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PARA VOCÊ, LEITOR DE LIVROS

Legal saber que você é um leitor de livros! Reconhecemos a importância do hábito da leitura e dos benefícios que ela proporciona: conhecimento, expansão do vocabulário, melhora na escrita, aumento da concentração, fortalecimento do pensamento crítico, desenvolvimento da criatividade, prazer estético, entre tantos outros que só os que leem experimentam.
Esta pequena nota se destina a você, leitor consciente da importância de somente comprar livros comercializados de forma legal e confiável, em livrarias físicas, lojas virtuais, distribuidoras, casas editoriais, feiras, bienais e eventos literários e culturais. O produto livro e outros bens culturais – como músicas, filmes, pinturas, fotos – quando comercializados em endereços piratas e ilegais – físicos ou virtuais – causam enormes prejuízos ao setor editorial e livreiro e aos autores. A Internet, infelizmente, através de plataformas irresponsáveis – algumas, cúmplices – tem sido canal fácil para fraudes, golpes e todo tipo de crime. No ano de 2024, o prejuízo para autores e editoras chegou a R$ 1,4 bilhão, o equivalente a cerca de 50% do rendimento anual das vendas do setor.
No meio digital, hackers são responsáveis por quebrar travas de acesso a e-books e obter cópias indevidas e ilegais. Algumas plataformas criminosas trabalham com acervos inteiros em PDF e oferecem ainda serviços “sob demanda”, em que os usuários pedem títulos específicos e recebem os arquivos diretamente em sua caixa de e-mail. Tem sido comum também a criação de grupos de leitura livre ou clube do livro e da leitura, em que usuários trocam arquivos digitais, recomendam pastas compartilhadas e ensinam como acessar bibliotecas digitais ilegais. Isso é crime!
Editores e autores não são contra iniciativas que estimulem o compartilhamento de leitura e livros; muito pelo contrário, pois apoiam e fornecem livros com descontos especiais para os membros desses grupos. Dados da ABDR – Associação Brasileira de Defesa dos Direitos Autorais e Reprográficos e de entidades do livro estimam que, dos R$ 2,52 bilhões faturados em 2023, pelo setor editorial e livreiro, deixou-se de faturar cerca de R$ 1,2 bilhão, valor “perdido” para a pirataria. Em 2024, o prejuízo chegou a R$ 1,4 bilhão, o que corresponde a 50% da quantia arrecadada no ano, correspondendo a cerca de 154 mil obras: 56%, de literatura geral; 39%, relacionadas à área do Direito; 4%, de livros religiosos; e 1% de livros com temática infantil ou didática.
Temos que combater a pirataria e a venda ilegal de livros. A Lei de Direitos Autorais no Brasil garante ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor – de forma legal, conforme contrato com editora, quando houver – de sua obra, incluindo livros, em qualquer formato, físico ou digital. Isso significa que configura violação legal qualquer reprodução, distribuição ou disponibilização de uma obra sem a autorização do autor ou da editora e sem cumprimento de regras contratuais.
Mesmo com o intenso trabalho desenvolvido pela ABDR e entidades do setor, precisamos do apoio e do trabalho voluntário e coletivo de conscientização da prática ilegal que assola o País. Denuncie. Não compre livro pirata! Não faça nem compartilhe PDF pirata. Colabore, orientando e explicando em escolas, universidades, clubes de leitura e grupos de WhatsApp sobre a importância de combater a pirataria de livros e de conteúdo editorial.
Esta nota é para você, leitor legal, que gosta de livros, curte e incentiva o hábito de leitura. Compartilhe essa ideia. O livro agradece.

João Scortecci
Escritor, editor, gráfico e livreiro.
scortecci@gmail.com

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CHIQUINHA GONZAGA E O ESCÂNDALO DO “ENFIAR O PÉ NO JACA”

“Jaqueira” é uma árvore tropical de grande porte, pertencente à família das Moraceae, nativa da Índia e cultivada na Ásia e no Brasil. Produz o maior de todos os frutos comestíveis: a jaca. A expressão popular “enfiar o pé na jaca” nada tem a ver com a fruta e com as jaqueiras, mas com uma espécie de cesto – de nome “jacá” – feito de bambu ou cipó, usado preso ao lombo de animais para o transporte de mercadorias. Não se sabe quando o acento agudo desapareceu da expressão. Escafedeu-se! Existem outros casos de adágios bastante conhecidos: “Batatinha quando nasce espalha a rama pelo chão”, “Quem não tem cão, caça como gato” e outros. “Enfiar o pé na jaca” significa cometer excessos, beber muito, exagerar na dose! Os condutores desses animais – conhecidos como “tropeiros” – ao longo de suas viagens, paravam no caminho para beber. Bêbados - quase sempre - ao tentarem subir nas montarias, acabavam enfiando o pé no jacá. É também sem acento agudo o escândalo político do “Corta-jaca”, que aconteceu em 26 de outubro de 1914, no palácio do Catete, no Rio de Janeiro, na época sede do governo federal. Na presença de diplomatas e da elite carioca, o tango “Gaúcho” – popularmente conhecido como “Corta-jaca” –, da compositora, instrumentista e maestrina Chiquinha Gonzaga (Francisca Edwiges Neves Gonzaga, 1847-1935), foi executado pela pintora, cantora, pianista e primeira-dama Nair de Teffé (1886-1981), esposa do então Presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca. O poeta, teatrólogo, músico e compositor maranhense Catulo da Paixão Cearense (1863-1946), amigo do marechal, havia observado que, nas festas palacianas, nunca se executava música nacional. Era, portanto, a primeira vez que esse tipo de música penetrava nos salões elegantes da elite, fazendo com que o fato seja considerado a alforria da música popular brasileira. E foi por sugestão de seu professor de violão, Emilio Pereira, que a primeira-dama Nair de Teffé executou o tango “Corta-Jaca”, de Chiquinha Gonzaga. No dia seguinte, em sessão do Senado Federal, o senador Ruy Barbosa (1849-1923), adversário político do Presidente da República, comentou o acontecido: “Por que, Sr. Presidente, quem é o culpado, se os jornais, as caricaturas e os moços acadêmicos aludem ao Corta-Jaca? (...) A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque do cateretê e do samba (...)”. Até tu, Ruy! Aqui cabe o adágio – às avessas, claro: “Vale mais uma hora de tolo que a vida inteira de sábio.” Exagerou na dose! 

