de 1934 até 1945. Foi PAN que publicou “Triunfo”, conto de estreia da escritora de origem ucraniana Clarice Lispector, em maio de 1940. Acompanho o Movimento Poético Nacional desde a sua fundação. Trata-se de uma entidade Cultural, sem fins lucrativos, regida por estatuto, com sede própria na capital do estado de São Paulo. O movimento foi fundado pelo mineiro e poeta Silva Barreto (Sebastião da Silva Barreto, 1918 - 2010), autor de 15 livros, dois deles publicados pela Scortecci: “Patrocínio – O Espártaco de Bronze” e “Símbolos da hora amarga e outros poemas”. Sempre que possível, participava das reuniões do MPN, na época realizadas no Círculo Militar de São Paulo, no Ibirapuera. Na Wikipédia: “Poetas podem se descrever como tal ou ser descritos como tal por outros.” Entendi, talvez. Na visão geral criada pelo IA: “Ser poeta é mais do que apenas escrever poemas; envolve expressar sentimentos e ideias de forma artística, usando a linguagem para comunicar o mundo, a alma e a vida. Um poeta vive em um constante estado de observação, interpretando as experiências e transformando-as em palavras que podem ser literais ou metafóricas. Essa capacidade de expressar o que sente é intrínseca à sua visão de mundo.”. Entendi, acho. Não sei o que dizer, confesso. Devo? Melhor não. Um amigo – outro dia – me aconselhou: “Scortecci, melhor ficar calado. Não balançar a cabeça e nem piscar os olhos. Qualquer movimento estranho pode significar: adesão, reprovação, perseguição de gênero ou cumplicidade!”. Ele –imprudentemente – talvez tenha razão. Logo eu que não tenho mais lágrimas nos olhos, somente no coração. Eu que pisco adoidado, sem pestanejar. O que diriam os poetas Paulo Bomfim, Cecília Meireles, Drummond, Renata Pallottini, Manuel Bandeira, Vinícius, Augusto de Campos, Leminski, Cora Coralina, Mário Quintana, Marina Colasanti, Ferreira Gullar, Manoel de Barros, Affonso Romano, Suassuna, Patativa do Assaré, Bilac, Oswald, Solano Trindade, Mário de Andrade e outros, sobre a poesia IA, que anda fazendo versos mundo afora? Desconfio. Vez por outra digo: a poesia salva, cura as dores do mundo! Melhor mudar a fala, trocar de discurso, silenciar-me, de vez. "O relógio bate 9 horas. Uma pancada alta, sonora, seguida de uma badalada suave, um eco. Depois o silêncio." Foi o que me respondeu Clarice Lispector, apenas ela.

João Scortecci

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