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ROUBANDO OS SUSPIROS DA VOVÓ SARAH

Abracadabra. Pé de cabra. Eu abro e você arromba! Era assim - o feitiço - da infância, no melhor dos anos 1960. Qual das diabruras? Todas! As proibidas, as vigiadas, as seladas e lacradas, as amarradas no cerol e as segredadas com cuspe e sangue. Éramos paixão e fascínio pelo ilusionismo das sombras, pelos truques, pelas mágicas de cartas, pelo feitiço, pelo magnetismo do toque, pelo ocultismo dos mistérios e pelo deslumbramento - avassalador - das porções. Isso mata! Talvez. O que vocês colocaram no caldo verde? Tudo! Rabo de rato, língua de calango, caca de nariz, titica de galinha, carrapato, pedaço de unha com micose e grude. Muito grude! Funciona? Sempre. Vai. Abracadabra. Pé de cabra. Eu abro e você arromba! Pronto. Agora - estamos, todos - invisíveis. Ninguém agora nos vê. Somos fantasmas! E mais: imortais e indestrutíveis. Qual o destino? O de sempre. Assaltar a lata de suspiros da vovó Sarah. Onde? Escondida no quarto, em cima do guarda-roupa, atrás da mala de couro. Vovó Sarah viu você espiando? Não. Nem desconfia. Vamos lá! Dá o pé e sobe no embalo. Vai. Pega a lata. Rápido, antes que o feitiço desapareça ou o caldo nos mate de nó nas tripas. Pegou? Sim. Abracadabra! Pé de cabra. Eu abro e você arromba! Vovó Sarah nunca reclamou do sumiço dos suspiros. Nem desconfiava! Um dia contei a danação para o meu avô Batista que - vez por outra - roubávamos suspiros da lata. Vovô olhou-me, sorriu e disse: ela sabe! Eu é que não sabia.  

João Scortecci