João Scortecci
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TENHO A IDADE DE 7 PAPAS

Cada um conta o tempo dos anos já vividos como deseja. Não há regras, felizmente. Poucos dizem na lata a idade. Sugestões: Tenho 65 natais, já vivi 31 carnavais, dormi e acordei 720 luas, sou do tempo do Elvis, da Jovem guarda, do Homem na Lua etc. Vale tudo! Uma autora da Scortecci – isso nos anos 2000 – desistiu de publicar sua obra de crônicas porque no contrato de edição tinha a obrigatoriedade que constar o ano do seu nascimento. Bateu o pé e foi embora. Meu pai Luiz gostava de aumentava a idade. Tive um pai amado, maravilhoso e cheio de manias. Dizia sempre: novo é aquele que tem menos que a minha idade e velho é aquele que tem mais! Um dia perguntei-lhe, então, a razão. Ele explicou: “Gosto de ver a reação na cara das pessoas! Risos. Adorava quando as pessoas – surpresas - respondiam: “Não parece!”. Eu - vez por outra - copio dele a mesma brincadeira. Sou – também – um engodo de manias e trejeitos. Meu sogro Murillo, já falecido, no dia do seu aniversário costumava, sabiamente, dizer: “Quero viver mais 5 anos!”. Fez isso durante 35 anos, tempo que convivemos. Funcionava! Murillo vivem até perto dos 90 anos. Eu gosto de contar os meus anos vividos pelo número de Papas do meu tempo, desde 1956, ano que nasci. Foram desde então, 7 papados: Pio XII, João XXIII, Paulo VI,  João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco I. Estou pronto – e disposto – a mudar a minha idade, para 8 papados, agora que o Papa Francisco faleceu no dia de hoje. O seu papado durou 12 anos e 39 dias. Digo sempre: Estou velho, tenho 7 Papas nas costas! Risos. O engraçado mesmo é que quando faço a brincadeira às pessoas de pronto, também, costumam fazer suas contas. É automático! Vamos lá: quem nasceu no papado de Francisco tem, no máximo, 12 anos e 39 dias de idade. No papado de Bento XVI, 20 anos. No de João Paulo II, 47 anos. O problema começa a ficar sério e perigoso para quem nasceu no pontificado de Pio XI - 8 papados e agora próximo do 9º - que começou no ano de 1922, e de lá pra cá, já se passaram 103 anos. Nasci no papado de Pio XII, tenho, portanto, no máximo 86 anos de idade. O tempo é veloz!

João Scortecci

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MINOTAURO, AS ASAS DE ÍCARO E A ESPADA DE TESEU

Menino de tudo – isso nos sonhos do rei Minos de Creta – pude ver de perto, pelo buraco do tempo, o monstro Minotauro, criatura com a cabeça de um touro sobre o corpo de um homem. Minotauro, filho de Pasífae, mulher do rei Minos, fruto de uma paixão proibida com o Touro Cretense. Foi o poeta Ovídio quem primeiro contou-me sobre Minotauro. Ele existe! Disse-me. E eu acreditei. Desci no silêncio escuro do labirinto até o sítio do rei Minos e lá fiquei escondido, até o dia nascer de sol e a fera rugir de fome e sair selvagem para caçar no Sítio de Cnossos. Ovídio havia me dado em seus versos um mapa do labirinto, encontrado no meio dos desenhos do arquiteto e escultor Dédalo, responsável pela construção do labirinto, desde então, morada do Touro de Minos. Mestre Dédalo, depois da construção do labirinto, foi aprisionado pelo rei Minos, junto com seu filho Ícaro. O rei o tratava muito bem, mas não o deixava ir embora, com medo que revelasse sobre o Minotauro e entregasse aos inimigos os segredos dos mais de 1300 compartimentos do labirinto. Dédalo era um escultor brilhante e talentoso. Foi ele quem esculpiu, pela primeira vez, uma estátua de olhos abertos. Naquela época todas as estátuas da Grécia antiga eram talhadas com os olhos fechados. Dédalo, então, resolveu fugir e levar junto seu filho Ícaro. Juntou penas de pássaros e as grudou umas nas outras e as colou com cera de abelha, construindo, assim, quatro asas. Duas para ele e duas para Ícaro. Antes da fuga - numa manhã de vento forte e sol incandescente – disse ao filho: "Ícaro, não voe baixo demais que a água do mar pode molhar as asas e não voe muito alto, ou o calor do sol vai derreter a cera." Os dois fugiram voando da ilha. Entusiasmado com as asas, Ícaro voou alto - na direção do sol - e a cera de abelha derreteu-se, e Ícaro, então, caiu no mar, perto de uma ilhota do mar Egeu, entre a Grécia e a Turquia, hoje de nome Icária, em sua homenagem. Com a fuga de Dédalo a notícia da existência do Minotauro - criatura com a cabeça de um touro sobre o corpo de um homem – correu o mundo. Coube a Teseu - herói ateniense, filho de Egeu e Etra – caçar o monstro. Eu estava lá. Ariadne, filha de Minos, apaixonada por Teseu, entregou-lhe no portão do labirinto a ponta de um novelo de lã, para que não se perdesse no caminho. Teseu encontrou o monstro e o matou com um único golpe com sua espada. Depois, guiado pelo fio de lã, voltou para os braços de Ariadne. Acordei do sonho de Minos de Creta, fugindo dos soldados do rei. Estava náufrago no mar Egeu e fui resgatado pelo navio de Teseu, até Atenas, onde reencontrei o espírito de Ícaro e o livro de Ovídio, escrito no exílio no mar Negro. Foi assim.

João Scortecci


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COISAS DO SONO E DAS BREVIDADES DA NOITE / JOÃO SCORTECCI

Nada do sono chegar. Escafedeu-se! Uma hora ele chega e me pega de vez. Inteiro. Aprendi, desde então, a esperá-lo, no melhor da hora. Nossa relação de amor é simples: de chegada e posse, sem brevidades. Ele chega e me pega, me entrego fácil, vencido, simples assim. Apagamento espiral, sem curvas ou ladeiras. Gozo frontal, marrento, feroz. Entrego-me derrotado e feliz. Entrego-me agitado, inquieto, doído. É assim. Sempre foi assim. Pelo bico do funil viajo no espaço: de braçadas, de léguas, de mundos. O Eu etéreo espuma, navega, corre, luta, chuta, ama e explode: igual rastilho de pólvora. Exausto acordo do transe - afoito e aceso - e retorno, então, ao vivo. O sono - ainda - não existe. Leio e escrevo. Ligo o rádio e escuto o de sempre. Uma hora ele vai chegar e me levar de vez. Relação de amor e brevidades. Gozo frontal, marrento e espiral. Nada de novo: sem curvas, ladeiras e precipícios. 

