Gosto do "bicho" calango. Eu os “bajulo” desde criança, isso no Ceará dos anos 1960. São lagartos simpáticos e previsíveis. Quando ameaçados, correm e se escondem em fendas e buracos. Quando “apanhados” fingem-se de mortos. A danação de menino era caçá-los com baladeira e mamona verde. As baladeiras eram feitas com galhos de goiabeira - sem a casca - da grossura do dedo indicador. Não mais do que isso. As ligas - elásticos - eram de câmera de ar de pneu de carro, com 35 cm de comprimento, no máximo. Na falta de uma régua para medir com precisão, usávamos o pé do João Cambão, pé de prancha. O garoto era um “lobo selvagem” e de tanto andar descalço, ganhou o apelido. 12 anos e um pé de 35 centímetros. Nas extremidades, unindo as duas ligas, uma língua de couro, para colocar o balaço de mamona. “João, você pegou o meu chinelo de couro?” Não. "Deve ter sido a Wanderleia". Wanderleia era a nossa cadela. Nome dado em homenagem a cantora da Jovem Guarda, que, na época, fazia o maior sucesso. "Mãe, a Wanderleia anda estranha.". “Estranha?”. "Deve estar no cio, procurando fazer ninho!". "Outro dia - eu vi - ela cavando buracos no quintal". Inventei. "Deve ter “entocado” o seu chinelo de couro". Com um chinelo de couro cru dava para fazer uma dúzia de baladeiras. Os gatos - parceiros silenciosos - comiam as carcaças. E o tempo cuidava do resto. Um dia - do nada - desistimos dos calangos. Não éramos mais crianças. Guardei minha baladeira por algum tempo, depois foi para o lixo. “João, o que é isso?” Ovos de calango. “Que nojo”. “Isso fede!”. “O que vai fazer com eles?" Chocá-los - talvez - , estou pensando em criar calangos. Domesticá-los! Algo assim. “Menino, deixa de invenção!”. Guardei os ovos - três, no total - dentro da sopeira - mais de 100 anos -, herança da vovó Maria Aparecida, que ficava no centro da mesa da sala de jantar. Lugar seguro! Meu pai Luiz, engenheiro civil e elétrico - vez por outra - trabalhava em casa e usava a mesa da sala como local de trabalho. Abria nela “rolos” de papel - plantas - e folhas de vegetal. “Merda! Merda!”. “O que foi Luiz?”. Era mamãe Nilce perguntando. “Errei”. Preciso de uma “borracha cabeça de lápis”. "Eu vi uma dentro da sopeira!" Disse. Papai Luiz, mais rápido que o capitão Jet Jackson, o comandante meteoro, abriu a sopeira (foto) e catou de olho, uma borracha cabeça de lápis. Eu gelei. Papai esfregou o ovo de calango no vegetal que explodiu, sujando tudo. "Deus do céu!" A meleca fedia. "Quem fez isso?" Gritava. O jeito foi se fingir de morto, igual calango encurralado. Lembro-me de ter visto - com o canto do olho - a cadela Wanderleia, rosnar e dobrar o rabo. Vingança? Talvez.
João Scortecci