Eu quero rosetar! Quero cutucar a Rosinha do pomar, do bilhete, da janela, que mora no latifúndio do vizinho. Quero varar-me inteiro pela brecha da telha, enfiar a ponta viril da minha espora, no ventre da lua. Nada importa – mais que tudo. Depois, se precisar, passo mercúrio cromo - assopro - e coloco no buraco, um esparadrapo de tira, no rasgo. Eu quero rosetar! Quero pinar – na doideira – com o meu punhal da castidade. Quero cuspir fogo, na noite do caranguejo negro. Eu quero rosetar! Avermelhar-me. Quero beijar a lona do circo! Zé Anão – o palhaço – dizia sempre: “O bom é hilário!” Eu quero rosetar o amor em Roseta. Quero Rosinha, a moça da cidade da província egípcia de Al-Buhaira, que fica a leste de Alexandria: na boca do mar mediterrâneo. Lá – noutra vida de Deus – cultivava espinhos e esporas. Isso - acontecido - antes de acharem a tal pedra de Roseta. E quando foi isso mesmo? Em 1799. Uma expedição! Eu, o pequeno Napoleão e todo o exército francês. Acho que você está com febre! Disseram-me. Você não tem medo da dentada - selvagem - da espora da loucura? Tenho. Fazer o quê? Eu quero rosetar! Viajar-me. É o que sou: um navegante do tempo! Pretende partir quando? Hoje mesmo, no melhor do sol. Eu, Rosinha, carregando uma pequena mala de couro e junto, alguns aloegos da sorte: bússola estelar, presente do poeta Louis Awad, mapa da biblioteca de Alexandria, presente do amigo Demétrio de Faleros, canivete suíço, presente do meu pai Luiz, cavalinho de pau, fuga da infância perdida, que restou e um bloco de papel adormecido, com lápis de carpinteiro, para riscar de traços as estrelas do céu. Pretende voltar ou vai ficar por lá, de vez? Não sei. Vai que a pedra mágica me prende outra vez. Não entendi. Lembra, na última viagem que fiz fiquei por lá – perdido –, mais de um século. E o seu aniversário no próximo dia 2 de agosto? Registrou? Talvez. Eu quero rosetar lá em Roseta! Uma pergunta: lápis de carpinteiro? Uma mania, apenas. Quero tracejar poesia no delta do Nilo, revisitar sonhos esquecidos, distantes, morder desejos de morte, naufragar no dorso das covas do paraíso e, também, pecar, demoradamente. Quero abraçar Rosinha no hilário do mediterrâneo. Avisou Rosinha de sua chegada inesperada? Não. Você pirou da cabeça? Ainda não. A surpresa é inevitável. Quem disse isso? Napoleão, o pequeno-grande imperador. Não teria sido Demétrio de Faleros? Talvez. Isso importa? Creio que não. Eu quero é rosetar Rosinha com a roseta da espora! Lá eu não sou amigo de ninguém.
João Scortecci