João Scortecci

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DEPOIS DA PANDEMIA / JOÃO SCORTECCI

Das domingueiras. Iguais, diferentes e únicas. O que fazia, o que faço e o que pretendo fazer, ainda, depois que a pandemia da Covid-19, passar de vez. A lista de “vontades” é grande. Tentações! Fiz as contas e descobri que vivi, até hoje, 3059 domingos. Pouco mais de oito anos inteiros. Muito, né? Tenho uma lista com tudo anotado. Segue: defequei fraldas, tomei mamadeiras na cama, apaguei velinhas de aniversários, comi bolo de chocolate e brigadeiro, soltei pipa, corri de havaianas no paralelepípedo, joguei bola de futebol na rua, nas esquinas, acampei no mato, no quintal de casa, joguei pedra, cartas, boliche e botão, matei calangos, cobras, passarinhos e preás, atirei com baladeira e mamonas, espingarda de chumbinho e cartucho, urinei no poste, no muro, nas águas, colei figurinhas, pesquei no rio Pajeú, no açude, no mar, no pesqueiro, briguei na rua, roubei frutas do quintal do vizinho, colecionei maços de cigarro, selos, tampinhas de refrigerante, canetas, livros raros, filmei 8, super 8 e VHS, fui fotógrafo, lobinho, escoteiro, fui à praia, ao campo, ao circo, a igreja, ao zoológico, ao museu, ao parque, ao shopping, ao estádio, fiquei de plantão no quartel, dirigi opala envenenado na Rua Augusta, tomei sorvete de frutas, café no aeroporto, sopa no Ceasa, fumei, comprei moto, fusca antigo, pedalei de bike, dancei, fui à academia, ao teatro, carnavais no clube, de rua, troquei beijos na praça, no cinema, abraços e segredos no trem noturno, almoços, jantares, fiquei bêbado, de ressaca, dormi na rede, no sofá, no chão, fui a velórios, comi pastel de feira, esfirra, ovos de páscoa, tapioca, quibe, pizza, churrasco, li e reli livros, escrevi muito, poetei versos de amor, de dor, histórias infantis, crônicas, compartilhei aloegos na Internet, assisti sessão da tarde, filmes de locadora, contei e escutei piadas, fui dono de restaurante, cozinhei feijoada, moquecas de peixe, rabada e ovos fritos, assisti TV, escutei rádio e fui menino corredor pelas ruas incertas de São Paulo. Tudo isso e mais um pouco de tudo. Fui intenso, danado, selvagem e amoroso. E pecador, também. Pergunta: O que fazer depois da pandemia? Um pouco de tudo e nada de diferente. Quero voltar a fazer o mesmo. Igual e diferente. O que preciso agora é permanecer vivo - sobreviver a tragédia - e nada mais.   

Dezembro de 2020.

João Scortecci


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UM QUARTO DE HORA E O AMANHECER DO TEMPO / JOÃO SCORTECCI

15 minutos de fama e nada mais. O que significa: visibilidade midiática de curta duração relacionada a um determinado indivíduo ou fenômeno. A citação – de paternidade duvidosa – atribuída a Andy Warhol, Lima Barreto e Outros – segue na moda, criando famosos, midiáticos, heróis, por eternos 15 minutos e ponto. Depois, do nada, a fama se apaga e o esquecimento cabal toma conta de tudo. Dizem que tudo na vida é assim: “15 minutos de fama!”. O resto é dor, sofrimento e perdas. Alguns poucos - pouquíssimos - talentosos, geniais e imortais – sobrevivem, ganham corpo celeste, e se tornam, então, estrelas de luz no céu. Andy Warhol (Andrew Warhola Jr, 1928 – 1987), famoso artista visual, diretor de cinema, produtor e figura de destaque do movimento Pop Art dos anos 1960 é um deles. Hábil e inteligente. Para quem gosta do seu trabalho uma dica: inaugura no próximo dia 1º de maio, no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, uma exposição com 600 peças do artista. Entre elas: “The Last Supper”, releitura de “A Última Ceia”, de Leonardo Da Vinci. Imperdível. Ainda olhando para o céu, aguardando o amanhecer do dia, talvez de chuva, reencontro o escritor Lima Barreto (Afonso Henriques de Lima Barreto, 1881 - 1922), que dizem ser, de fato, o verdadeiro autor da frase “15 minutos de fama” e imortalizada por muitos no tempo. Teria escrito, em 1911: “Houve um em Niterói que teve seu quarto de hora de celebridade” e prossegue: “Chamavam-no Trinta-Réis. Os jornais do tempo ocuparam-se com ele... Um herói! Passou à revolta e foi esquecido”. O avô dos réis e dos tostões miúdos, de terno elegante de linho branco e colônia, tirou, então, do bolsinho da frente da calça do terno o relógio de corda com caixa de caçador e corrente de fio de ouro e teria dito: “Falta um quatro de hora para o dia amanhecer!”. Silêncios. Estávamos sozinhos no quintal de casa cutucando com uma vara de bambu uma graviola madura. "Pega na boca do talo e depois torce que ela cai de vez!”. Foi o que fiz. Desde então gosto das graviolas maduras e do amanhecer de todos os dias. Guardo no céu da memória relógios antigos, que marcam no coração do tempo: um quarto de hora. Marcam 15 minutos de saudade, lembranças da última ceia e da mortalidade que é a vida veloz.

João Scortecci 


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POEMA “A MINHA VELA” DE EDNA MILLAY / JOÃO SCORTECCI

Nada mais sobrenatural que um fósforo riscado e uma vela no altar do amor. Candeias e gozo: pavio, parafina, azeite e luz. O Prêmio Pulitzer é um prêmio outorgado a pessoas que realizem trabalhos de excelência na área do jornalismo, literatura e composição musical. É administrado pela Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque. Foi criado em 1917 pelo jornalista e editor húngaro, Joseph Pulitzer (Pulitzer József, 1847 – 1911). A poeta e dramaturga, Edna Millay (Edna St. Vincent Millay, 1892 - 1950) foi a primeira mulher vencedora do Prêmio Pulitzer, na categoria Poesia, em 1923. Utilizou o pseudônimo Nancy Boyd para o seu trabalho em prosa, num divisor de águas e vida. Millay ficou também conhecida pelo seu estilo de vida boêmio e pelos seus inúmeros casos amorosos. Bissexual assumida, escreveu o poema "A Minha Vela": “Minha vela queima dos dois lados, ela não vai durar a noite inteira, mas oh meus amigos, ah meus inimigos, que bela luz ela dá!” Luzes de Candeia? Talvez. Assim: pavio que arde, parafina nas entranhas, azeite intenso na carne e luz que ilumina imensidões. Nada mais sobrenatural que fósforo riscado, vela que queima e o amor em dois lados.   

