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DIA DO POETA

Dia 20 de outubro: Dia do Poeta! A data foi escolhida em razão do Movimento Poético Nacional (MPN), que surgiu na mesma data, em 1976, na casa do jornalista, romancista, advogado e pintor brasileiro Menotti Del Picchia. Fui amigo de Menotti que foi amigo do meu avô José Scortecci, na época da Revista PAN, semanário que circulou de 1934 até 1945. Foi PAN que publicou “Triunfo”, conto de estreia da escritora de origem ucraniana Clarice Lispector, em maio de 1940. Acompanho o Movimento Poético Nacional desde a sua fundação. Trata-se de uma entidade Cultural, sem fins lucrativos, regida por estatuto, com sede própria na capital do estado de São Paulo. O movimento foi fundado pelo mineiro e poeta Silva Barreto (Sebastião da Silva Barreto, 1918 - 2010), autor de 15 livros, dois deles publicados pela Scortecci: “Patrocínio – O Espártaco de Bronze” e “Símbolos da hora amarga e outros poemas”. Sempre que possível, participava das reuniões do MPN, na época realizadas no Círculo Militar de São Paulo, no Ibirapuera. Na Wikipédia: “Poetas podem se descrever como tal ou ser descritos como tal por outros.” Entendi, talvez. Na visão geral criada pelo IA: “Ser poeta é mais do que apenas escrever poemas; envolve expressar sentimentos e ideias de forma artística, usando a linguagem para comunicar o mundo, a alma e a vida. Um poeta vive em um constante estado de observação, interpretando as experiências e transformando-as em palavras que podem ser literais ou metafóricas. Essa capacidade de expressar o que sente é intrínseca à sua visão de mundo.”. Entendi, acho. Não sei o que dizer, confesso. Devo? Melhor não. Um amigo – outro dia – me aconselhou: “Scortecci, melhor ficar calado. Não balançar a cabeça e nem piscar os olhos. Qualquer movimento estranho pode significar: adesão, reprovação, perseguição de gênero ou cumplicidade!”. Ele –imprudentemente – talvez tenha razão. Logo eu que não tenho mais lágrimas nos olhos, somente no coração. Eu que pisco adoidado, sem pestanejar. O que diriam os poetas Paulo Bomfim, Cecília Meireles, Drummond, Renata Pallottini, Manuel Bandeira, Vinícius, Augusto de Campos, Leminski, Cora Coralina, Mário Quintana, Marina Colasanti, Ferreira Gullar, Manoel de Barros, Affonso Romano, Suassuna, Patativa do Assaré, Bilac, Oswald, Solano Trindade, Mário de Andrade e outros, sobre a poesia IA, que anda fazendo versos mundo afora? Desconfio. Vez por outra digo: a poesia salva, cura as dores do mundo! Melhor mudar a fala, trocar de discurso, silenciar-me, de vez. "O relógio bate 9 horas. Uma pancada alta, sonora, seguida de uma badalada suave, um eco. Depois o silêncio." Foi o que me respondeu Clarice Lispector, apenas ela.

João Scortecci

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ÂNFORAS E O LIVRO DAS TENTAÇÕES

Uma ânfora: ainda não tenho - um dia, quem sabe – compro,  ganho de presente ou, então, afano, numa boa. Já surrupiei um livro! Não faz muito tempo. A epopeia aconteceu no último encontro de editores, livreiros, distribuidores e gráficos, em Atibaia, evento organizado pela CBL. Vi o livro e o coração resfolegou. Subiu nas alturas! Desejo incontrolável. “Quero o livro!” Disse. “Quanto?” Perguntei. “Não está a venda”. Foi o que escutei. Não gosto da palavra “não”. Ninguém gosta. “Vou então passar a mão!” Avisei. Risos, desconfiados. Foi o que fiz, perdidamente. Reencontrei o dono do livro – um editor - no último encontro da ANL, no Anhembi, em São Paulo. “Conheço você!” Disse-me. Agradeci e fui embora, feliz. Meu histórico de ladrão é pobre: Já furtei, às escondidas: uma coca-cola família, de um caminhão de entrega de bebidas, uma lata de suspiros da minha avó Sarah e 3 bolinhas de time de botão, da Loja Lobrás, da Praça do Ferreira, no Ceará dos anos 1960. Pouco? Talvez. Minha mãe Nilce diria: “Não importa, você é ladrão!”. Ânforas são vasos confeccionados em barro ou terracota, de forma ovóide - quase sempre - de duas alças simétricas. A palavra "ânfora" vem do latim amphora, que por sua vez é derivada do grego amphoreus, uma abreviação de amphiphoreus, palavra composta combinando amphi- ("nos dois lados", "duplo") e phoreus ("carregador"), do verbo pherein ("carregar"). Lendo sobre o Monte Testácio (Monte dos cacos), colina artificial construída na cidade de Roma durante os séculos I e III d.C., resolvi pesquisar e escrever sobre o assunto. O monte dos cacos formou-se por acumulação de fragmentos de ânforas. O monte ocupava uma área de 20.000 m² na sua base e atingia 40 metros de altura. Situava-se dentro da Muralha Aureliana, conjunto de muralhas erguidas em Roma, entre 271 e 275, durante o reinado dos imperadores romanos Aureliano e Probo. A muralha englobava todas as Sete Colinas de Roma, além do Campo de Marte e do distrito do Trastevere, na margem esquerda do rio Tibre. O monte, quase na sua totalidade, era composto por restos de cerca de 26 milhões de ânforas, de azeite de oliva procedentes de lugares como a Bética, Tripolitânia, Gália e outros. As ânforas chegavam ao porto de Roma e lá eram esvaziadas, quebradas em pedaços e depois, depositadas - ordenadamente - no Monte Testácio. Visitei a Muralha Aureliana, em Roma, no ano de 2008. E o Monte Testácio? Até então não existia. Roma é assim: lugar sagrado de almas e histórias. Desconfio ter vivido por lá, quando, então, teria depositado no Monte Testácio: azeite, livros, minhas tentações de alma e meus pecados de corpo.    

