Quando criança - isso nos anos 1960 - acreditava em muitas coisas: Papai Noel, Gnomos, Fadas, Bicho Papão, Saci, Alma Penada e de que Vovó Sarah (Sarah do Carmo Paula, 1894 -1979), havia nascido de “coque” e com um pente-garfo espetado na cabeça. As verdades cognitivas - do tempo - mudam e desaparecem, no jogo cruel da vida. Lembranças! De vovó Sarah - avó paterna - ficou: pedaços do rosto, sombras, peças quebradas, partidas, fragmentos miúdos, sonhos míopes e alguns sonhos incompletos. Quando vovó Sarah morreu, eu tinha 23 anos de idade e já morava em São Paulo, desde 1972. As recordações - todas - são frágeis e incompletas. Vovó Sarah nunca abandonou dos meus olhos o seu “cocar” de princesa. Eu a amava. Admiro a beleza das mulheres, que depois dos 60 anos, não pintam os cabelos e os “cuidam” longos, compridos e soltos. Foi na cidade de Baturité, interior do Ceará, numa viagem à casa do Comendador Ananias Arruda, padrinho do meu Pai Luiz, que o pente-garfo da cabeça de Vovó Sarah foi - inesperadamente - desabotoado. Um rio de prata cobriu de luz seus ombros e pescoço. Surpreso, disse-lhe: “Vovó, os seus cabelos são brancos e longos!” Ela sorriu e os “sacudiu” na sorte da noite de estrelas. Foi nesse dia de gnomos, fadas e almas penadas que Vovó Sarah me confidenciou o segredo da vida: “João, não tenha medo dos mortos. Tenha medo dos vivos!” Vovó Sarah morreu cantarolando - feliz. Chupava laranja lima e comia marmelada Colombo. De joelhos, caducando, caçava formigas no chão da casa. "Elas espalham o mal, dizia, sempre!".
João Scortecci
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