João Scortecci


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TUDO EM FAMÍLIA: TRAGÉDIA GREGA NO MONTE OLIMPO / JOÃO SCORTECCI

Tragédia Grega no Monte Olimpo. Foi assim: Cronos, deus do tempo e o mais forte dos titãs, era um comunista de carteirinha, das antigas. Devorador de criancinhas! É o que dizem. Comeu seus próprios filhos! Escapou da gula antropofágica apenas o seu primogênito, Zeus. Zeus, o deus dos deuses, foi salvo por Gaia, a mãe terra, a pedido de Reia, sua mãe. Gaia - esperta que só a natureza - elaborou um plano diabólico e salvou Zeus, poupando-o da fúria de Cronos. Zeus - um galo incansável - casou-se com Métis, deusa da prudência, que lhe deu a filha Atena, deusa da sabedoria, da guerra e da beleza eterna. Zeus - imprudente com as coisas do coração - logo trocou Métis por Têmis, deusa da justiça, com quem teve as filhas Moiras e Horas. O casamento dos dois durou pouco. Dizem – não sei se é verdade - que Zeus ainda se casou mais cinco ou seis vezes. Zeus - imaturo e inseguro - nunca superou o trauma de ter um pai antropofágico e comunista. Zeus - já velho e doente - casou-me ainda mais uma vez, com Mnemósine, deusa da memória que - sabiamente - o fez esquecer de tudo: das farras, das orgias e dos babados do Monte Olimpo. Do seu casamento - o mais cultural de todos - nasceram Clio, musa protetora e inspiradora da história, Euterpe, da música, Talia, da comédia e poesia e Urânia, da astronomia. Detalhe mitológico: Cronos – adormecido na demência, vez por outra, ainda – conta histórias de amor, escuta músicas do coração, faz poesias de gozo selvagem e namora estrelas do céu maior, lá do alto do Monte Olimpo. Moral da história: o culpado da tragédia grega foi Cronos, o antropófago do reino dos titãs. 

João Scortecci
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O IMPRESSOR LÉON SCOTT E A IMAGEM DO SOM / JOÃO SCORTECCI

O tipógrafo, bibliotecário e livreiro francês Léon Scott (Édouard-Léon Scott de Martinville, 1817-1879) foi o inventor do fonoautógrafo. Em 25 de março de 1857, obteve a patente francesa nº 17 897 / 31 470; três anos depois, em 9 de abril de 1860, fez com o seu dispositivo a mais antiga gravação existente da voz humana. Léon Scott estava interessado em registrar o som da fala humana de uma forma semelhante à alcançada pela então nova tecnologia de fotografia para luz e imagem. Esperava com o seu invento criar uma forma de registrar a conversa inteira, sem omissões, à semelhança de técnicas de escrita abreviada, como a estenografia, a taquigrafia, a logografia, a pasistenografia, que utilizam caracteres especiais, permitindo que se anotem as palavras com a mesma rapidez com que são pronunciadas. Concebeu a gravação sonora pela primeira vez, quando, debruçado em um texto sobre fisiologia humana, imaginou uma nova possibilidade incrível: se a fotografia podia capturar imagens fugazes com lentes modeladas no olho, uma réplica do ouvido não poderia, de forma semelhante, capturar palavras faladas? Ele a chamou de "a ideia imprudente de fotografar a palavra". Diferentemente do fonógrafo, invenção de Thomas Alva Edison (1847-1931), o aparelho de Léon Scott criava apenas uma imagem do som. A partir de 1853, dedicou-se a desenvolver – por meio mecânico – uma técnica para transcrever sons vocais. Ao revisar gravuras de um livro de Física, deparou com desenhos de anatomia auditiva. Tentou imitar o funcionamento com um dispositivo mecânico, substituindo o tímpano por uma membrana elástica e o ossículo, por uma série de alavancas, que moviam uma caneta que ele propôs prensar em uma superfície de papel, madeira ou vidro coberta de negro de fumo, feito de carbono, usado em muitos produtos, como tintas, borrachas, plásticos e adesivos. Para coletar o som, o fonautógrafo usava uma buzina presa a um diafragma que fazia vibrar uma cerda rígida, inscrevendo uma imagem em um cilindro revestido de negro de fumo e de manivela à mão. Ele construiu vários dispositivos com a ajuda do fabricante alemão de instrumentos acústicos Karl Rudolph Koenig (1832-1901). A intenção de Léon Scott era possibilitar que as ondas do dispositivo fossem lidas por humanos como se lessem um texto, o que se mostrou inviável. Mesmo não tendo sucesso, o trabalho de Léon Scott serviu de estudo para o desenvolvimento futuro da comunicação gráfica – transmissão de mensagens por meio de elementos gráficos, como imagens, símbolos, cores, tipografia e formas. Léon Scott, no entanto, não foi capaz de lucrar com a invenção do fonoautógrafo. Viveu até os 62 anos e passou o resto de sua vida trabalhando como livreiro, lidando com gravuras e fotografias, na Rue Vivienne, 9, em Paris.

