Acordei poetastro e do miolo azedo. No post de hoje nada de aspas, travessões, interrogações e exclamações. Dormi com o radinho ligado na rádio CBN. Vez por outra: acontece. Liguei o celular e abri o WhatsApp. Mil mensagens, sempre. Parei na última delas: João, aqui é Saramago. Estava escrito. Mais embaixo, um aviso: É hoje. Fui ver na Wikipédia e era verdade. Aniversário de morte do portuga. Parabéns. Escrevi. Quis saber: hoje vai ter festinha no paraíso. João, não complica, disse-me, aborrecido. Esqueceu que sou ateu. Não. Talvez prepare um caldo de herbácea da região da Golegã e depois reúna alguns amigos, e mais nada. Estou pensando em reescrever a obra Ensaio sobre a Cegueira. Escreveu. Mudar tudo. Dar um gás na história. Depois da pandemia da Covid ficou miúda e sem graça. Vou transformá-la numa tremenda peste global, catastrófica, algo assim. A ideia é provocar pânico. Olha a lista das desgraças que estou aventando: tifo, sars, covid longa, dengue, zika, varíola, bubônica, peste negra, cólera, febre amarela, sarampo, ebola, gripe espanhola, suína, aviária, asiática e tuberculose. Tudo junto. Fatal. Talvez, mortal. Ninguém mais lembra do meu livro. Protestou. Esqueceram que ganhei o Nobel de Literatura e o Camões. Ingratos. Um imortal morto é o que sou. Não exagera. Disse-lhe. Você é o cara. Na verdade o único da nossa língua. Posso medir sua temperatura corporal. Não. Morto não tem febre. Respondeu-me. Nunca se sabe, ironizei. Você pode estar delirando, tendo um ataque espiritual, algo assim. Provoquei. Eu sou ateu, já disse. Foi quando acordei - assustadíssimo - com o chiado do rádio fora da estação. Sonho maluco. Mais que pesadelo. Liguei o celular e abri o WhatsApp. Nada. Nos miolos uma palavra: poetastro. Deve existir, creio. Procurei e achei o significado: poetaço.
João Scortecci