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"BAJO DE FUERA” – ESAÚ SCORTECCI, VAPOR SIRIO E AS TRAGÉDIAS NO MAR


Visitei Arezzo, na Toscana, Itália, no ano de 2016. Meu bisavô materno, Esaú Scortecci, era natural da comuna de Laterina – distante 8 km de Arezzo – hoje com uma população de 3,5 mil habitantes. Esaú Scortecci imigrou para o Brasil no vapor “Sirio”, no ano da graça de 1889. Sete anos depois, no dia 4 de agosto de 1906, e dois dias após ter partido do Porto de Gênova, o vapor naufragou na costa da Espanha, próximo às Ilhas Formigas, junto ao Cabo Palos. O capitão do vapor, Giuseppe Piccone, com 68 anos de idade e 46 anos de experiência na profissão, estava “descansando” no momento do naufrágio e, ao perceber a tragédia, foi um dos primeiros a abandonar o navio. O “Sirio” – considerado na época um transatlântico moderno – foi construído em 1883, em Glasgow, na Escócia, e fez sua primeira viagem em 15 de junho daquele ano. Medindo 129 metros de comprimento e pesando 4.141 toneladas, com motor de 5.323 cavalos-vapor, o navio transportava cerca de 1.700 passageiros na viagem em que naufragou, embora só pudesse levar 1.300 mais 127 tripulantes. Entre os passageiros, havia cerca de 700 imigrantes italianos, dos quais 300 morreram e 200 ficaram desaparecidos. A embarcação espanhola “Jovem Miguel” recolheu cerca de 300 náufragos, mas foi obrigada a se afastar, deixando ainda centenas de pessoas no mar, já que a explosão das caldeiras do “Sirio” e seu rápido afundamento colocaram a embarcação espanhola em perigo. O capitão Giuseppe Piccone foi preso em Cartagena, como culpado pelo sinistro, acusado de superlotar o navio com o transporte de clandestinos. Além disso, o “Sirio” viajava em velocidade elevada, de 17 nós ou 31,5 km/h, incompatível com o local – “Bajo de Fuera” – que se transformaria na época num cemitério de embarcações. Entre os mortos, vindos de Roma para o Brasil estavam o Monsenhor José Camargo de Barros (1858 – 1906), 12º. bispo de São Paulo, e mais oito missionários. Entre os religiosos, o único que se salvou do naufrágio foi o arcebispo de Belém do Pará, Homem de Melo (José Marcondes Homem de Melo, 1860-1937). A tragédia ficou marcada profundamente na memória da colônia italiana no Brasil, que – três gerações depois – ainda canta, com muita tristeza: “Il Sirio, il Sirio, la misera squadra; per molta gente la misera fine…” O pintor, desenhista, historiador e cartógrafo paulista Benedito Calixto (Benedito Calixto de Jesus, 1853 – 1927), no ano de 1907 – um ano após a tragédia –, pintou um quadro em óleo sobre tela, com 160 x 222 cm, intitulado “Naufrágio do Sirio” e que hoje faz parte do acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo. Na pintura de Benedito Calixto, Monsenhor Homem de Melo – o sobrevivente – está à direita do Monsenhor José Camargo de Barros, retratado abençoando missionários e segurando uma boia salva-vidas. Testemunhas afirmam que Dom José Camargo de Barros morreu devido à agressão de um tripulante que lhe tirou a boia, quando o religioso abençoava aqueles que iam se atirando nas águas do mar. Na memória de imigrantes italianos no Brasil, o naufrágio é também relembrado com o ditado: “Quem não souber por quem rezar, reze por aqueles que estão no mar!”