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"A lei, ora, a lei" e as mais de 37 mil leis na vida do brasileiro

Já não é de hoje que as palavras “lei”, “norma”, “regra”, “regulação” e muitas outras que orbitam nas nossas vidas – aquelas que são lidas, claro – assustam os brasileiros. É bem conhecida a frase "A lei, ora, a lei" atribuída ao Presidente da República Getúlio Vargas, durante o seu segundo mandato. E existem outras pérolas, também incorporadas à alma do povo, cada vez mais perplexo e confuso: “O Brasil já tem leis demais”; “Essa lei não vai pegar”; “Lei Caracu”; “Lei para inglês ver” etc. Grande parte das mais de 37 mil leis existentes hoje no Brasil aguardam regulamentação, total ou parcial, dificultando e prejudicando sua finalidade. Esse é um dos motivos da confusão, levando alguns a validar a máxima que “não somos um país sério”, frase dita no início dos anos 1960 pelo diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho ao jornalista Luís Edgar de Andrade, à época correspondente do Jornal do Brasil, em Paris, no contexto do incidente diplomático conhecido como “Guerra da Lagosta”.

Deixemos, agora, de lado a lagosta, as conversas “para inglês ver” e a máxima de Getúlio Vargas: "A lei, ora, a lei". O assunto desta nota é a “Lei do preço fixo” ou “Lei do preço único”, rebatizada de “Lei Cortez”, em homenagem ao editor e livreiro José Xavier Cortez, que faleceu em 2021 e é responsável por um importante legado na história do livro no Brasil. Essa lei foi proposta no PL (Projeto de Lei) 49/2025, pela então senadora Fátima Bezerra, hoje governadora do estado do Rio Grande do Norte. A inspiração veio da “Lei Lang”, em vigor na França há mais de 40 anos. O projeto – desengavetado – no último dia 3 de maio, visa regulamentar o comércio varejista de livros e proteger as livrarias – principalmente as pequenas – de concorrência predatória. Atualmente, a “Lei Cortez” conta com o apoio institucional das principais entidades do livro no Brasil: ANL – Associação Nacional de Livrarias, CBL – Câmara Brasileira do Livro, SNEL – Sindicato Nacional dos Editores de Livros, ABRELIVROS – Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais, ABDL – Associação Brasileira de Difusão do Livro, entre outras.

De acordo com o PL 49/2015, o preço de capa – sugerido pela editora e/ou autor independente – deve ser respeitado pelo período de 1 (um) ano, a contar da sua publicação ou lançamento, podendo os canais de comercialização (livrarias e lojas) praticar o preço de capa, oferecendo, no máximo, desconto de até 10%, sobre o preço de capa sugerido. Os livros didáticos e importados ficam de fora dessa regra. Os favoráveis ao projeto de lei defendem que o instrumento poderá proteger as pequenas e médias livrarias, salvaguardando a diversidade e combatendo a guerra por preços e descontos. Os contrários não são poucos. De dentro e de fora do negócio do livro. Os principais motivos, generalizando, são dois: desconhecimento do projeto de lei – julgando tratar-se de um tipo de congelamento ou imposição de preço único (tabelamento) para todos os livros, independentemente do formato, tiragem e número de páginas e, ainda, apostando no encarecimento do preço de capa do livro, o que não é verdade. As editoras e livrarias – maiores interessadas em que a lei funcione – manteriam o preço de capa abaixo do sugerido, não agregando “gordura” no jogo insano dos descontos e da guerra de preços, proporcionando, assim, equilíbrio e preço justo ao mercado e a toda cadeira produtiva do livro.

O desarquivamento do PL 49/2015 veio em boa hora – nunca é tarde – e trará esperança, novos desafios e ânimo renovado ao negócio do livro, que, desde a pandemia, sofre com o fechamento de livrarias, editoras, distribuidoras e gráficas que trabalham no setor editorial.

João Scortecci