Sobre a obra A MORTE E O CORPO -
Página 9: evasão de mim
Página 12: jardim de revolta amordaçada
Página 16: o poema inteiro
Página 22: versos, ganchos de escuta
Página 25: retrato, tudo antigo e profundo, ensinando-me coisas
Página 28: o poema inteiro
Página 33: pedaços de morte podem dividir o corpo
Página 40: o poema inteiro
Página 46: o poema inteiro
Página 47: dor física em Alfa, que dói pelo mestre
Página 72: um poema terrível
Página 75: o poema inteiro
Em busca de uma impressão geral, faço ao próprio livro algumas perguntas:
1. Como se configura a morte, neste livro? Dia único. Segredos jurados de morte. Banho de rosas de cheiro. Silêncio absoluto das locomotivas. Mecanismo organizado. Sede incomum liberta do corpo. Efervescência de fumos. Último silêncio da lembrança. Folhetim envesso. O velho, longe do nome que o envelhece.
2. E o corpo, como aparece? Dentro dele, a morte. Ícaro. Fatia da dúvida com a narrativa do dever. Corda de laços. Movimentos e anarquia. Estorvo da forma. Flauta alvejada pela morte. Pouso de altura duvidosa.
3. E onde faíscam eu, meu, minha? Logo na dedicatória, meus filhos. No poema de abertura: o corpo do eu além corpo, na evasão de mim. Meu corpo de segredos. (Eu) Falo da flor roubada. (Eu) conheço o corpo. A cor do eu em mim. Um retrato ensinando-me coisas. A menina arrisca-se com a minha sede. Face ensinando-me o banho. Coloridos da minha escolha. (Eu) te vi cega, (eu) te vi única. (Eu) duvido da dor física em Alfa. (Eu) bebo da fonte. (Eu) tenho dor no corpo. Veio ocupar-se de mim. Foi o que (eu) fiz. (Eu) busco lágrimas. ...para o corpo da minha vontade.
4. E quanto à forma, qual é a deste poeta? Pronomes e possessivos de 1a pessoa, raros. Você e tu, mais raros ainda. Escrita, a mais econômica possível. Adjetivos de vez em quando. Frases curtas. Verbos elididos ou infinito impessoal. Substantivos, freqüentíssimos. Exemplo, poemas 18, 27 e 45.
Então, a impressão geral que fica da primeira leitura é esta: Grande impessoalidade na linguagem. Realismo quanto à morte. Objetividade quanto ao corpo. Sensibilidade para episódios do quotidiano. Memória de violências, angústias, tristezas, injustiças. Sentimento sob o controle da reflexão. Julgamento duro porque essa realidade é dura. Talvez, lendo seu livro mais vezes, minha campainha toque para outros versos, me alerte para outras descobertas. Senti falta do lírico. Livro incomum este porque, numa era de corpo-demais e de alma-de-menos, traz o sentimento e a reflexão sobre a morte, e a criação de imagens singulares:
Última vontade de Escorpião,
coser vestido de noiva.
Nada que não possa ser curado pela morte
diante da doença do corpo.
Vírus da morte, para os brincos
do corpo festivo.
Vendida à morte,
a língua sabe do punhal ferido.
(ao lado, um desenho terrível)
Seu livro é um enfoque sobre o corpo, vivente e cadáver, a ponto de soltar-se da alma. Para o último dos terminais, foi partida mesmo, para nunca mais voltar. Eu, entretanto, gostaria de saber mais sobre o depois-daqui. Vejo horror na morte, mas também, antinomia do horror, a maciez.
Com o apreço
e o dilema de não julgar,
Adelaide Herra
São Paulo, 27 de julho de 1995