Lendo sobre “Clausuras e as redes sociais”, encontrei a expressão “bovarismo”, que consiste em uma alteração do sentido da realidade, em que uma pessoa tem deturpada autoimagem, considerando-se outra, que não é. O “bovarismo” faz referência ao estado de insatisfação crônica de um ser humano, produzido pelo contraste entre suas ilusões e aspirações e a realidade frustrante. Essa designação de uma condição psicológica foi introduzida pelo filósofo francês Jules de Gaultier, em seu estudo “Le Bovarysme, la psychologie dans l’œuvre de Flaubert” (1892), no qual se refere ao romance “Madame Bovary”, do escritor francês Gustave Flaubert (1821-1880), publicado em livro em 1857 e cuja protagonista, Emma Bovary, converteu-se no protótipo da insatisfação conjugal. Flaubert marcou a literatura francesa pela profundidade de suas análises psicológicas, pelo seu senso de realidade, pela sua lucidez sobre o comportamento social e pela força de seu estilo em grandes romances. “Madame Bovary”, sua mais famosa obra, foi publicada inicialmente pela revista literária francesa “Revue de Paris”, por Laurent-Pichat e Maxime Du Camp, em outubro de 1856. Resultado de cinco anos de trabalho, “Madame Bovary” é uma dura depreciação dos valores burgueses. Segundo alguns críticos conservadores, Flaubert ridiculariza sua própria condição social. A obra – considerada na época ousada e imoral – foi censurada. Em janeiro de 1857, Flaubert sentou no banco dos réus, com argumentos de acusação conduzidos pelo promotor do caso, o advogado Ernest Pinard. Em 7 de fevereiro de 1857, foi absolvido pela Sexta Corte Correcional do Tribunal do Sena, de Paris, graças à defesa conduzida pelo advogado Marie-Antoine-Jules Sénard, que reconstituiu a origem nobre e aristocrática do escritor e convenceu o júri de que a acusação estava julgando todo um livro a partir de apenas alguns trechos. Nos autos de defesa, Sénard procurou mostrar que há realismo na história de uma mulher que se perde em sonhos inatingíveis e morre em decorrência deles. Assim são as tragédias do amor! Perguntado sobre quem era Emma Bovary, Flaubert respondeu, apenas: “Madame Bovary sou eu”. Aqui com os meus ossos, pensando e repensando sobre as “clausuras” e os “bovarismos” das redes sociais, respondo, com propriedade: Gustave Flaubert e Emma Bovary somos todos nós!
João Scortecci