João Scortecci

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O DEDAL DAS ARMADURAS DO TEMPO / JOÃO SCORTECCI

Netos pequenos gostam de mexer em tudo. Duas alegrias: quando chegam em casa e quando vão embora. Desde cedo aprendi a esconder deles: objetos caros, raros, pontudos e perigosos. Guardo no armário minhas coleções de selos e de canetas, meus radinhos de pilha e desligo o computador de trabalho. Já tive um livro – quase pronto – deletado da área de trabalho e a experiência foi amarga. Sorte que o arquivo foi para a lixeira e eu consegui resgatá-lo inteiro. Quando criança adorava mexer nas gavetas e nos armários da casa da minha avó paterna, Sarah. “Vovó, que caixinha é essa?” “Uma caixa de costura”, respondeu. Abri de pronto e senti que ela parou de respirar de vez. “Cuidado: tem agulhas!” Esqueci as agulhas, os carretéis de linhas, a tesoura, a fita métrica, os botões coloridos e fui direto pegar um copinho de aço cheio de furinhos. “O que é isso, vovó?” “Um dedal. Serve para proteger os dedos durante a costura.” Vovó Sarah enfiou o dedo maior da mão direita no copinho de aço e mostrou para que serve. “Um escudo para o dedo!”, disse. Imaginei, então, um dedal gigante e eu dentro dele. Um dedal-armadura. Catei o dedal da caixa de costura e sumi com ele. Vovó viu quando eu o peguei e me escondi no alto do pé da goiabeira. Lá fiquei. Alguns dias depois, vovó Sarah cobrou-me a peça: “João, cadê o dedal?”. “Guardado”, respondi. “Posso saber o que você vai fazer com ele?” “Um dedal-armadura para me proteger das flechas, das lanças e das espadas dos inimigos do reino.” Vovó Sarah riu. Nunca devolvi o dedal. Ficou comigo esquecido no baú do pirata. Estima-se que os primeiros registros sobre o utensílio datam em torno de 12.000 a.C. Usavam para costurar couros de animais e madeira. Lembro-me que, quando vim morar em São Paulo, em 1972, pensei em devolvê-lo. Vovó, na época, estava demente e esquecida de tudo. Faleceu em 1979. Guardei o dedal no baú do pirata, com os meus sonhos de criança e o enterrei no quintal de casa, ao lado do pé de figo, a dez passos de distância do pé da goiabeira. E lá ficou. 

João Scortecci

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XEQUE-MATE E O TERRITÓRIO DAS 64 CASAS / JOÃO SCORTECCI

Xadrez. Já joguei. Gostava. Depois, por alguma razão, desisti. Perdi o fiel amigo do jogo e, depois, também o parceiro inimigo do jogo. Eu era o perdedor, sempre. Isso – talvez – explique a razão de terem desistido do meu perfil singular. Aceitava a derrota, passivamente. Não roubava no raciocínio e poeticamente: adorava sacrificar o meu Rei, em sinal de desistência. Rei morto, rei posto! Uma vez – no Ceará dos anos 1970 – participei de um desafio de xadrez, no Clube Náutico. Um mestre enxadrista, jovem e estranho, jogava contra ao mesmo tempo contra um bando de alunos. O mestre, miúdo e de óculos fundo de garrafa, perdeu apenas um jogo. Ganhou o resto, de lavada. Vi o seu Rei resfolegar e cair, mortalmente, no tabuleiro. Xeque-mate! Palmas. Pediu revanche. Aceitamos! Em segundos, o mestre amassou o Rei do aluno sortudo, que rolou, mortalmente, no piso do salão. Gritos! Depois, pegou um peão do tabuleiro e o deu, de presente, para o herói do dia. Inesquecível. Peões, bispos, torres e cavalos – na arte da guerra – “sacrificam-se”, lutando, pelo reino de 64 casas. Andei lendo – até então não sabia – qual a diferença entre “Guerra absoluta” – aniquilamento total do inimigo – e “Guerra total” – mobilização global. Singela diferença. Tentei, então, resgatar do passado o contato com "o fiel amigo do jogo". Não o encontrei. Escafedeu-se. Depois tentei localizar "o parceiro inimigo do jogo". Sem sucesso. Encontrei foi o seu neto, Lucas, nas redes sociais. Surpresa! Disse-me, assim que falei o meu nome: "Vovô morreu em 2022, da Covid-19". Lamentei. Continuou, então, emocionado, falando do avô: "Ele o aguardava. Deixou comigo o jogo de xadrez para lhe entregar de lembrança. Ele sabia que, um dia qualquer, você, do nada, daria o ar da graça!". Chorei. Choramos. Hoje, no território da saudade, compreendo o significado de perfil singular e desistência absoluta. Singela diferença. Xeque-mate? Talvez. Rei morto, rei posto!

João Scortecci

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MULHERES NO FUTEBOL E RITINHA PAVONE / JOÃO SCORTECCI

Ritinha, irmã caçula de Lúcio, gostava de jogar bola com os meninos da rua. Isso no Ceará dos anos 1960. Lembro que cortou os cabelos curtos, a La Rita Pavone, cantora italiana de sucesso na época. Magrela e sapeca. Veloz. Chutava a bola Pelé com precisão e força. Começou na torcida, trepada no muro do vizinho. Depois na defesa, completando número, no meio rebatendo a bola e por fim, na frente, fazendo gol. A mãe de Ritinha não gostava da história. No início proibiu: Futebol não é esporte para mulher! Algo assim. Depois, com o tempo, conformada, liberou geral. Virou fã de carteirinha e não perdia um jogo. Jogávamos descalços. As vezes até no meio dos carros. Um time com camisa – o da Ritinha Pavone, sempre - e o outro, sem camisa. Ritinha Pavone colecionava marcas nas canelas e as mostrava com gosto. Cada cicatriz tinha uma história. Quando perdia o tampão do pé - chutando o chão - enrolava as carnes frescas com esparadrapo. Lendo sobre a história do futebol feminino no Brasil descobri que no período entre 1941 a 1979 era proibido. Desconfiava. A estupidez coube a Getúlio Vargas (decreto-lei 3.199/41), durante a Ditadura do Estado Novo. A ditadura acabou e a proibição ficou, no silêncio do tempo. Esqueceram de revogar? Talvez. No decreto 3199/41, a estúpida justificativa: “Esporte incompatíveis com as condições de sua natureza.” E mais, no texto: halterofilismo, beisebol e as lutas! Aqui comigo mesmo: tudo que hoje faz muito sucesso! No discurso oficial a justificativa de que esses esportes poderiam afetar as funções orgânicas, o equilíbrio psicológico das mulheres e até prejudicar a capacidade delas de serem mães. Somente em 1983, depois de muita pressão, que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) aprovou uma norma que permitiu a prática do futebol feminino nos estados, municípios e territórios. Pesquisando descobri o livro “Futebol Feminino no Brasil” da historiadora Aira Bonfim. Vou comprá-lo. Encontrei na Internet, também, farto material. Fotos, depoimentos e até um filme. Quando deixei o Ceará, no ano de 1972, Ritinha ainda jogava bola e sonhava fazer carreira profissional. Fiquei 10 anos longe da minha terra natal – exílio voluntário. Quando voltei no ano de 1982, já editor de livros, ela havia mudado de endereço e sumido de vez. Olhando as fotos na Internet – até tendei – encontrar o seu rosto, sem sucesso. Parei de procurar quando, então, vi que as mulheres da época, até 1960, jogavam de saias compridas, até as canelas. Nada parecido com o estilo livre, veloz e mágico de Ritinha. Um detalhe, pertinente: Ritinha chutava com os dois pés, matava no peito, dava carrinho, cotovelada e cuspia na cara dos adversários, vez ou outra. Acordei na poltrona da sala sonhando com o futebol de Pavone. Ritinha brilhava: dava voadora na bandeirinha do escanteio, cavava penalti, pentelhava a vida ingrata do juiz e tirava a camisa para a torcida depois de gol de placa. Coisas do futebol.  

