Eu e as minhas manias! Uma de cada vez! Quando adolescente - isso no Ceará nos anos de 1970 e 1971 - aluno do Colégio Cearense, da Congregação Maristas, fui “convocado” para ser o novo sineiro do colégio. “Eu?”. “Sim. Você mesmo!”. Já cuidava do hasteamento da bandeira nacional, em dias da Pátria. Dobrava e desdobrava a bandeira, com propriedade, seguindo sempre, os ensinamentos do manual do escotismo. Aceitei a missão. E mais, uma honra, substituir o “grandalhão” do Torres, sineiro oficial, de quase dois metros de altura, campeão de Speed Ball do colégio, que estava indo embora. “Você é alto, forte, mora perto do colégio e ninguém - de cabeça ajuizada - vai implicar com você.”. Implicar? Até hoje a observação é uma "lacuna" aberta na minha cabeça. Desconfio a razão. Palavras ditas pelo Irmão Luiz Marques, diretor do colégio. "Quantas badaladas no sino?". Quis saber, já encarando o serviço. “Dez, no máximo!”. Total de 60, por dia. Sessenta? "Isso mesmo. Entrada, saída e 4 intervalos". Explicou. Voltei do colégio e anunciei, em casa, a boa-nova: “Vou ser o novo sineiro do Colégio Cearense!”. Mamãe Nilce engoliu seco e arregalou os olhos: “João, o que você aprontou desta vez?”. Nada. Disse. Merecimento puro! “Isso está parecendo um castigo?”. Não, eu juro! Papai Luiz - de olho na conversa - piscou e nada disse. Tipo: me engana que eu gosto. Vou precisar de um relógio novo. “Isso não é comigo. É com o seu pai.”. Mamãe Nilce falando. Silêncio. “Cadê o relógio que você ganhou no seu aniversário?”. Pergunta. Quebrou o vidro jogando bola e entrou água da chuva. Menti. No meu primeiro dia como sineiro - uma segunda feira - usei dois relógios. O Seiko - quadrado - presente de aniversário, no pulso do braço direito e o Cássio - novíssimo em folha - no pulso do braço esquerdo. E ficou. Irmão Luiz Marques vendo aquilo, perguntou-me: “Dois relógios?”. Pontualidade é tudo. Respondi. Desconfiado, alertou-me: “Não vai aprontar, vai?”. Não. Irmão Luiz Marques olhou-me da cabeça aos pés. Pente fino. "E que marmota é essa: um sapato preto e outro marrom?”. Não tinha notado. Verdade. Tive que improvisar - odeio ser pego desarmado. Eu sou daltônico! “Daltônico?”. Isso mesmo. Quando fico nervoso costumo trocar as cores! Justifiquei-me. “Você está nervoso agora?”. Depende. “Depende de quê: posso saber?”. Da mania da vez! “E qual é a mania da vez?”. Insistiu. Usar dois relógios e sapatos trocados! Isso passa. “Os alunos não estão zoando com você?”. Questionou. Não mais. Já resolvi o assunto, com propriedade. “Posso saber o que você fez?”. Dei um susto neles, com a ponta de um canivete suíço. Nem sangue saiu. “O que você fez?”. Nada. Durante os anos de 1970 e 1971, fui o sineiro oficial do Colégio Cearense, usando dois relógios - um em cada pulso - e usando sapatos trocados, um preto e outro marrom. Mania é mania. Fui descobrir que era mesmo daltônico em 1976, no serviço militar obrigatório, já morando na cidade de São Paulo. Daltônico? Isso mesmo. Vez por outra acordo “enxergando” tudo preto e branco. Nem desconfio. As cores aparecem - do nada - depois das 10 horas da manhã. Doideira né? Tenho hoje 4 relógios de pulso e uso-os, um de cada vez. Sempre no pulso esquerdo. De volta à cidade de Fortaleza, nas férias de julho de 1972, visitei o Colégio Cearense e reencontrei, no pátio do colégio, o Irmão Luiz Marques. "Olá, você aqui?”. Eu mesmo. Estou de férias. "Estudando no Mackenzie?" Sim. "Já foi suspenso por lá?" Já provocando. Ainda não. Respondi. Detalhe, insignificante: em 10 anos de Mackenzie fui suspenso, apenas, duas vezes. “Vejo que você está mudado: não usa mais dois relógios e nem sapatos trocados!". São Paulo está fazendo bem pra você. Parabéns!”. Disse. É que eu mudei de mania!. Irmão Luiz Marques estudou-me - pensou – e, então, mordeu o anzol. “E qual é a mania da vez?”. Depende. “Depende do quê?”. Insistiu. Já alterado e visivelmente irritado comigo. Melhor eu não dizer. O Irmão não vai gostar de saber. Quando fico nervoso troco tudo. Dei o troco. Encarou-se e rapidamente, despediu-se. Disse-me: "Tenho que ir. Estamos reformando os bebedouros do colégio". E foi. Depois daquela férias de julho de 1972, fiquei 10 anos sem retornar ao Ceará. Exílio voluntário. É dessa época o livro "Na linha do cerol: reminiscências poéticas". Durante esse tempo muita coisa aconteceu: Irmão Luiz Marques largou a batina e se casou. O colégio Cearense fechou suas portas e, mais recentemente, teve o prédio principal e a capela, tombados. Abri a editora em 1982 e o livro "Na Linha do cerol", reescrito. Muito cerol havia ficado de fora. Os amigos do Ceará - 1961 até 1972 - na maioria, estudaram no Colégio Cearense. Com a Internet e as redes sociais, depois de 50 anos, vez por outra, encontro um deles. Perguntam: “Qual a mania da vez?”. E eu respondo, sempre: Depende!
João Scortecci