João Scortecci


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ESCOLA DO ESCRITOR: ENSINANDO APRENDE-SE MUITO!

A Escola do Escritor foi fundada em julho de 2004, por mim e pela bibliotecária Maria Esther Perfetti, hoje editora do selo infantil da Scortecci, Pingo de Letra. Funcionou ininterruptamente por 16 anos, até março de 2020, quando se iniciou a epidemia de Covid-19 e fomos obrigados a fechar o espaço, infelizmente. O cardápio da escola era completo e interessante: cursos sobre a arte de escrever, como cometer um poema, o mercado editorial brasileiro, como publicar um livro, marketing editorial, como montar uma editora, direito autoral, livros sob demanda e outros. Mais de 15 cursos e perto de 3 mil alunos. A ideia – depois do fechamento – sempre foi: reabrir a escola, após o fim da pandemia. Tentamos reabrir em 2025. Não deu certo. Talvez em 2026, quem sabe? Eu e Maria Esther curtimos essa ideia. Tivemos três endereços físicos, todos no bairro de Pinheiros, em São Paulo – Capital. No primeiro deles, no ano de 2006, talvez 2007, notamos a presença pontual de um aluno, na casa dos 65 anos, nos cursos, aos sábados. Entrava mudo e saía calado. Não perguntava, não anotava, não conversava com ninguém. Desconfiado e curioso, certo dia o abordei: “O que você faz? Qual a sua profissão? Está escrevendo um livro? Pretende montar uma editora? Posso saber?”. Encurralei-o. Ele sorriu e timidamente abriu o coração: “Sr. Scortecci, eu poderia mentir, inventar uma história qualquer, disfarçar. Não vou fazer isso. Estou adorando os cursos da escola. Não perco um. Eu sou engenheiro aposentado, trabalhei a vida toda na indústria química, numa multinacional americana. Meus filhos já são adultos. Hoje, em casa, somos eu e minha mulher. Aos sábados é dia de faxina pesada. Minha doce mulher, delegada de polícia, também aposentada, me coloca cedo pra fora do apartamento. Durante alguns meses, fiquei perambulando pelo bairro, até descobrir vocês. Estou aprendendo sobre autores, livros e a arte de escrever.” Antes de ir embora, abriu o coração: “Penso até em publicar um livro de poesias!”. Em 2023, procurou-me para publicar o seu livro. Vale o ditado: Ensinando aprende-se muito! Isso talvez explique o desejo de reativar a escola. A poesia salva!

João Scortecci


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GILBERTO GIL NO SINTÉTICO DO PALESTRA

Doideira. Minha avó Sarah diria na lata: caduquice! Pois é. Ontem fui um dia agitado, amalucado. Agenda lotada, palestras, eventos do mercado editorial e gráfico, um discurso para escrever, um editorial e um monte de aniversários de família. Não é fácil cruzar a bola, matar no peito, dar uma caneta no zagueiro, um drible no volante grudento e ainda fazer o gol. Já fiz gols assim, todos nos meus sonhos de criança. Hoje me contento - apenas - em pegar um rebote, uma sobra de bola e cutucar para o gol. Gol é gol. Um detalhe: poupo, sempre, os goleiros. Já fui um goleiro ruim. A vida deles não é fácil. Já nasceram culpados. Onde pisam não nasce grama, mesmo em tempos de grama sintética. Doideira. Deitei tarde da noite, 23h45, quase já virando abóbora. Zumbido na cabeça, tontura e pernas doídas, além da conta. Fui ao show do incrível Gilberto Gil, na Arena Palestra Itália. Imperdível. Deus permita que eu morra antes do Gilberto Gil, da Maria Bethânia, do Ney Matogrosso e do Caetano Veloso. Já perdi muitos: Elis Regina, Adoniran Barbosa, Cazuza, Vinicius de Moraes, Luiz Vieira, Gal Costa, Tim Maia e Outros. Entrei em casa: abobalhado, cego de tudo e bêbado, depois de beber apenas água. Acordei cedo e fui dar conta de mim mesmo: tragédias! Encontrei o fone de ouvido – novíssimo e caro – dentro de uma xícara de café não tomado, esquecido na correria de ontem. Afogado! Perguntei para o Dudu, o cachorro espaçoso da casa: Foi você? Ele não respondeu. Estou agora tentando tirar Gil da cabeça: eu preciso! Viver não. Radinho de pilha - agora de bateria - precisa de fone de ouvido: faz parte da caduquice. 

João Scortecci


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PALATINA E OS EPITÁFIOS

A “Antologia Palatina” é uma coleção de poemas – na maioria, epigramas –, escritos durante os períodos clássico e bizantino da literatura grega. A antologia foi descoberta em 1606, na Biblioteca Palatina em Heidelberg, na Alemanha. Baseia-se na coleção perdida de Constantino Cefalas – estudioso bizantino conhecido como o compilador da “Antologia Grega” – do século X –, que, por sua vez, baseava-se em antologias mais antigas. Os poemas são curtos, de dois a oito versos no geral, escritos para serem gravados em lápides ou votivas. Epigrama é uma composição breve, poética e satírica, que expressa um único pensamento principal. Popularizou-se como epitáfio, quando colocado sobre objetos, estátuas, mausoléus, lápides ou tumbas. Os “sobre a tumba” são geralmente gravados em placas de metal ou pedra. Epitáfios de gente famosa: “Se eu não vivi mais, foi porque não me deu tempo.” (Marquês de Sade); “Estive bêbado muitos anos, depois morri” (Scott Fitzgerald); “Voltarei e serei milhões.” (Evita Perón); “O melhor ainda está por vir.” (Frank Sinatra); “Os filósofos têm interpretado o mundo de várias maneiras. O ponto, contudo, é mudá-lo.” (Karl Marx); “Isso é tudo, pessoal!” (Mel Blanc); “E agora, vão rir de quê?” (Chico Anysio); “O tempo não para.” (Cazuza). Eu tenho – desde sempre – o meu epitáfio: “Faço da minha vida de livros um poema sem-fim.” E que façam, então, a última vontade do morto. Machado de Assis escreveu: “(...) gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou”. Uma questão sob julgamento: quero ser cremado e isso parece ser um problema a ser resolvido, talvez.