João Scortecci


 


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JACK LONDON, O BRASILEIRO / JOÃO SCORTECCI

Não me lembro do ano exato. Talvez 1996. Alguém da Livraria Cultura me ligou e disse: “O Jack London da Booknet vai falar sobre e-commerce de livros”. Algo assim. “Jack London: o autor do livro ‘O Lobo do Mar’?  Impossível! O moço morreu em 1916!” “Não! O Jack London brasileiro. O criador da Booknet – depois Submarino, 1999 -, considerada a primeira loja online de livros do Brasil.” Então fui. Auditório lotado, muita gente importante do negócio do livro. Em maio de 1996, na Folha Ilustrada, a jornalista Cristina Grillo, escreveu: “A Booknet põe 12 mil títulos à venda na rede, expectativa é que o acervo chegue a 40 mil em 90 dias. Por meio da Internet, será possível comprar e receber em casa livros de 35 editoras brasileiras e de outras nove livrarias virtuais nos Estados Unidos e na Europa.”. Perguntaram: “Você é parente do escritor norte-americano?”. “Não. Foi um gracejo da minha mãe que tinha ‘London’ no sobrenome e gostava muito do autor”. Risos. Declarou, então: “Foi após uma visita à Amazon, em 1994, que decidi criar a Booknet”. “Amazon?” “Sim. Empresa de tecnologia norte-americana de e-commerce, computação em nuvem, streaming e inteligência artificial, fundada por Jeff Bezos, em 5 de julho de 1994.” O José Henrique Grossi, amigo e na época vice-presidente da CBL, fuxicou no pé do meu ouvido: “Logo a Amazon vai vir com tudo e engolir deus e o mundo!” Profetizou. E, então, soltou sua frase predileta, conhecida por todos: “Merdas cagadas não voltam mais ao cu!”. Risos. Pela Scortecci Editora, trabalhei alguns anos com o Submarino – depois Lojas Americanas – e a experiência não foi boa. Desisti. A Submarino fechou em 2024. Foi quando, ferozmente, a Amazon engoliu de vez o mercado de livros na Internet, hoje com mais de 50% do varejo. Na matéria da jornalista Cristina Grillo de 1996, detalhes de oportunidade: “Os preços serão os mesmos das livrarias. London garante que, no Rio e em São Paulo, os pedidos serão entregues no máximo três dias depois de encomendados. Outra vantagem que a Booknet irá oferecer aos clientes é a possibilidade de usar o cartão de crédito com segurança nas compras. De acordo com London, existem no Brasil 250 mil computadores ligados à Internet – cada um é usado em média por quatro pessoas.”. Lendo sobre a vida de Jack London na Internet, encontrei sua declaração numa entrevista: “Aos 20 anos de idade, tinha certeza que minha vida seria uma mistura de livros, tecnologia e cinema. E me dediquei à vida toda a isso!”. Acertou em quase tudo. Acontece. Menos que os preços na Amazon seriam os mesmos praticados pelas livrarias. Grossi sabe das coisas! Jack London faleceu em agosto de 2016, aos 67 anos de idade, 100 anos depois do escritor norte-americano, autor do livro “O Lobo do Mar”. 

João Scortecci


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ELISA GUIMARÃES E A CORUJA-BURAQUEIRA / JOÃO SCORTECCI

A mineira de São Sebastião do Rio Verde, Professora Elisa Guimarães, colecionava corujas. Tinha centenas delas, espalhadas pelo seu pequeno apartamento na Rua General Jardim, no bairro de de Higienópolis. Anos depois mudou-se para a Rua D. Veridiana, também em Higienópolis. Lembro que durante alguns anos andei colaborando comprando corujas para a sua coleção. Conhecemo-nos nos anos 1990, na casa do escritor e crítico literário Fábio Lucas. Elisa era Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo (1981), onde ministrou cursos de pós-graduação e orientou mestrandos e doutorandos na área de Letras. Foi professora titular na área de Letras nos cursos de pós-graduação da Universidade Mackenzie. Publicou 12 livros. 9 deles pela Scortecci Editora. 8 de Memórias de Viagens: Itália, Suíça, França, Argentina, Cuba, Canadá, Açores, Israel, Turquia, Santiago de Compostela, Évora, Valêmcoa, Pamplona, México, Estados Unidos, Itália, Portugal, Espanha, França, Roma e Terra Santa. E, na minha opinião, o que ela mais gostava: "Irmã Leticia: Memória de uma Carmelita Exemplar" (Scortecci, 2019), com várias edições. Professora Elisa Guimarães faleceu em 6 de dezembro de 2024, um ano depois do nosso último encontro, no lançamento do meu livro de crônicas Menino Tipográfico e outras histórias, volume I, no Espaço Scortecci. Quando criança – isso no Ceará dos anos 1960 – uma coruja-buraqueira amanheceu na boca da cadela Wanderléia, pequinês da casa, batizada com o nome da famosa cantora da jovem guarda. Tomei um susto. Wanderléia abriu a boca e a deixou cair, no chão. Cutuquei com o dedo e ela se mexeu. Vivíssima! Abriu os olhos e me encarou com amor. Foi paixão relâmpago! Dei-lhe, então, um pedaço de carne crua. A Zoiúda não comeu, de pronto. Ficou com o pedaço de carne pendurado no bico por alguns dias, até a carne apodrecer. Depois, engoliu. Zoiúda viveu na lavanderia da casa durante alguns anos. Gostava do barulho da máquina de lavar roupas e de dormir no balanço do varal. Um dia desapareceu e sumir de vez. Escafedeu-se! Quando visitei a coleção de corujas da professora Elisa Guimarães, procurei pela Zoiúda, sem sucesso. Lembro-me que, na época, encontrei uma muito parecida, trepada no alto da estante de livros. É você? Perguntei. Silêncio. Elisa Guimarães sorriu e voou no tempo, distante, até São Sebastião do Rio Verde e lá ficou: imortal e inesquecível. 


