Em 12 de março de 2019, 30 anos depois, o físico britânico, cientista da computação e professor do MIT, Timothy John Berners-Lee (1955 - ), criador da World Wide Web, em 12 de março de 1989, abriu mão da patente de sua invenção. Berners-Lee foi também o criador do primeiro endereço na Internet, com apenas um parágrafo sobre o seu projeto: “Dar acesso universal a um grande universo de documentos”. Lendo sobre o assunto lembrei-me do dia que comprei o primeiro computador da Scortecci Editora. Um poderoso PC 286, que durou, exatos, cinco dias e uma tarde. Eu “brutalmente” o joguei pela janela de um sobrado, que alugávamos na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros. Junto com a máquina e um manual em inglês, contratei os serviços de uma nerd, de nome Heloísa, entendida no assunto. Em três dias - eficiente que era - digitou todos os documentos da editora, licenças, agendas, cadastros e o mais importante: o contrato padrão da casa, para publicação de livros. Estamos prontos! Foi o que ela me disse. O grande teste seria, então, para o fechamento do contrato do novo livro do poeta português José de Carvalho, já falecido, na época residente no município de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo. A reunião estava agendada para às 16h, mas, o vate, só deu o ar da graça, às 17h45. Atrasou-se. Naquela época não tínhamos Internet, Fax e nem mesmo linha telefônica. O telefone da editora era uma LP, linha particular, extensão, puxada a peso de ouro, de uma loja de um vizinho comerciante. E vivíamos bem! Quando o poeta José de Carvalho adentrou - Boa tarde! - a "nerd" Heloísa desligou o computador e despediu-se. Até amanhã! Eu gritei: Não! Não! Calma. Temos o contrato do José de Carvalho para assinar, lembra? Heloísa bateu o pé e disse-me, friamente: Está na minha hora! E o contrato? Perguntei, surpreso. Insisti: você não pode nos abandonar, justamente agora. Posso e vou! Desafiou-me. Pegou a bolsa e saiu. Gritei: Sua nerd de merda! Sua vagabunda! Perdi a cabeça, confesso. Heloísa parou no pé da escada e me olhou, ferozmente. Pensei: agora ela vai me atacar! Antes do nosso pega, inevitável, disse-lhe, com propriedade: Não preciso de você! Vou provar que não! Abri a janela do sobrado e joguei, do alto, no meio da rua, nessa ordem: o computador, o monitor, teclado e, ainda não satisfeito, também, a inocente impressora de agulha. Foi, então, a vez dela gritar: Você é um louco! Você é um louco! Escafedeu-se, escada abaixo, repetindo a máxima: Você é um louco! Você é um louco! Olhei pela janela e observei, do alto, o estrago e o povo da rua, todo, olhando pra cima. O poeta José de Carvalho, que havia presenciado tudo, perguntou-me, calmamente: E o contrato do meu livro? É pra já, disse-lhe. Saquei do armário de aço a minha Olivetti Lettera 32 e datilografei, em duas vias, papel carbono, o contrato de edição do livro do vate português. Ele leu o documento, assinou e me pagou, com um cheque cruzado, a parcela contratual da edição. Heloísa - assustada, talvez - nunca mais deu as caras na editora. Foi um dia de fúria! Berners-Lee que me perdoe. Hoje, vez por outra, sinto "saudade" do meu Kardex de fichas, da minha Olivetti Lettera 32 e do barulho da minha impressora de agulha. Vozes do meu silêncio assistido e nada mais.
João Scortecci