A série “Glória”, no Netflix, é um suspense histórico de espionagem, que tem como pano de fundo as instalações da RARET (RAdio RETransmissão), o centro de retransmissão da Rádio Europa Livre. A série se passa em Portugal, nos anos 1960, e mostra como a pequena vila de “Glória do Ribatejo”, na freguesia de Salvaterra de Magos, no Santarém, extinta em 2013, acabou se tornando palco da Guerra Fria, quando exércitos americanos e soviéticos recorreram a manobras arriscadas de sabotagem para obter o controle da Europa. O enredo gira em torno de João Vidal (interpretado pelo ator português Miguel Nunes), jovem pertencente a uma família apoiadora do regime fascista em Portugal (1933 até 1974), que é recrutado pela KGB após seu posicionamento político na Guerra Colonial Portuguesa. No meio da trama, no episódio 2, o jovem João Vidal declama o belíssimo poema “Receita para fazer um herói”, do poeta Reinaldo Ferreira (Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira, 1922-1959). Filho do famoso jornalista com o mesmo nome, que nos anos 1920 se celebrizou por assinar as suas peças sob o pseudônimo “Repórter X”. Reinaldo Ferreira teve uma vida breve. Morreu de câncer do pulmão, aos 37 anos de idade. Não editou nenhum livro em vida. O poema faz parte da minha seleção de imortais. Reencontrá-lo na série “Glória” foi uma surpresa e um presente do dia.
- RECEITA PARA FAZER UM HERÓI -
Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.
Serve-se morto.