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RICARDO RAMOS - GOSTAVA DELE AOS TRANCOS E BARRANCOS!

Conheci o jornalista e escritor Ricardo Ramos (Ricardo de Medeiros Ramos, 1929-1992), em 1978, numa quarta-feira, na sede da UBE - União Brasileira de Escritores, na Rua 24 de Maio, 250, no centro da cidade de São Paulo, entre as praças da República e da Sé. Chegávamos cedo, aos poucos, por volta das 17 horas. A sede da entidade ficava no penúltimo andar do prédio, no 13º piso, num imenso salão de 459 m², pertencente ao INSS. No espaço, havia: logo na entrada, à direita, uma sala de diretoria, com uma mesa de reunião, em que cabiam – no aperto – 16 pessoas, duas poltronas, estante com livros; uma secretaria conjugada à sala, com duas mesas e alguns arquivos de aço; um salão principal, com sofás, formando três ambientes; à esquerda, um pequeno auditório para 40 lugares; banheiros, no final do salão; e, ocupando todo o espaço do fundo do salão, uma pequena cozinha e o inesquecível “Bar do Franco”, ponto de encontro de intelectuais e artistas, onde bebíamos uísque cowboy e comíamos pastel de queijo. Íamos embora tarde da noite, em pequenos grupos, por questão de segurança ou para jantar fora – e continuar bebendo – na madrugada paulistana. Ricardo Ramos publicou dezenas de livros. Foi publicitário, editor, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing e o idealizador do Prêmio Nestlé de Literatura. Ganhou, por três vezes, o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, com as obras: “Os caminhantes de Santa Luzia” (1960), “Os desertos” (1962) e “Matar um homem” (1971). Era um contador de causos e não perdia uma boa piada, por nada deste mundo. Sempre aprontava! A lista de travessuras é grande! Vez por outra, aos sábados, nos reuníamos na casa do professor e crítico literário Fábio Lucas, na Vila Mariana. Bebíamos, jogávamos conversa fora e depois saíamos para comer feijoada no restaurante “Livorno”, na Rua Vergueiro. No lançamento do seu livro “Desculpe a nossa falha” (1991), fui presenteado com um exemplar. Ricardo Ramos me chamou de lado e disse, apontando para a sua foto na orelha do livro: “Scortecci, gosto muito desta foto. Quero ser lembrado por ela!”. Ricardo Ramos morreu jovem, com 63 anos de idade. Estivemos juntos, pela última vez, numa noite inesquecível, na casa do amigo comum José Carlos Garbuglio, que recepcionava, na época, um casal de professores franceses. Lembro-me dos dois assuntos da noite: Plano Collor, que havia nos deixado na maior pindaíba, e Jacques-Yves Cousteau (1910-1997) e suas viagens de pesquisa, a bordo do poderoso Calypso. “Aqui na minha casa – foi o que Garbuglio nos disse – podemos meter o pau em qualquer desgraçado deste mundo, vivo ou morto, menos no Cousteau!”. Palavras e risos que até hoje ecoam na memória afetiva. Ricardo Ramos já estava doente. Naquela noite, a meia garrafa de uísque que bebeu lhe fez mal. Estranhei. Depois, quando a doença veio, entrou em depressão e se isolou. Calou-se! Nem telefone atendia. Faleceu no dia 20 de março de 1992. Juntei os amigos próximos e imprimimos, na Gráfica Scortecci, um pôster com mensagens e a foto que ele adorava. Em sua homenagem, providenciamos, também, junto à Prefeitura Municipal de São Paulo, a indicação para uma praça com seu nome, nas proximidades da Avenida Sumaré, em São Paulo. O seu velório foi na Academia Paulista de Letras, no Largo do Arouche. Sua morte foi notícia em toda a mídia. No “Jornal Hoje", da Globo, sua última travessura. Alguém duvida? O apresentador deu a notícia do falecimento, leu sua biografia (invejável) e mostrou, erroneamente, não a sua foto de que ele tanto gostava, mas a foto de José Carlos Garbuglio. Este escritor, que assistia ao noticiário da Globo – foi o que me contaram, depois – quase morreu do coração. A foto do post de hoje é a de que Ricardo Ramos gostava e, com ela, imortalizou-se. "Gostava dele aos trancos e barrancos!" foi o que escrevi no pôster, hoje peça integrante da memória de 40 anos da Scortecci.

20.03.2022