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"DO OUTRO" NÃO É A MESMA COISA QUE "DO BOM"

O empresário e bibliófilo José Mindlin (José Ephim Mindlin (1914 - 2010) gostava de uma boa cachaça. Socialmente, bebia uísque. Foi o que ele me contou, ao pé do ouvido, durante uma viagem de carro, que fizemos – ida e volta – até à cidade de Ribeirão Preto/SP, para um evento na Feira do Livro de Ribeirão Preto. A história ficou, para sempre, na cabeça. Impossível esquecê-la. Em 1989 – pelo seu amor aos livros – foi indicado e escolhido como Intelectual do Ano e recebeu o Troféu Juca Pato, outorgado pela U-nião Brasileira de Escritores – UBE. O mineiro Fabio Lucas, presidente da entidade na época, puxou a fila, assinando a lista dos 30 nomes, sócios da entidade, formalizando, assim, a sua indicação. Fui o segundo a assinar. Mindlin, na época, acabou sendo candidato único e levou o troféu, merecidamente. No dia da cerimônia de entrega do prêmio, na sede da entidade, na Rua 24 de Maio, n. 250, centro, na capital paulista, o plano secreto, era servir, para o homenageado, um uísque – do bom. Pensamos em servir cachaça – mineira, da boa –, ideia que foi descartada, de pronto, pela dire-toria da entidade. Fui voto vencido. Comprei – do “meu bolso” – uma garrafa especial de Ballantines, oito anos, para o Mindlin. Para os convidados, a UBE comprou uma caixa de Old Eight, com 12 garrafas. A guarda das bebidas foi entregue ao Franco, dono do bar, que funcionava no espaço da sede da entidade. Coube ao presidente Fábio Lucas orientar o Franco sobre os procedimentos etílicos da noite. Fabio colocou o Franco sentado à sua frente e lhe explicou o plano, uma dúzia de vezes. Disse-lhe: “Franco, quando eu estiver com o Dr. Mindlin, vou lhe pedir, assim: ‘Franco, por favor, traga para o Dr. Mindlin, um uísque – do bom.’ Combinado?” “Sim, combinado.” Quando o homenageado José Mindlin chegou à sede da UBE – em cima da hora –, a festa já estava rolando e o Old Eight também. Fábio Lucas, seguindo o protocolo, pediu: “Franco, por favor, traga para o Dr. Mindlin, uma dose de uísque – do outro.” “Do outro?” “Sim, do outro.” Franco, então, levou para o José Mindlin uma dose de Old Eight, copo cheio, com pedras de gelo até a boca. Mindlin molhou o bico. Quase teve um ataque do coração! Fez careta de limão azedo. Baixou o copo e o colocou de volta na bandeja. Educadíssimo, argumentou: “Melhor não beber agora, antes da cerimônia.” Concordamos. Mais tarde, depois do término da solenidade, ficamos sabendo da tragédia da troca das garrafas. “Franco, por favor, sobrou uísque do bom?”, perguntei. “Sobrou sim.” “Traga-o, por favor. Queremos beber todas!” Franco levou o Ballantines, ainda na caixa, com a garrafa lacrada. Fábio Lucas – surpreso – catou o Franco pelos colarinhos e berrou: “O que aconteceu seu fdp? Eu disse para você servir para o Dr. Mindlin uísque do bom.” Franco, surpreso, reagiu, de pronto: “Professor Fábio, o senhor pediu para servir uísque ‘do outro’. Foi o que eu fiz. Servi do outro, com bastante gelo.” Naquela noite bibliófica, eu e poucos estouramos o lacre do Ballantines e nos embebedamos, mortalmente. Aqui com os meus ossos: bem que poderíamos – na festa do Juca Pato daquele ano – ter servido cachaça, da boa. Teria sido um feito inédito, inesquecível, também.