João Scortecci


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CURADORIAS: PELOS MISTÉRIOS DAS COISAS

Lendo sobre “Curadoria humana” para uma palestra programada para novembro de 2025: “É o processo de seleção, organização e gestão de informações, objetos ou conteúdos, realizados por um indivíduo. Ela se diferencia da curadoria algorítmica por envolver o discernimento, a criatividade e a emoção humana.” A ideia da apresentação é alinhar e comparar as duas curadorias: humana e algorítmica. Mote principal: "Para a inteligência artificial, uma lágrima é água e sal; para a inteligência humana, é emoção". A lágrima é a metáfora perfeita para essa distinção fundamental. Metáfora: é uma figura de linguagem que consiste em uma comparação implícita, na qual uma palavra ou expressão é usada com um sentido diferente do seu significado literal para criar uma relação de semelhança entre dois elementos. Na raiz do entendimento, o surgimento de um quinto elemento: que não é feito nem de terra, nem de fogo, nem de ar e nem de água. De poesia, talvez. A lágrima é composta de água e sais minerais: dores, cheiros, toques e amores. Possuí três camadas distintas: palavras, para evitar a evaporação do sangue do coração, pontos e vírgulas, que limpam e protegem os olhos do silêncio mortal e mel, camada doce que ancora e alimenta de sonhos o canal lacrimal na córnea. Curadoria humana é emoção. É metáfora poética. Comparação implícita - não declarado abertamente - pelos mistérios das coisas. 

João Scortecci    


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CADELA LAIKA, SPUTNIK E OS ALENÍGENAS DO PASSADO

Foi no ano de 1962, numa noite de estrelas no céu e histórias de alienígenas, que fiquei sabendo da epopeia da cadela Laika e do Sputnik 1, satélite artificial posto em órbita ao redor da Terra pela União Soviética, em 4 de outubro de 1957. “É verdade Pai?” Tinha, na época, 6 anos de idade e queria ser astronauta. “Não estou vendo nada!”. Protestei. “Pai, satélite brilha igual estrela?”. Papai Luiz, então, pacientemente, contou-me o que sabia, o que havia lido na Revista Times. Contou-me a história da cadela Laika e sua viagem ao espaço. Fiquei maravilhado! Anos depois - já morando em São Paulo - fiquei sabendo que a cadela Laika havia morrido queimada e sem oxigênio, logo após o lançamento do satélite. Chorei, confesso. Os Russos, até então, já haviam lançado 5 outros Sputniks ao redor da Terra. No Ceará dos anos 1960, depois do jantar, levávamos cadeiras do terraço para a calçada da rua, e lá ficávamos no tempo. Televisão chegou depois, bem depois, e a vida de caçar estrelas do céu, satélites russos e alienígenas – que nunca apareceram – acabou ficando no esquecimento, na infância. Vez por outra, ainda, penso na cadela Laika: queimada, sufocada, sem oxigênio, perdida no inferno do espaço sideral. 

João Scortecci


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FELIS SILVESTRIS CATUS E EDGARD ALLAN POE

Todo gato doméstico tem um nome. A minha doce e sensível gata – ex-moradora de rua –chamava-se “Gatinha”. Acho que gostava do nome: nunca reclamou. Era mãe do Preto Garbo, um gato grande, branco e preto, que, quando saía para namorar, voltava todo arrebentado. Um dia, não voltou. Gatinha ficou. Foi colaboradora da editora durante muitos anos. Era manhosa e esperta. Independente. Assim são os gatos! Existem cerca de 250 raças de gato doméstico – “Felis silvestris catus”. São predadores de diversos animais, como roedores, pássaros, lagartixas e insetos. Vez por outra, Gatinha trazia de presente um pardal morto ou uma lagartixa. Jogava a caça em cima da minha mesa de trabalho e cobrava carinho e atenção. Gatinha não aceitava desaforos. Quando ignorada, subia na mesa e, com o rabo, jogava no chão a minha papelada de editor. Segundo pesquisas, gatos são o segundo animal de estimação mais popular do mundo, depois – numericamente – dos peixes de aquário. Isso eu não sabia. Sempre pensei que fossem os cachorros. A chegada de um camundongo na editora, batizado de Edgar Allan Poe, mudou tudo. O sossego acabou. Gatinha perseguiu o pequeno roedor e o pegou enfiado no ralo do banheiro. Levou-o até a minha sala e o soltou encurralado num canto. Ela me olhou e sorriu. Fez-me lembrar da foto do gato do restaurante O Gato que Ri, casa de massas do Largo do Arouche, na cidade de São Paulo, o qual frequentei semanalmente nos anos 1970. Gatinha cheirou Poe, sentou-se, cruzou as patas da frente e enamorou-se pelo poeta e seus encantos. A editora inteira olhando, admirando a trama poética. Poe balançou a cabeça, para cima, para baixo, para os lados e se aninhou de amor nas patas da Gatinha. Desarmei a ratoeira – a pedido da Gatinha – e montei na lavanderia dos fundos um quarto de dormir para o par. Depois de alguns meses, gordo e feliz, Poe sumiu. Penso ter visto numa noite escura e sombria – enquanto eu escrevia – um corvo no muro do quintal. Desconfio que Edgar Allan Poe foi levado deste mundo. Gatinha – entristecida – nunca mais foi a mesma. Viveu, ainda, mais alguns meses. Só isso e nada mais.

