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O POETA PAULO EIRÓ E A RUA DO HOSPÍCIO

Fui soldado de número 1148, no 2º. BG – Batalhão de Guardas, da CCSv – Companhia de Comandos e Serviços, Pelotão de Transportes, localizada no Parque D. Pedro II, na capital paulista, no ano de 1976 em que prestei o serviço militar obrigatório. Nesse grande parque, está localizado também o imóvel da Rua do Hospício, S/N, Várzea do Carmo, num desvio do Rio Tamanduateí, parte importante da memória paulistana. A construção, de 1842, originalmente serviu de sede da Chácara do Fonseca (o cirurgião Domingos da Fonseca Leitão) e, em seguida, passou a abrigar a instituição religiosa Seminário das Educandas, depois denominada Seminário da Glória. Em 1862, o local foi transformado em uma instituição de saúde, o Hospício dos Alienados, onde durante algum tempo residiu o poeta Paulo Eiró (Paulo Emílio de Salles Chagas Eiró, 1836 – 1871), que ali faleceu, em 27 de junho, aos 35 anos de idade, vítima de meningite. A partir do ano de 1905, o local abrigou o quartel da Força Pública, permanecendo assim até o ano de 1964, quando o exército brasileiro ocupou o espaço, com a sede da 7ª. Cia. de Guarda e depois, com o 2º. Batalhão de Guardas. O BG, como era chamado, foi extinto em 1992, por decreto do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Em 1995, o imóvel retornou oficialmente ao governo paulista, abrigando o 3º. Batalhão da Polícia de Choque do Estado de São Paulo. Em 1981, o imóvel da Rua do Hospício foi tombado pelo Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, que o abandonou, deixando-o em ruínas e, hoje, prestes a desabar. Santo Amaro – atualmente distrito da região metropolitana da cidade de São Paulo – foi município independente de 1832 até 1935, ano em que foi reincorporado à capital paulista pelo Decreto n. 6.983. A expansão de Santo Amaro começou no século XIX, mais precisamente em 1827, quando recebeu o primeiro grupo de imigrantes alemães que desembarcaram da Galera Holandesa "Maria", no porto de Santos. A origem da região de Santo Amaro está ligada a uma aldeia indígena à margem do Rio Jeribatiba, que, em 1950, foi denominado oficialmente como “Pinheiros”. Assim como o rio, o bairro teve diferentes nomes: “Virapuera”, “Jeribatiba”, “Ibirapuera”, “Santo Amaro de Virapuera” e finalmente “Santo Amaro”. De origem cristã, esse é o nome de um santo nascido em 513 d.C., na Itália, e identificado como protetor dos carroceiros, carregadores e fabricantes de velas. A região passou a ser conhecida como “Santo Amaro” depois que o Padre José de Anchieta (1534 – 1597) rezou uma missa com a imagem do santo, à margem do Rio Jeribatiba. O poeta Paulo Eiró, assim como muitos poetas tinha uma musa inspiradora – sua prima, Cherubina Angélica de Salles –, um amor escondido e impossível. Quando ela se casou com um desconhecido, o poeta entrou em depressão e adoeceu. Enlouquecido – com crises de depressão – e saúde frágil, foi internado no Hospício dos Alienados. Posteriormente, de 1964 até 1992, nesse local funcionou o 2º. Batalhão de Guardas, onde prestei o serviço militar obrigatório em 1976. Em março de 1957, em homenagem ao poeta, foi inaugurado no bairro de Santo Amaro o Teatro Paulo Eiró. Foi lá – nos anos 1980 – que escrevi o poema-livro “Luanda - Uma bailarina morta”, ao saber da sua morte – por atropelamento, numa das esquinas da praça do teatro. A jovem bailarina transportava, pendurado no pescoço, um par de sapatilhas. Mais recentemente, dois ou três meses antes do surto da Covid-19, recebi na editora o amigo e jornalista Henrique Novak, com um livro sobre Paulo Eiró: biografia e poesias inéditas – até então “perdidas” – e salvas do fogaréu da ignorância. Perdidas por mais de 100 anos? Para publicá-las, ele dependia de autorização de alguém, possivelmente um parente do poeta ou algo assim, mesmo estando em domínio público. Aguardo – ansioso – o seu retorno. Henrique Novak – para quem não o conhece – foi, nos anos 1980, um importante jornalista e editor da “Página do Livro”, do “Diário Popular”, a quem nós, na época jovens poetas e escritores, devemos muito. Relendo memórias do 2º. BG no ano 1976, recordo, nitidamente, de ter escutado histórias de assombração, versos de dor e paixão, lamúrias e gemidos, vindos das entranhas e dos corredores do piso de madeira do centenário imóvel da Rua do Hospício. Hoje – desavisado de tudo – procuro pelo amor de Cherubina, a musa, e, por Luanda, a jovem bailarina morta de Santo Amaro. Não as encontro – e sofro –, no hospício do tempo. Busco versos do passado, para, então, escrever o hoje. Derradeiro poema sem-fim?