Conheci o Cabaré do Gato, na Rua Silva Bueno, 1533, no Ipiranga, capital paulista, nos anos 1980. Quem me levou – pela primeira vez – para uma apresentação literomusical foi a poeta, dramaturga, professora universitária e tradutora Renata Pallottini (1931 – 2021). No endereço, morava a poeta, atriz, cantora, tradutora, pianista, diretora e crítica teatral e professora de dicção Maria José de Carvalho (1919 – 1995), figura marcante na cultura paulistana entre os anos 1940 e 1970. Estudou canto, piano e violino no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Foi casada com o maestro Diogo Pacheco (Diogo de Assis Pacheco, 1921 – 2022). Em 1986, Maria José de Carvalho traduziu e publicou, pela Scortecci Editora, o livro “Poema do Cante Jondo” (1921), do poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca (1898 – 1936), nascido na província de Granada, comunidade autônoma de Andaluzia. Lorca integrou a “Geração de 27”, grupo de artistas e literatos espanhóis que explorava formas vanguardistas nas artes e na poesia. Foi o poeta de maior influência e popularidade da literatura espanhola do século XX e um dos maiores representantes do teatro poético desse século. Conviveu com artistas como o pintor Salvador Dalí e o cineasta Luis Buñuel. Seu estilo é marcado por simbologias e referências à cultura tradicional e popular espanhola. Aos 38 anos de idade, Lorca foi assassinado por fuzilamento, por ordem da ditadura do General Francisco Franco. Foi uma das primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola (1936 a 1939), que matou mais de 1 milhão de pessoas. Os motivos do seu assassinato são incertos e controversos. Acredita-se que tenha sido fuzilado às 4h45 da madrugada do dia 18 de agosto de 1936 e enterrado em vala comum, nas proximidades da cidade de Alfacar, na província de Granada. Em sua curta existência, Lorca escreveu importantes obras-primas da literatura, várias delas publicadas postumamente. Uma de suas mais elogiadas criações poéticas é “Romancero Gitano” (“Romanceiro Cigano”), de 1928, com poemas sobre a vida e a cultura dos ciganos de Andaluzia. Eis um trecho do poema “Preciosa e o ar”: “Sua lua de pergaminho/Preciosa tocando vem,/por um anfíbio sendeiro/de cristais e louros./O silêncio sem estrelas,/fugindo do sonsonete,/cai onde o mar bate e canta/sua noite cheia de peixes. (...)”. Quando adentrei no casarão da Rua Silva Bueno, no Ipiranga, templo da poeta, atriz, cantora, tradutora, pianista diretora cênica, crítica teatral e professora Maria José Carvalho, de pronto descobri a razão do nome “Cabaré do Gato”: gatos, centenas deles, ilhados e entrincheirados, miados, domesticados, selvagens, cobrindo todo o cio da noite de lua cheia. Hoje, o casarão – construído em 1927, abriga a Casa de Teatro Maria José de Carvalho.