“Moço, onde fica Barreirinha?”. Logo ali, perto de tudo e longe do nada, na direção de Manaus, na leveza das águas do Rio Andirá e — quem a vida nos dirá —, morada do poeta, Thiago de Mello (30.03.1926 - 14.01.2022). Conheci-o nos anos 1980, durante a Bienal Nestlé de Literatura. Inquieto e doce. Sorriso leve, feito de pássaros e sereno: necessariamente ele. Amoroso! Foi o que me disseram de sua intimidade. Durante a ditadura militar no Brasil, Thiago de Mello se exilou na Argentina, no Chile, em Portugal e na Alemanha. No Chile, rabiscou versos com Neruda, que escreveu um belo depoimento para o livro de Thiago de Mello: “Faz escuro, mas eu canto”, de 1965. Quando voltou ao Brasil, foi preso. E voltou por quê? Para lutar e lutar. Dizia isso, sempre, como em seu poema “mais querido”, “Madrugada camponesa”, em versos de fecundar a terra: “(...) faz escuro ainda no chão,/ mas é preciso plantar/ (...) Não vale mais a canção/ feita de medo e arremedo/ para enganar a solidão.” O poeta voltou - para perto de tudo - e lutou. Sobre a natureza humana, escreveu: “Agora vale a verdade/ cantada simples e sempre,/ agora vale a alegria/ que se constrói dia a dia/ feita de canto e de pão.” Thiago de Mello é considerado um dos poetas mais influentes e respeitados no Brasil, reconhecido como um ícone da literatura amazonense e brasileira. Tem obras traduzidas para mais de trinta idiomas. Um de seus poemas mais conhecido é “Os Estatutos do Homem - Ato Institucional Permanente”, escrito no Chile, em 1964, no qual “clama” a atenção para os valores simples da natureza humana. “Permanente?”. Sim, permanente e único. No Artigo I, sanciona: “Fica decretado que agora vale a verdade./que agora vale a vida/e que de mãos dadas/ trabalharemos todos pela vida verdadeira (...)”. “Os Estatutos do Homem”, composto por 13 Artigos e um “Artigo final”, é de uma beleza ímpar e universal. Um hino à liberdade, forjado nos princípios da natureza. O “Artigo final” consagra e celebra o espírito de paz pelo homem e pela vida. O poeta determina: “Fica proibido o uso da palavra liberdade,/ a qual será suprimida dos dicionários/ e do pântano enganoso das bocas./A partir deste instante/ a liberdade será algo vivo e transparente/ como um fogo ou um rio,/ e a sua morada será sempre/o coração do homem.”. Conta o poeta que, quando mostrou esse poema para Neruda, ele se emocionou e disse: “Quero vê-lo traduzido para o espanhol.”. Thiago, o poeta, feito de canto e pão. “Faz escuro, mas eu canto”: assim é a vida verdadeira.
João Scortecci
- Início
- Biografia
- Livros
- Críticas Literárias
- Consultoria
- Cursos e Palestras
- scortecci@gmail.com