Eu, Ézio Grassi Peludo e Luiz Caldas Tibiriçá: éramos os ensebados de Pinheiros! No início dos anos 1980 fomos visitar o Sebo do Messias, do livreiro Messias Antônio Coelho (1941 - 2024), na Praça João Mendes, no centro de São Paulo. “Professor Ézio, o que estamos procurando?” Perguntei. “Algo mais antigo do que nós!”. Explicou. Gritei de felicidade: "Encontrei uma edição do livro Quintanares do Mário Quintana!". Ézio, cabreiro, perguntou-me: “Qual o ano da publicação?” Respondi: "Ano de 1976, 1ª edição, Editora Globo.". “Não serve! Ensebado - raro e de valor - tem que ser mais velho do que nós!” Insistiu. Tibiriçá, que nos observava, completou, ironicamente: “Scortecci, edições de 1920 pra baixo!” Ézio nos olhou, sorriu e foi conversar com “Camões”, que nos chamava no aglomerado português. Passamos o resto do dia por lá, no “ensebado” do Messias. “Quero morrer aqui!” Palavras de Tibiriçá. “Nós também!” Naquele dia comprei duas raridades: uma de Quintana e outra de Guilherme de Almeida. Luiz Caldas Tibiriçá, um livro sobre “Bartira” índia tupiniquim paulista do século XVI, filha do cacique Tibiriçá (seu tataravô) e Ézio Grassi Peludo, um livro sobre a deusa grega Ethymon, mãe de todas as palavras. Conheci a Deusa Ethymon - mãe de todas as palavras - no ano da graça de 1983. Ethymon, a Deusa Grega, já na sua quinta reencarnação, vivia, desde então, no corpo de uma jovem índia, na cidade de Cananéia, no litoral paulista. Ethymon morreu jovem, no ano de 2006, no mesmo dia do passamento do arqueólogo e lexicógrafo Tibiriçá. Em 1994, ano da última Bienal do Livro de São Paulo, no Pavilhão do Parque do Ibirapuera, um grupo de moças - sabendo que éramos escritores - pediu-nos autógrafos. Professor Ézio, que sempre carregava no bolso da camisa duas esferográficas sacou uma delas e gentilmente indagou: “Moça, onde você quer o autógrafo?” Esperávamos que a moça nos apresentasse um livro, um caderno escolar ou mesmo uma folha avulsa de papel. Que nada! A moça, 15 anos de idade, talvez 16, desabotoou a blusa escolar - não usava sutiã - e resfolegou: “Aqui!” Apontando com o indicador para o seu peito esquerdo. Ézio tentou - delicadamente - escrever um verso “caracol”, sem sucesso. A esferográfica deslizava na maciez da pele do peito da menina. O que fazer? Outra moça do grupo, então, sugeriu: “Segura no bico do peito que vai!” Ézio, obediente, segurou no bico excitado do peito da moça e poetou um pequeno poema. Versos crassos, do seu único e melhor poema carnal. Foi a glória. Ethymon, que nos acompanhava, sorriu. “Ézio, está gostando da Bienal do Livro?”. “Muito! Muito!” Respondeu. Quintana, que nos acompanhava, de perto - desde o Sebo do Messias – profetizou: “Ele está é bebendo a milenar inquietação do mundo!” Risos. Ézio e Tibiriça morreram. Hoje soube da morte do livreiro Messias (Messias Antônio Coelho, 1941 - 2024). Fiquei só de tudo. E Ethymon? Talvez. Prometeu voltar. Quando? Não sei. Aguardo os sinais de luz do poema sem-fim de mim mesmo.
João Scortecci
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