Hoje soube do “Manifesto Futurista”, escrito pelo poeta italiano, Filippo Tommaso Marinetti (1876 - 1944), e publicado no jornal francês “Le Figaro”, em 20 de fevereiro de 1909. Confesso: não conhecia! O Manifesto marcou a fundação do "Futurismo" — um dos primeiros movimentos da arte moderna, considerado uma das principais correntes artísticas surgidas na Itália do século passado. Esse polêmico Manifesto contém 11 itens, que proclamavam a ruptura com o passado e a identificação do homem com a máquina, a velocidade e o dinamismo do então novo século. Euforia! A Europa — no início do século XX — fervia e respirava “rupturas” e também “suspirava” flatulências. O item 1 do Manifesto — geralmente o da convocação, que, em si, valida os demais — assim se declara ao século XX: “Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e do destemor.” Intrepidez? Talvez. No item 2 — sinais de rebelião —, alguns elementos essenciais da obscura proposta: coragem e audácia! Tudo em nome da arte e da poesia. Justo! No item 3, talvez vocação para o suicídio: “A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.” Insônia febril? Os itens 4 e 5 parecem - hoje - hilários: “Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais bonito que a "Vitória de Samotrácia". Hálito explosivo? Mais bonito que a estátua “degolada” da deusa Nice, cujos pedaços foram descobertos em 1863, nas ruínas do Santuário de Samotrácia? Ela mesma! A título de curiosidade, quem visitar o Louvre, em Paris, vai encontrá-la perdida e sem cabeça, em uma de suas escadarias. Depois dos itens 4 e 5 - confesso - pensei em desistir do Manifesto. Não o fiz. Segue - ainda - no item 5: “Nós queremos entoar hinos ao homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada também numa corrida sobre o circuito da sua órbita.” Sem comentários. Item 6 — para “sacanear” - de vez - os poetas: “É preciso que o poeta prodigalize com ardor, fausto e munificência para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.” Quais elementos? Juro: perdi o raciocínio! Significado de “munificência”: o mesmo que “prodigalidade”. Atenção, poetas: precisamos no melhor dos versos buscar, sempre, a prodigalidade! Continuando, porque já comecei e não vou desistir, agora. No item 9: “Nós queremos glorificar a guerra — única higiene do mundo — o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher.” Desprezo pelas mulheres? Eu prezo! Pobre Marinetti. No item 10: “Nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.” Vileza? Comportamento degradante, indigno. “É da Itália, que nós lançamos pelo mundo este nosso manifesto de violência arrebatadora e incendiária, com o qual fundamos hoje o ‘Futurismo’, porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, de arqueólogos, de cicerones e de antiquários.” Eu sabia: os professores são sempre culpados! “Já é tempo de a Itália deixar de ser um mercado de belchiores [ferros-velhos, alfarrabistas]. Nós queremos libertá-la dos inúmeros museus que a cobrem toda de inúmeros cemitérios.” Cruel. Tentando — agora — dar um fim justo e equilibrado ao meu post. Três mentiras verdadeiras, algo assim: os poetas — sorte deles — continuam imortais em suas órbitas, vivem cheios de insônia febril e delírios e praticam, quase sempre, a “prodigalização” das palavras. Feito isto: bofetões, socos e flatulência literária. Com sua ideologia violenta e incendiária, o Futurismo teve conexão com a retórica fascista após a Primeira Guerra Mundial, mas o polêmico Manifesto de Marinetti — que hoje soa como um conjunto de imbecilidades de pobres de espírito — transcendeu o contexto geográfico, histórico e político, tendo influenciado vanguardas artísticas e literárias do início do século XX, como, no Brasil, o movimento modernista iniciado em 1922, que falava francês, mas não falava tupi-guarani.
João Scortecci
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