Cassandra tinha a capacidade de interpretar o desejo dos deuses! Conhecemo-nos numa tarde de domingo, na Feira Hippie da Praça da República, na pauliceia desvairada dos anos 1970. Eu, comprando selos para a minha coleção, numa tenda; e ela, deslumbrante, comendo-me com os olhos, ao lado. A moça, uma vidente – trinta e poucos anos – fazia de tudo um pouco: lia mãos, cartas, jogava búzios, conversava com os mortos e previa o futuro. Sua tenda, localizada perto do portão principal da Escola Caetano de Campos, era concorrida e estava, sempre, cheia de curiosos. Na mitologia grega, Cassandra é uma profetisa do deus Apolo – deus do Sol, da profecia, da poesia, das artes, da música, da cura, da justiça, da lei, da ordem, do tiro ao alvo e da peste. Ela tinha o dom de anunciar profecias, nas quais ninguém acreditava, sendo, por isso, considerada louca e charlatã. Na tragédia “Agamemnon”, do poeta dramaturgo Ésquilo (c. 525 a.C. ou 524 a.C. – 456 a.C. ou 455 a.C.), o deus Apolo, tendo se apaixonado por Cassandra, oferecera-lhe o dom da profecia em troca do seu amor. Cassandra, a princípio, aceitou a oferta, mas acabou desistindo e não cumpriu o acordo. Apolo, enfurecido, retirou-lhe o dom e a puniu, fazendo com que ninguém acreditasse nas suas visões e profecias. Cassandra – na história – tornou-se uma figura importante no que diz respeito à Guerra de Tróia (entre 1300 a.C. e 1200 a.C.), pois profetizou – e acertou – o que iria acontecer, caso os troianos levassem o cavalo de madeira – construído pelos gregos – para dentro das muralhas de Tróia. Apesar de seus avisos, ninguém acreditou. Num domingo chuvoso, de movimento fraco, Cassandra pegou-me pela mão – isso depois de várias fugas – para, finalmente, ler a minha sorte. “Mão esquerda, primeiro. Ler sobre as coisas com as quais você nasceu. Depois, a mão direita, para as coisas que acumulou durante a sua vida. Destro?” “Sim.” “A mão dominante – a que você usa para escrever – revela sua vida presente e passada. A mão esquerda revela sua vida futura. Temos quatro linhas: a do coração, a da cabeça, a da vida e a do destino. Vejo que suas linhas são marcantes, profundas e se cruzam em todas as direções.” “Isso é bom ou ruim?”, perguntei. “Linhas que se cruzam e mudam de direção significam que você é propenso a muitas mudanças na vida, devido a forças externas.” Forças ocultas?, pensei. Cassandra sorriu. “Você é espontâneo, entusiasmado, otimista, extrovertido, individualista, criativo e impulsivo. Muito.” Depois, pegou a minha mão esquerda e a esfregou com o dedo polegar, riscando linhas imaginárias no centro da palma. “E essas linhas menores, finas e superficiais, o que significam?”, perguntei. “Nada. Nada deste mundo”, respondeu. Depois, abraçou-me forte, beijou-me e chorou. Na saída da tenda, chovia forte ainda, quando, então, ela me disse: “Eu sou Cassandra, amada do deus Apolo – deus do Sol, da poesia, do tiro ao alvo e da peste, mas ninguém acredita nas minhas visões e profecias. E você?” “Eu?” “Sim, você.” Surpreso, respondi, enfim, descoberto: “Sou o arco de prata, a lira, o ramo de louro e a palmeira.”.
João Scortecci
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