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SABEDORIA CAIPIRA: QUE A VIDA NOS AJUDE COM A PROSA

O escritor, farmacêutico, político e professor, Euclydes Camargo Madeira (1907 - 2000), era um contador de “causos”. Conheci-o no início dos anos 1980, quando publiquei três de seus livros: “Tietê - Terra dos apelidos, sua história, sua gente e suas coisas”, “O Professor de Urussunga” e “Na Terra de Cornélio Pires - Sua história, sua gente, seus imigrantes, seus causos e seus apelidos”. Até então desconhecia o espírito - e seus encantos - da sabedoria caipira, que hoje me fascina. Mudamos sempre! Euclydes Madeira morava na cidade de Tietê, interior de São Paulo, e tinha o hábito de madrugar na porta da editora. Começava a falar - contar seus “causos” - e não parava mais. Depois de “matracar” por horas, pedia, gentilmente, desculpas. “Falei muito!”, justificava. No início incomodava e atrapalhava, muito, minha agenda. Depois, com o tempo, passei a curtir sua companhia. A dependência veio - acontece - e não mais abria mão de atendê-lo, sempre. Quem o conheceu sabe do que falo: um caipira dos bons, contador de “causos” e mestre na arte da sabedoria popular. Hoje, lembrei-me do Euclydes Madeira e da cidade de Tietê, quando lia na Internet um texto sobre “Soluções práticas para problemas pequenos”, aqueles do dia a dia, simples, que chegam e vão embora, do nada. Na leitura - do quase manual de autoajuda, algo assim - questionamentos provocativos: O problema existe? Tem solução? O que precisa ser feito? Vale a pena? Quanto vai custar? Etc. E mais, continuando na leitura: “Os marqueteiros são especialistas em usar expressões novas para embalar ideias velhas e teorias antigas”. Verdade! Exemplos: “a baixa estima dos brasileiros”, “complexo de cachorro vira-lata” e “mania que temos de valorizar apenas o que vem do exterior”. Quando estava preparando-me para abandonar o manual “Soluções práticas para problemas pequenos” e partir para outra leitura, possivelmente mais interessante, li, no rodapé da última página, uma nota singular. Estava escrito: “Não adianta contar as galinhas que restam do galinheiro enquanto a raposa ainda estiver nas cercanias!”. Outra verdade! Foi quando o caipira Euclydes Madeira, deu o ar da graça e sussurrou-me: “Que a vida nos ajude com a prosa!”

João Scortecci