O Serviço Militar, no Brasil, é obrigatório por lei, e todo brasileiro do sexo masculino deve se alistar no ano em que completar 18 anos. No meu caso, portanto, que nasci em 1956, devia me alistar no ano de 1974. Deixei o Ceará em 1972, com 16 anos incompletos e a promessa de voltar dois anos depois, para cumprir com a obrigação civil. Não voltei. As razões foram muitas. A maior delas: medo de ficar por lá – ser convocado, servir – e perder São Paulo, meu maior sonho na época. O problema se agravou quando comecei a procurar emprego, e o certificado de serviço militar era um dos documentos obrigatórios. Lembro-me de que, na época, a multa era pequena, insignificante, mas os impedimentos, decorrentes da desobediência civil eram pesados. Em 1976, já com 20 anos de idade, o alistamento tornou-se inadiável. Servi no ano de 1976, no 2º. BG – Batalhão de Guardas, da CCSv – Companhia de Comandos e Serviços, Pelotão de Transportes, localizada no Parque D. Pedro II, na capital paulista. Um ano mágico e inesquecível. Quase perfeito! Fui “peixe”, protegido do Sargento Leandro – responsável pela escala de serviço – e fui designado para o serviço de “motorista de campo” do Tenente-Coronel Pedro Luis da Silva Osório, que me levou ao QG – Quartel General do II Exército, no Parque do Ibirapuera. Lá conheci o General de Exército Dilermando Gomes Monteiro (1913 – 1994), que, por razões políticas, naquele mesmo ano havia assumido o comando em substituição ao General Ednardo D'Ávila Mello, depois do escândalo do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, nas dependências do DOI-CODI, órgão de inteligência e repressão, subordinado ao II Exército. Dilermando Gomes Monteiro era um homem de baixa estatura, inteligente, sábio e leitor voraz. À frente do II Exército, adotou uma postura bastante diversa da de seu antecessor, abrindo seu gabinete ao livre trânsito de políticos, líderes sindicais, religiosos e empresários. Durante a primeira greve dos metalúrgicos de São Paulo (em 1978), chegou a se reunir com o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, Luís Inácio Lula da Silva, com o objetivo de fazer um relatório sobre as reivindicações dos grevistas, a ser apresentado ao Alto Comando do Exército. Algumas dessas reivindicações, chegou a defendê-las publicamente. Foram também constantes em sua agenda as visitas do Cardeal de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, na época em que o representante da Igreja era ostensivamente atacado pelo Secretário de Segurança do Estado, Coronel Erasmo Dias. Em dezembro de 1976, dei baixa do 2º. Batalhão de Guardas, concluí naquele mesmo ano o curso técnico de Contabilidade, prestei vestibular na Universidade Mackenzie, e, em março de 1977, empreguei-me na empresa F.K. Equipamentos para Escritórios, onde permaneci até agosto de 1982, quando, então, tornei-me editor e mais tarde gráfico de livros. O 2º. BG, considerado “Tropa de Choque” e “Elite”, era, na época, o maior contingente do Comando Militar do Sudeste. Os soldados da guarda eram conhecidos como “Soldados Cara de Leão” e tinham como lema “A guarda morre, mas não se rende!”. Em 1995, o 2º. Batalhão de Guardas teve sua extinção decretada pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Guardo fotos, diplomas e segredos da caserna. E a lembrança da leitura de “Sidarta”, de Hermann Hesse, eu de guarda no pátio do QG do II Exército, no melhor das tardes de sol e calor, sob o olhar daquele pequeno grande homem, quando navegávamos entrincheirados, letrados e leitores, respeitosamente, juntos e de lados opostos. 1976: o ano – quase perfeito.