João Scortecci


 


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CRIANÇA - DE CABEÇA QUE VOA - ACREDITA EM TUDO!

Criança – de cabeça que voa – acredita em tudo! Acredita em bruxa do céu, Papai Noel, cobra de duas cabeças e até em Saci-Pererê. Eu tinha seis anos de idade e já sabia que era do signo de Leão. Nasci no dia 2 de agosto, às 4 horas da manhã. “É verdade, mãe?” Mamãe Nilce respondeu balançando a cabeça. Foi numa noite de boca cheia e céu limpo que avistei, pela primeira vez, Denébola. “É aquela ali?” “Sim. A do rabo de felino que se movimenta feito cobra de luz no céu.” “Não vejo nada!”, protestei. Mamãe Nilce, então, disse: “Imagina a fera na sua cabeça que ela aparece. Liga os pontos!”. Foi o que fiz. Denébola, então, olhou-me de amor. “Está vendo aquela outra estrela de brilho maior?” “Estou”, respondi. “Ela é uma estrela Alfa e se chama Regulus. São quatro estrelas irmãs: juntas! Dizem que são os dentes do Leão.” “Jura?” Mamãe riu. Parecia feliz. Depois do clarão da noite, difícil dormir! Criança – de cabeça que voa – acredita em tudo: em bruxa do céu, Papai Noel, cobra de duas cabeças e até em Saci-Pererê. Sinto saudade de Denébola, de Regulus e do infinito do céu. Na cidade grande, o céu é um engodo. Denébola, cadê você? Silêncio. Fechei, então, a janela do quarto – liguei os pontos – e morri, feito cobra de luz no céu.

João Scortecci

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O FIM DO MUNDO NA DISCOVERY CHANNEL

Na virada do século – quando o assunto era o Bug do Milênio e as profecias sobre o fim do mundo –, meu filho, Alexandre, na época com 14 anos de idade, curtia dinossauros, Cavaleiros do Zodíaco e os programas da Discovery Channel, canal por assinatura da Warner Bros que exibe documentários e programas sobre ciência, tecnologia, natureza, aventura e história. “Pai, o mundo vai acabar?” “Vai. Não sei quando!”, respondi. Desde os anos 1960, vez por outra – sempre que alguma tragédia acontece – o assunto Fim do Mundo reaparece na mídia e na boca do povo. Perguntei-lhe, então: “Filho, o que está lhe incomodando?”. Silêncio. Alguns minutos depois, ele veio e perguntou-me: “Onde vai começar o fim do mundo?”. Onde? Boa pergunta, pensei. Lembrei-me, então, de um sonho que tive quando criança, no Ceará dos anos 1960. Respondi: “Vai começar na China!”. “Na China?”, perguntou-me, surpreso. “Sim, na China.” Contei-lhe, então, o meu sonho apocalíptico de criança. “Estranho!”, comentou. “Estranho, por quê?”. Quis saber. Ele, então, justificou: “Deveria começar no Oriente Médio, numa guerra entre judeus e árabes, algo assim”. Entendo. Fez, então, outra pergunta: “O fim do mundo vai ser transmitido ao vivo pela CNN?”. “Quero assistir tudo, ao vivo, na TV!”, declarou, eufórico. “Eu também!”. Disse. Ele sorriu. “Não quero perder o fim do mundo por nada!”. Risos. Na época eu tinha 44 anos de idade e na cabeça um único desejo: vê-lo pronto para a vida! E pensar que, depois do fim, nada mais existirá!” Profetizei. Silêncio. "No sexto dia da criação, Deus criou os animais terrestres e depois - já de saco cheio - criou os seres humanos (Gênesis 1:24-31). “Poderia ter descansado no sexto dia e no sétimo, caído na gandaia, merecidamente. Tudo teria sido mais simples!” Resfoleguei. Alexandre, desinteressado do meu comentário estúpido, mudou de canal na TV e foi assistir Cavaleiros do Zodíaco. Simples assim. 

