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"OBRA-PRIMA” NÃO É A MESMA COISA QUE “MAGNUM OPUS"

A história é antiga, do início da Scortecci Editora, quando os livros publicados eram quase todos com 40 páginas e de poesia. Pela manhã, até perto das 14 horas, eu trabalhava no restaurante Almoço em Casa – um dos primeiros do tipo self-service da cidade de São Paulo – e depois “voava” para a editora, distante quatro quarteirões, na Rua Teodoro Sampaio, n. 1.704, numa loja de 30 metros quadrados, na Galeria Pinheiros. Acordava de madrugada – entre 4 e 5 horas – e todas as manhãs via o sol nascer fazendo compras no Ceagesp, na Vila Leopoldina, centro atacadista de abastecimento de frutas e verduras da cidade de São Paulo. O Almoço em Casa funcionou por exatos dois anos e foi importante – financeiramente – no começo da minha vida de empresário. Não teria conseguido, se não fosse o restaurante. Na editora, naquela época, trabalhava apenas uma colaboradora, uma nissei, de nome Márcia, creio. Ela fazia o básico. Cuidava da arrumação da loja, anotava os recados e atendia ao telefone, uma PL – linha particular –, que alugávamos de um casal de idosos, donos de uma loja de roupas na própria galeria. Linha telefônica, na época, custava uma fortuna, e o preço girava em torno de 4 mil dólares. Eu tinha – comprado com sacrifício – um plano de expansão, um carnê de 24 parcelas fixas, com a promessa da Telesp de instalação, em até 18 meses. Cumpriram a promessa. Certo dia, entrei na editora – atrasadíssimo – e um senhor com seus 55 anos de idade me aguardava, sentado. “Você é o Scortecci?” “Sim”, respondi. Antes que pudesse perguntar ou falar alguma coisa, o Arquimedes – esse era o seu nome – abriu um caderno e começou a declamar – em voz alta – versos de um longo poema. Tinha a voz forte, potente e uma boa retórica. Lembro-me de que na hora juntou gente na Galeria. Fiz sinal que interrompesse o recital, mas não fui atendido. “Estou quase terminando!”, justificou-se. Uma hora depois, Arquimedes, o de Taboão da Serra – não o matemático, filósofo, físico, engenheiro e astrônomo grego Arquimedes de Siracusa (287 a.C. – 212 a.C) – encerrou, finalmente, sua performance. “Gostou?”, perguntou-me. “Não”, respondi. Márcia, a nissei, parecia assustada. Coincidência ou não, ela pediu demissão naquele mesmo dia e nunca mais voltou. Escafedeu-se! Foi então que “descobri” a sutil “diferença” entre “obra-prima” e “magnum opus”. “Quer saber a diferença?”, perguntou-me. “Não precisa”, respondi. Arquimedes, então, concluiu: “Sr. Scortecci, quero publicar a minha ‘magnum opus’!” O livro foi publicado. Demorou, mas saiu. Fiz uma condição especial de preço e prazo. Arquimedes não me pagou pelo serviço. Sumiu, assim que recebeu os livros. Meses depois, apareceu na editora e trouxe – embrulhado num saco de lixo – para pagar a sua dívida, um “tijolo baiano”, nome dado na época para aparelho de som, gravador portátil e toca fitas, tudo junto. Eu disse: “Não!” "Quero o dinheiro que você me deve! Insisti. Arquimedes colocou o tijolo baiano no banco da recepção e foi embora, em silêncio. Prometeu voltar – um dia qualquer – para fazer uma nova edição da sua “magnum opus” literária. Nunca mais soube dele. Desconfio que se mudou da cidade de Taboão da Serra e voltou – imortalizado – para Siracusa, comuna italiana da região da Sicília, Itália. Teria dito, então: "Não perturbe meus círculos".

João Scortecci