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DAS ALAVANCAS DE BADEN-POWELL E O ESCOTEIRO KIM / JOÃO SCORTECCI

Lembro-me – ainda menino de tudo – da epopeia que foi, com um bastão de escoteiro, improvisar uma alavanca e mover do chão seco do Rio Jaguaribe, no sertão do Ceará, uma grande pedra. Missão dada, missão cumprida! A cena - trabalho em equipe - ficou no coração e na memória. Fui lobinho e escoteiro. Meus irmãos Luiz e José: escoteiros, monitores e chefes. Meu pai Luiz, Comissário Regional do Ceará. Lembro-me do Jornalzinho KIM, personagem criada pelo irmão José, travestido de escoteiro, para ilustrar o informativo do Movimento dos Escoteiros do Ceará, impresso num mimeógrafo. Meu trabalho no jornalzinho era grampeá-lo! 4 folhas de sulfite, dobradas ao meio, sem refile. Folhas soltas, desde aquela época, já me incomodavam e muito. Provavelmente um pequeno “toque” de gráfico, algo assim. O Escotismo foi fundado em 1907, pelo tenente-general do Exército Britânico, Baden-Powell (Robert Stephenson Smyth Baden-Powell, 1857 - 1941). No dia 23 de abril comemora-se o Dia Mundial do Escoteiro. A data foi escolhida em 1910, pelo próprio Baden-Powell, por ser o Dia de São Jorge, Patrono do Escotismo. Fui lobinho da Matilha Amarela – das aquelás Ana Maria Macedo e Gláucia Bomfim Alencar – e escoteiro da Patrulha Leão, do saudoso e sempre alerta Chefe Mourão (Antonio Mourão Cavalcante, 1948 - 2022). Meus irmãos Luiz Gonzaga e José Henrique estiveram no 1º Jamboree Pan-Americano, em 1965, na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro. Quanto à pedra grande - aquela do leito do Rio Jaguaribe -, ainda, provavelmente, vive por lá. Equilibrada e única. Quanto ao menino KIM - vez por outra - o vejo imprimindo na Gráfica Scortecci, de uniforme cáqui, lenço no pescoço, lapela, chapéu de abas, portando um bastão de escoteiro. Papai Luiz comandava a gráfica, montada na mesa da sala de jantar. Mimeógrafo, litro de álcool zulu, papel sulfite e grampeador. Tiragem 100 cópias. Revezávamo-nos no giro da manivela, na colocação do papel na bandeja e de álcool no reservatório. Depois, tudo no seu tempo, vieram os mimeógrafos à tinta e - bem depois - os duplicadores. Quando trabalhei na F.K Equipamentos para Escritório, de 1977 até 1982, adorava vendê-los. Neles imprimíamos as listas de preços e os informativos da empresa. O escoteiro  KIM vivia por lá. Palpitava mais do que ajudava. Um pentelho. KIM tem olhos de conta fio e “toque” de gráfico, aquele que tudo vê. 

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LARGO DA PÓLVORA: EXECUÇÕES PÚBLICAS E O ESPÍRITO DA DOR / JOÃO SCORTECCI

No Largo da Pólvora, no centro da cidade de São Paulo, no distrito da Liberdade, no século XVIII, existia um armazém de “explosivos” e era palco para execuções públicas. Em 1832, a Prefeitura de São Paulo mandou demolir o armazém, mas o nome ficou. No lugar, foi construído o edifício Jahu, um jardim ao estilo oriental, erguido no início do século passado, quando da imigração japonesa, três pequenos lagos, com peixes ornamentais e os bustos de “Ryu Mizuno”, pai da Imigração Japonesa no Brasil e de “Umpei Hirano”, fundador do primeiro núcleo Japonês no Brasil, a “Colônia Hirano”, de 1915, localizada na cidade de Cafelândia, interior de São Paulo. Visitei o Largo da Pólvora, pela primeira vez, no ano de 1977, quando então funcionário da empresa japonês, a F.K. Equipamentos para Escritório, meu primeiro e único emprego, antes de fundar a Scortecci Editora, no ano de 1982. Lembro-me que, na época, fiquei encantado com a beleza do lugar, com as carpas, os lagos limpos e, o clima exótico e oriental do espaço. Revisitei o “Largo da Pólvora” em 2020, dentro de um pedal de bike, no auge da pandemia da Covid-19, e pude observar, com tristeza, sinais de abandono. Voltei lá, mais uma vez, no início do ano de 2022, em outro pedal de bike, e a decepção foi ainda maior. Abandono total, muita sujeira, bancos pichados, carpas mortas, boiando nos lagos do distante oriente. Ali mesmo, no coração do tempo, visualizei o espírito da pólvora, o armazém de explosivos, o paredão da morte e o palco cruel das execuções públicas. Estavam lá. Vivos! Sombras, gritos de dor, medo e sofrimento, fazendo a história. Contornei de bike as Ruas Tomás Gonzaga e Américo de Campos e subi, lentamente, pela Avenida da Liberdade, na direção do caminho de volta. Tristeza. Depois da pandemia da Covid-19, iniciei pedais solitários, pela cidade de São Paulo. Passei pelo centro da cidade, pela Avenida Paulista, Consolação, Maria Antônia e por fim, Higienópolis, bairro onde moro. Sempre que volto no Largo da Pólvora, o mesmo sonho: alimentar as carpas, sentar nos bancos da praça, meditar e rezar, demoradamente, nos abraços de Mizuno e Hirano, amigos de espírito, irmãos, de tantos outros lugares e mundos.  

João Scortecci




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DEVE SER ASSIM / JOÃO SCORTECCI

Das necessidades: físicas e espirituais. Pergunta: Quem precisa de mim? A carta veio de longe, pacote embrulhado com barbante de pão, bilhete no prego da praça matriz, aviso no feltro verde da escola, cartaz no lambe-lambe no poste sujo, batom barato no espelho do bar, poema rabiscado no guardanapo do beijo, linhas nuas do avião de papel, barquinho náufrago na banheira alheia, diário com garranchos e penas úmidas, perfil dos cansados da noite, encontro volátil de desejo, tesoura cega de pontas tortas e laço com pensamentos de curvas azedas, além do tempo... Tudo junto, no olhar da vida. No infinito do instante. Veloz e passageiro. Pergunta: Quem precisa de mim? Foto no álbum das dores, liberdade de pássaro dolorido, sombra na rua escura em movimento, silêncio desordenado de vozes e vento, desencontro no espaço, natureza frágil, corpo tatuado, relógio das horas partidas e morte. Pergunta: Quem precisa de mim? Eu, talvez. A carta veio de longe. Veio e ficou: no infinito do instante., além do tempo.