João Scortecci


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AZEITONAS PRETAS, RÉSTIAS DE CEBOLA E VIK VAPORUB

Gosto de azeitonas. Lembro da primeira que coloquei na boca: tira-gosto com uma lapada generosa de uísque Johnnie Walker, o preferido do meu pai Luiz. Tinha 11 anos de idade, talvez 12. Lá em casa – isso no Ceará dos anos 1960 – quase nada era proibido. Fui uma criança perigosa: tive armas de fogo, canivete, pau de Jucá, soco inglês, baú com fogos de artifício, charutos e uísques. Quando fazia danação: entrava na cinta. Castigo comigo não adiantava muito: eu fugia! Mamãe Nilce era quem operava a sova merecida: batia com vontade, nas pernas. Apanhei muito! É dessa época que aprendi a subir no alto do pé da goiabeira do quintal e lá ficar escondido, no silêncio do vento. Mamãe Nilce tinha coração mole: perdoava sempre. Eu sabia esperar, pacientemente. Ela, então, sorria com amor de mãe e me perdoava pela danação. A azeitona é o fruto amargo e oleaginoso da oliveira, uma árvore nativa da região mediterrânea e do Oriente Médio. Desde criança sabia que as azeitonas eram da cor verde e vinham de dentro de um vidro de 500 g, com tampa de rosca. Já morando em São Paulo, no ano de 1972, foi quando descobri que também existiam as azeitonas pretas e que no Mercado Municipal podíamos comprá-las a granel, por quilo. Desconhecia – até a vida madura – seus benefícios para a saúde: proteção cardiovascular e a ação antioxidante. Dizem: benefício é coisa de velho! Algo assim. As azeitonas eram, até então, apenas um delicioso tira-gosto e nada mais. Com cachaça, chega-se ligeirinho ao céu! Com as azeitonas pretas, surgiram também as pizzas, os molhos, os patês e os benefícios. Um detalhe insignificante – não leio rótulos por uma simples razão: não enxergo as letrinhas miúdas. Hoje, na boca dos 70 anos de idade, limito-me a fazer a força necessária para desrosquear a tampa do vidro de azeitonas. Outro dia, um amigo de sangue português me disse: “Azeitona preta é aquela que atingiu o seu processo de maturação completa. A principal diferença entre as azeitonas verdes e as pretas é a época da colheita. As verdes são colhidas imaturas; as pretas são colhidas já maduras, o que lhes confere um sabor mais suave e adocicado”. “Mentira! E as famosas azeitonas portuguesas?”. Ele riu. Abri o Google e fui procurar saber sobre o assunto. Ele tinha razão! A vida continua – vez por outra – me enganando. Na infância, eu achava que as cebolas nasciam em réstias e Vick VapoRub curava todos os pecados do mundo. Meu pai Luiz dizia sempre: a vida é desleal e desumana! Santo benefício: rogai por nós!

João Scortecci



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AQUI NÃO HÁ NINGUÉM!

Maria do Meio, a louca, irmã caçula de Pedro, o Rei, adentrou no salão nobre do palácio e gritou, aos céus: “Aqui não há ninguém!”. Contou - com os olhos - as cadeiras do salão: 50 no total, e um longo corredor no meio, dividindo o espaço. Pedro, o Rei, acompanhado de sua guarda real, entrou no salão e percorreu todo o corredor, até o seu trono, que o aguardava. Em seguida, entraram um a um, todos os nobres da corte e se sentaram nos seus lugares de sempre. Os amigos de Pedro, o Rei, do lado direito do salão e seus opositores, do lado esquerdo. Maria do Meio, irmã caçula de Pedro, o Rei, aguardava de pé, inerte, estacionada no meio do corredor. Depois que todas as cadeiras foram ocupadas, Maria, gritou, mais uma vez: “Aqui não há ninguém!”. Todos riram. O Rei, então, preocupado com o que a corte pensaria de sua irmã caçula, bateu seu cajado no chão e gritou: “Aqui não há ninguém”. E todos do salão, inclusive os soldados da guarda real, responderam, saudando Pedro, o Rei: “Aqui não há ninguém!”. Maria do Meio, aparentemente satisfeita, resfolegou: “Depois a louca aqui sou eu!” Fechei o caderno azul das anotações do tempo, que já foi verde e no passado amarelo e o guardei na gaveta das loucuras da vida. Admiro os loucos de pedra: é com eles que conheço a natureza humana. Maria - a louca - então, gritou no pé do meu ouvido: Aqui não há ninguém! E eu, então, acordei de mim mesmo.

João Scortecci


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CATECISMOS DE ZÉFIRO: O DEUS DA SACANAGEM

Eu – menino de tudo – no Ceará do ano de 1964, talvez 1965. Fui pela Rua Pero Coelho, na direção da Rua Pedro I, até a Cidade da Criança, hoje Parque da Liberdade, região central de Fortaleza. A banca de revistas que vendia “Catecismos” ficava – quase – na esquina com a Rua Solon Pinheiro. Pedi: “Moço, quero comprar um catecismo!”. O jornaleiro me olhou, fez que não escutou, deu volta completa na banca e, do nada, apareceu com um pacote embrulhado em papel de pão, amarrado com barbante. “Qual número você quer?”, perguntou-me. “O último!”, respondi prontamente. Guardei a revistinha na pasta do colégio e fui embora, veloz, com o coração saindo pela boca. Cortei caminho pela Praça da Igreja Coração de Jesus e entrei no Colégio Cearense. Fui até o banheiro e, lá, abri o exemplar do catecismo: “Princípios, Dogmas e Preceitos da doutrina pornô-erótica”, por Carlos Zéfiro, conhecido, também, como o “Deus da Sacanagem”. Carlos Zéfiro é o pseudônimo do funcionário público, carioca, Alcides Aguiar Caminha (1921 – 1992), com o qual ilustrou e vendeu, durante as décadas de 1950 e 1970, histórias em quadrinhos pornô-eróticos, no formato impresso 14 x 21 cm, com 24 a 32 páginas, que ficaram conhecidas por “Catecismos”. As revistas masculinas “Status” (1974, Editora Três) e “Playboy” (1975, Editora Abril), até então não existiam. Naquela época, quem alimentava o sonho pornô-erótico da garotada (e de muitos adultos, também) era o Mestre Zéfiro, que permaneceu no anonimato até 1991, quando foi publicada a reportagem reveladora do jornalista Juca Kfouri, para a revista “Playboy”. Zéfiro manteve o anonimato sobre sua verdadeira identidade por temer ter seu nome envolvido em escândalo, o que lhe traria problemas por se tratar de funcionário público. Foi também compositor, inscrito na Ordem dos Músicos do Brasil, e parceiro de Guilherme de Brito e Nelson Cavaquinho, com quem compôs quatro sambas para a Escola de Samba da Mangueira, entre eles: “Notícia”, “A Flor e o Espinho”. Zéfiro faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em 5 de julho de 1992, aos 70 anos de idade. Recentemente recebi pelo WhatsApp um vídeo com uma de suas histórias. Fiquei arrepiado: talvez, ainda reflexo corporal do primeiro arrepio, aquele, mágico, dos anos 1960, no banheiro do Colégio Cearense. Zéfiro, mestre do pornô-erótico em quadrinhos, Deus da Sacanagem, foi meu professor de catecismo, de muitos dos meus pecados de infância.

João Scortecci

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ALEXINA PINTO E O SILÊNCIO DA LOCOMOTIVA

O trem apitou – avisando que estava passando – e de nada adiantou. A educadora e escritora Alexina Pinto, surda desde os 45 anos de idade, foi atropelada por uma locomotiva – em 17 de fevereiro de 1921, com 51 anos de idade –, no distrito de Corrêas, em Petrópolis/RJ. Alexina Leite de Magalhães Pinto (1869 – 1921) era descendente de uma das mais tradicionais famílias mineiras, da cidade de São João Del-Rei. Pioneira nos estudos do folclore e revolucionária em seus métodos de ensino, com apenas 20 anos de idade Alexina partiu para Europa e, durante o tempo que lá ficou – pouco mais de um ano –, fez cursos, na Itália, Espanha, Portugal e França, sobre novas técnicas de ensino. De volta da Europa, trouxe na bagagem uma bicicleta e roupas de ciclismo, para espanto da sociedade conservadora são-joanense. Em 1896, sem espaço, perseguida e criticada devido aos seus métodos de ensino nada convencionais, mudou-se de São João Del-Rei para a cidade do Rio de Janeiro, onde permaneceu, dando aulas, por mais de 20 anos, até perder a audição. Alexina Pinto rompeu paradigmas ao substituir os castigos físicos por tarefas intelectuais. Proibiu o uso da palmatória em sala de aula, substituindo-a por exercícios de memória: trava-línguas, declamação de poesias e cantigas do folclore nacional e regional. Publicou cinco livros: “As nossas histórias”; “Os nossos brinquedos”; “Cantigas de criança e do povo e danças populares”; “Provérbios, máximas e observações usuais” e “Cantigas das crianças e dos pretos”. Colaborou assiduamente no “Almanaque Brasileiro Garnier”, editado pela Livraria Garnier do Brasil, que circulou de 1903, sob a direção de Ramiz Galvão, até 1906 e, daí em diante, foi dirigido por João Ribeiro, até 1914, quando deixou de circular. Alexina Pinto é referência, entre outros, no “Dicionário do Folclore Brasileiro”, do historiador, musicólogo, antropólogo e folclorista Câmara Cascudo (Luís da Câmara Cascudo, 1898 – 1986), como a primeira brasileira a valorizar a cultura tradicional do seu povo. E o trem de Manuel Bandeira apitou – café com pão, café com pão, café com pão – e de nada adiantou.

João Scortecci

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MÁQUINA DE ESCREVER E A CÁPSULA DO TEMPO

Coleciono máquinas de escrever. Portáteis. Mais uma das minhas manias. Sou assim: vou e volto no tempo, no meu tempo. Quando da popularização dos computadores e do lançamento do Windows 98, tratei de me desfazer de todas. Sofri muito. Gostava delas. Depois de alguns anos – inesperadamente – recomecei nova coleção. Hoje tenho quatro máquinas de escrever, todas mecânicas, de marcas diferentes. Cada uma delas tem a sua história. “João, você quer uma máquina de escrever?” “Quero!” Simples assim. Outro dia apanhei com uma delas para lembrar onde ficava a trava para liberar o carro. Achei a resposta num vídeo explicativo no YouTube. Acontece. Coloquei papel no carro, girei o rolo e comecei a escrever uma carta, na verdade um bilhete, para uma cápsula do tempo, a pedido de um amigo poeta. Achei oportuno que o bilhete fosse escrito numa máquina de escrever. Frescura minha! Troquei a fita, limpei os tipos, ajustei o espaço duplo e lubrifiquei as teclas. Todas perfeitas! O som das teclas surrando o papel é algo incrível, que não se esquece nunca. Para quem não sabe – para dois terços da população hoje do planeta – o desenho do teclado QWERTY, desenvolvido para máquinas de escrever, continua sendo o padrão para teclados de computador. Um detalhe: na máquina de escrever você tecla – digita – e a engenhoca imprime na hora. Nada de perder tempo ligando a impressora, colocando papel na gaveta e tendo que digitar “Ctrl P”. Li o bilhete. Não gostei. Reescrevi-o mais duas vezes. Satisfatório! Coloquei data e assinei com caneta Bic, tinta azul. No Ceará dos anos 1960, aluno do Colégio Cearense, participei de uma cápsula do tempo, que deveria ser aberta 50 anos depois. Tenho informações que foi aberta. Não pude ir ao evento. Meu irmão José foi. Confesso: não me lembro o que escrevi na época. Esqueci. Liguei para o meu amigo – um jovem e talentoso poeta – e lhe disse: “Minha carta do tempo está pronta! O que faço?”. “Envie pelo WhatsApp”, respondeu. “Não posso! – protestei – Minha carta foi maculada numa máquina de escrever Olivetti dos anos 1970.” Silêncio. Fui, então, até a sua casa e entreguei o bilhete em mãos. “E agora?”, quis saber. Ele, então, explicou: “Vamos abrir a cápsula do tempo daqui a 50 anos! Quero ver você por lá”. Insistiu. Fiz as contas de cabeça. Impossível. Precisaria viver – bem e lúcido – até os 120 anos de idade. Apertei o “Shift” da máquina de escrever – travando a tecla – e acionei a trava de segurança. Foi para o estojo assim: travada! E assim vai ficar. Já disse: vou e volto no tempo, no meu tempo.