João Scortecci

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ALEXIA, A MENINA DOS OLHOS / JOÃO SCORTECCI

Eu sou mesmo uma lesma. Ando sobre o abdômen e gosto de coçar o umbigo. Alexia fez contato no ano passado. No mês de setembro. Escreveu: Quem é você? Apenas isso. Não quis bloquear, de pronto. Pensei, na época: pode ser uma autora procurando informações sobre publicação de livro, algo assim. Escrevi: Bom dia. Diga! Silêncio. Alguns dias depois outra pergunta: você é editor de livros? Sim. Respondi. O nosso monólogo continuou igual: vazio e pobre. Em novembro ela escreveu, finalmente: Meu nome é Alexia. Insisti, então: Diga! E assim ficou: silêncio cruel. Mostrei o papo cabeça para um amigo hacker, que no passado, foi um soldado do crimes cibernéticos. Depois, do nada, encontrou um amor, uma Juíza Criminal, alguns anos mais velha que ele e, então, entrou na linha. Ajustou-se! Hoje ele trabalha para um escritório de detetives investigando fraudes, golpes e adultérios. A sua história virou livro e no lançamento – num barzinho da Zona Leste de São Paulo - lotou de ciberpiratas. Confesso: foi divertido. Conheci no lançamento o “B” e também a “Flor”, dupla de hackers da pesada. Famosos. Pedi uma foto com eles: "No flash!" Meu amigo hacker olhou as mensagens de Alexia e me disse, de pronto: Parece zoada de robô! Deleta! Fiquei triste. Até então Alexia era prioridade na ordem do dia. Lendo sobre robôs na Internet fiquei sabendo que eles fazem de tudo: comentam posts nas redes sociais, atendem clientes, desafiam adversários em jogos online. A atividade deles é tão intensa que chega a dominar mais da metade do fluxo da internet. Seu comportamento é tão semelhante ao dos humanos que fica cada vez mais difícil saber se estamos interagindo com uma pessoa ou uma máquina. Escrevi, então: Alexia você é um Robô? Algumas horas depois ela respondeu: Sou uma máquina inteligente! Insisti: O que você quer de mim? Perguntei. "Nada". Respondeu. Você é uma lesma! Anda sobre o abdômen e não sabe interagir. "Um inútil". Agradeci - educadamente - e deletei nossas frações. Ontem, curtindo os netos, num almoço de família, alguém gritou: Alexia! Alexia! E, do nada, as crianças da casa, todas, olharam juntas, na mesma direção. Sincronia cibernética, algo assim. Já disse: gosto de coçar o umbigo. E fazer do tempo os meus pecados. 

João Scortecci


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O SENTIDO DA VIDA É A PROPRIA VIDA / JOÃO SCORTECCI

Não conheci pessoalmente o escritor e psicanalista italiano, nascido em Milão, radicado no Brasil, Contardo Calligaris (Contardo Luigi Calligaris, 1948 - 2021). Vez por outra lia sua coluna na FOLHA e nelas encontrava - sempre - assuntos interessantes e pertinentes. Anotava. Hoje, 30 de março de 2025, data de 4 anos de sua morte, aos 72 anos de idade. Nas minhas anotações encontrei nota do seu entendimento sobre o sentido da vida. Segue: "O sentido da vida é a própria vida. Isso pode parecer uma total trivialidade - mas, para a maioria das pessoas, é um escândalo. Mas pouquíssimas pessoas conseguem viver pensando que o sentido da vida está na vida e, vou dizer mais, é a própria vida". No romance “O conto do amor” (Companhia das Letras, 2008), Contardo Calligaris, conta a história da visita de Carlo Antonini, psicoterapeuta italiano que vive em Nova York, ao convento de Monte Oliveto Maggiore, fundada em 1313 por São Bernardo Tolomei (1272 - 1348), na Toscana. Ali, Carlo Antonini, depara com algo inusitado: a figura do jovem São Bento, pintada em um dos afrescos da abadia, é parecida com seu pai, que havia morrido doze anos antes. Isso o remete ao próprio motivo de sua ida à Itália: uma estranha conversa que ambos tiveram pouco antes de o pai morrer, quando este revelou ao filho, em tom de confissão, que em outra vida teria sido ajudante do pintor maneirista Sodoma (Giovanni Antonio Bazzi, 1477 - 1549), justamente o autor daquelas imagens. Incrível. Quando adolescente, ainda morando em Fortaleza, minha mãe Nilce, médium, procurou-me e disse: Filho, eu andava preocupada com você. Na verdade aflita. Essa noite eu tive uma visão e um espírito de luz veio e revelou: “Não se preocupe com o João Ricardo. Ele está bem. O seu espírito é forte e tenaz. Ele é Ricardo Coração de Leão”. No início dos anos 2000, já morando em São Paulo, com a ajuda de uma amiga espírita fiz várias seções de regressão espiritual, técnica terapêutica que visa ajudar a pessoa a se desligar de situações traumáticas do passado. Confesso: ajudou-me, muito. Durante anos convivi com os meus heterônimos espirituais. Na época revisitei três outras vidas passadas: Na primeira era um velho agricultor de uma tribo das margens do Rio Nilo, norte do Egito, na segunda um comerciante de especiarias no porto de Vila Velha, final do século XIX, no Espírito Santo e na terceira fui Ricardo I, Ricardo Coração de Leão, guerreiro e líder militar, Rei da Inglaterra de 6 de julho de 1189 até 6 de abril de 1199. Ricardo I morreu de ferimentos provocados por uma flecha que o atingiu no ombro, em abril de 1199. Nas três regressões - não sei a razão - vivenciei a morte física. No Egito fui picado na perna esquerda por uma cobra Naja haje, em Vila Velha, envenenado no Convento da Penha e no corpo de Ricardo I, alvejado por uma flecha. O que ficou: o veneno da cobra adormecendo o meu corpo, as minhas entranhas fervendo com o veneno do cálice e a dor no peito alvejado pela flecha. Depois de morto e acordar do transe: paz, silêncio, luz e imensidão. Ainda sinto medo de cobras, bebidas exóticas de sangue e flechas no coração. Apenas isso. Isso, talvez, explique o sentido da vida, da própria vida: trivialidades da alma. 

João Scortecci


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