João Scortecci

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JOANA, A “TILÓGRAFA” PROFISSIONAL

A história é antiga. Dá minha adolescência, no Ceará do final dos anos 1960. Joana, cansada e desgostosa do serviço diário de arrumação e faxina, em uma casa com quase meia quadra de extensão, protestou: “Dr. Luiz, eu vou embora hoje mesmo!” Papai perguntou: “O que aconteceu, Joana?”. Silêncio. Mamãe Nilce, de olhos arregalados, ficou esperando qual seria a justificativa de ela ir embora, assim, de repente, após anos de casa. Joana havia sido minha babá - felizmente cresci – e depois arrumadeira, faxineira e ajudante de copa. Tenho saudade dela. Eu era a sua “danação”. O seu pecado, talvez. Quando criança, banhava-me em bacia com água morna. Na bacia da lavação, costumava colocar uma colher generosa de açúcar. Mamãe Nilce - de olho nela – perguntava, sempre: “Joana, o que você está fazendo?”. Respondia, sorrindo: “É para ele ficar docinho!”. Mamãe Resfolegava: “Não é para bolinar o menino.” ”E vê se lava – também – o pescoço e os pés dele. Estão imundos!”. Joana balançava a cabeça concordando e, demoradamente, banhava-me com mãos de mulher. Antes de Joana, Das Dores foi a primeira babá da casa. Cuidava dos meus irmãos mais velhos, Luiz e José. Era ela quem nos colocava para dormir, no horário do boa-noite, pontualmente às 20 horas. Alguém gritava: “Das Dores, caga a luz!” E Das Dores respondia, também aos berros: “Já caguei!”. Risos. Joana era da cidade de Tauá, da região do sertão dos Inhamuns, do coração do estado do Ceará. Explicou, finalmente: “Eu vou estudar para ser uma tilógrafa profissional. “Tilógrafa?” Silêncio. Papai Luiz - na sua calma de sempre - olhou para a mamãe Nilce, bebeu água do copo e disse: “Joana, parabéns! Apenas uma pergunta: o que é mesmo ‘tilógrafa’?” Joana esticou os braços e movimentou os dedos da mão, mimicamente ensaiando batê-los num teclado de máquina de escrever. “Datilógrafa?”. “Isso. Vou ser uma tilógrafa de oito dedos!”.  Joana partiu na manhã do dia seguinte. Chorou muito. Joana era querida e merecia toda a sorte do mundo. Voltou - do nada, sem avisar - um mês depois. Entrou na casa e guardou suas coisas no quarto. Papai e mamãe nada disseram. E o assunto ficou por aquilo mesmo. Em março de 1972, fui morar na cidade de São Paulo. Joana ficou. Alguns anos depois, voltei, de férias, e Joana não estava mais na casa. Havia partido. Família que se ama é assim mesmo. Todos, um dia, acabam voltando, pródigos que são, mesmo que seja apenas para arrumar no coração nossas lembranças no tempo.

João Scortecci

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TED BOY MARINO, RASPUTIN E O TELECHATH MONTILLA / JOÃO SCORTECCI

Eu e os anos 1960. O lutador de luta livre, humorista, halterofilista e ator ítalo-brasileiro Ted Boy Marino (Mário Marino, 1939 – 2012), natural de Fuscaldo, comuna italiana da região da Calábria, província de Cosenza, embarcou aos 14 anos de idade, no porão de navio, junto com seus pais e mais cinco irmãos, para Buenos Aires, Argentina, no ano de 1953. Trabalhou como sapateiro e, depois, lutador de luta livre e halterofilista. Em 1962, com 23 anos de idade, estreou nos programas de Telecatch – luta livre que combinava encenação teatral, combate e circo – transmitido pelos canais 9, de Buenos Aires, e 12, de Montevidéu, Uruguay. Em 1965, Marino chegou ao Brasil. Pouco tempo depois, foi contratado como lutador de “Telecatch Montilla”, pela TV Excelsior, rede de televisão do Grupo Simonsen, do empresário Mário Wallace Simonsen, onde fez grande sucesso, no papel do mocinho: lindo, loiro e forte! Nos ringues de luta livre derrotava os vilões: Aquiles, Verdugo, Rasputim, Barba Negra, El Chasques e Múmia. Ted Boy Marino antes de vencer suas lutas – isso acontecia sempre – apanhava muito. O público sofria junto. Depois, do nada, reagia. O público vibrava. Hora da vingança! E o bem, então, vencia. Rasputin era o mais malvado de todos. Mesmo sabendo que tudo era “marmelada”, Ted Boy Marino era um herói nacional, do bem contra o mal. Nos anos 1970 – já morando em São Paulo – conheci o lutador Rasputin. Um dia, confessou-me: “Contra o Ted Boy Marino eu batia de verdade. Batia com gosto!”. “Qual a razão?”, perguntei-lhe. “Loiro, bonito e argentino!”, respondeu-me. Risos. Depois, suavizou a pegada: “Ted Boy era gente boa, mas merecia apanhar!”. Ted Boy Marino, depois do fim do “Telecatch Montilla”, atuou como coadjuvante no programa “Os Trapalhões” e na “Escolinha do Professor Raimundo”, da Rede Globo. Morreu no dia 27 de setembro de 2012, aos 72 anos de idade, vítima de uma parada cardíaca.

João Scortecci


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A FAMÍLIA GUINNESS E A LÓGICA MENOR

Assistindo na Netflix “House of Guinness”, série sobre a família Guinness, criada por Steven Knight, escutei da personagem Ellen Cochrane (atriz e modelo irlandesa Niamh McCormack), a seguinte citação: “Segredo entre três pessoas, duas precisam estar mortas", provérbio atribuído a Benjamin Franklin (1706 – 1790), um dos líderes da Revolução Americana, conhecido por suas citações e experiências com a eletricidade. Dei pausa na série – interessante, recomendo - e fui procurar saber sobre a tal citação. Significado: “é extremamente difícil, ou praticamente impossível, manter um segredo guardado apenas com a confiança de algumas pessoas, pois com o tempo, o segredo acaba sendo revelado e espalhado.” A lógica por trás da frase: Se houver três pessoas, A, B e C, a pessoa A conta o segredo a B. B pode então revelar o segredo a C. Nesse ponto, o segredo já não é um segredo, pois foi partilhado com duas outras pessoas. A única forma de garantir que B não revele o segredo a C é se C não estiver vivo, ou seja, morto. Durante o período de faculdade no Mackenzie, adorava Lógica Menor. Lembro-me que na época fiquei fã do filósofo francês Jacques Maritain (Jacques Aimé Henri Maritain, 1882 – 1973) e sua obra "A Ordem dos Conceitos, Lógica Menor", manual de lógica formal, focado na organização dos conceitos e na estrutura dos argumentos, publicado pela Agir. Não sei onde anda o meu exemplar. Devo ter emprestado, sem volta. Livro bom é assim: vai e não volta! A série - baseada em fatos reais - é sobre a família de Benjamin Guinness e o destino de seus quatro filhos adultos, Arthur, Edward, Anne e Bem, e a cervejaria Guinness, na Irlanda e em Nova York no século XIX. Sobre Benjamin Franklin – criança no Ceará nos anos 1960 - ficava horas olhando a ilustrações do seu experimento soltando pipa (Arraia, no Ceará) com o objetivo de demonstrar que os raios são fenômenos elétricos e não um castigo divino ou simplesmente a lógica por trás da morte. 

João Scortecci


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NAS ONDAS DO RÁDIO / JOÃO SCORTECCI

Marconi (Guglielmo Marconi, 1874 – 1937) era – quase – da Família Paula, de tanto que meu pai Luiz, engenheiro civil e elétrico, falávamos do italiano, provável inventor do rádio. Tio Marconi! Talvez isso explique a minha paixão pelo rádio, engenhoca de chiados e – vez por outra – dono do meu sono profundo. Tenho apego pelos receptores, amigos fiéis e de uma vida inteira, os fraternos radinhos de pilha. Tenho uma boa e farta quantidade deles – uma coleção – de “ondas” de radiofrequência. Eu e minhas manias. Sou um exagerado! A estrutura básica da engenhoca é simples: um transdutor, um modulador, um amplificador e uma antena. Quando menino – isso nos anos 1960 – brincava de “rádio” conectando, em torneiras de cobre, os fios de um alto falante – amplificador sonoro –, arrancados de aparelhos velhos e quebrados. “Não estou escutando nada. Silêncio!”. “Abre a torneira e deixa a água cair que melhora o sinal.” Dito e feito. Funcionava, sempre. Rádio é terapia modal e ajuda – os vivos – em dias de insônia. Dia 13 de fevereiro comemora-se o Dia Mundial do Rádio. No Brasil, comemora-se no dia 25 de setembro, em alusão ao nascimento, em 1884, de Roquette Pinto, pioneiro da radiodifusão no Brasil. A primeira transmissão de rádio no mundo foi para um jornal de Dublin, na Irlanda, sobre um evento esportivo que ocorreu durante a regata de Kingstown, capital de São Vicente e Granadinas, no Caribe. A invenção, porém, ainda não tinha o formato que conhecemos hoje, porque transmitia somente sinais. A primeira transmissão radiofônica no Brasil aconteceu no dia 7 de setembro de 1922, por ocasião do centenário da Independência. Uma estação de rádio foi instalada no Morro do Corcovado, na cidade do Rio de Janeiro, então Capital Federal, que transmitiu o discurso do Presidente da República Epitácio Pessoa (Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa, 1865 – 1942). Um ano depois foi fundada pelo professor, escritor e acadêmico Edgar Roquette-Pinto (1884 – 1954) a primeira emissora de rádio do País: a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro (atual Rádio MEC). com o intuito de difundir a educação por esse meio, num Brasil onde 60% da população, cerca de 30 milhões de pessoas, na época, não sabia ler. Roquette-Pinto, numa negociação com empresários americanos da Westinghouse, recebeu de presente os equipamentos básicos de transmissão, para criar, então, a primeira emissora de rádio do Brasil. Um detalhe, insignificante, talvez: uso – diariamente – três radinhos recarregáveis. Um no ouvido, outro de reserva (vai que acontece algo) e outro ligado na tomada, carregando. Sou – mesmo - um exagerado: raio de roda, feixe de luz, raio!

João Scortecci


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REGRAS DE FUTEBOL DE RUA

Era assim nos anos 1960. Os dois melhores não podem estar no mesmo time. Logo, eles tiram par ou ímpar e escolhem os times. Ser escolhido por último é uma grande humilhação. Um time joga sem camisa e o outro com camisa. O pior de cada time vira goleiro, a não ser que tenha alguém que goste de catar no gol. Se ninguém aceita ser goleiro, adota-se um rodízio: cada um agarra até sofrer um gol. Quando tem um pênalti, sai o goleiro ruim e entra um bom, só para tentar pegar a cobrança. Trave boa é a feita com sandálias havaianas. Os piores de cada lado ficam na defesa. O dono da bola joga no mesmo time do craque. Não tem juiz. As faltas são marcadas no grito: se você foi atingido grita como se tivesse quebrado uma perna. Se você está no lance e a bola sai pela lateral grita: é nossa e pega a bola o mais rápido possível e faz a cobrança. Lesões como arrancar a tampa do dedão do pé, ralar o joelho, sangrar o nariz e outras, são normais. Quem chuta a bola para longe tem que buscar, não importa o lugar. Lances polêmicos são resolvidos no grito ou, se for o caso, na pancada. A partida acaba quando todos estão cansados, quando anoitece, quando a bola rasga ou quando a mãe do dono da bola manda ele para casa tomar banho.

* Desconheço o autor do texto. Era assim mesmo.

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