No ano de 1980, eu já participava ativamente da vida literária paulistana. Era membro e um dos fundadores do grupo literário POECO, iniciado por um grupo de estudantes da Universidade Mackenzie, era sócio da UBE – União Brasileira de Escritores, tinha publicado em coautoria dois livros de poesias – “Relógio de Sol” e “Papel Arroz” – e participado em cinco antologias de título "Ensaios", organizadas pelo POECO, era frequentador das Livrarias Capitu, em Pinheiros, Manduri, na Rua da Consolação, e Brasiliense, na Rua Barão de Itapetininga, e estava com a cabeça e o coração cheios de planos de abrir uma casa editorial e uma gráfica especializada na impressão de livros em pequenas tiragens. No dia 4 de abril de 1980, sexta-feira santa, foram atacadas a tiros três livrarias da cidade de São Paulo, consideradas “de esquerda”: Livraria Livramento, no bairro do Butantã, Livraria Capitu, no bairro de Pinheiros, e Livraria Kairós, na Avenida Paulista. A Livraria Capitu foi a mais atingida, com 12 tiros que quebraram sua vitrina, além de ter sido alvejada também por uma grande pedra. A Livraria Livramento foi atingida por um tiro, que estilhaçou a vitrina. E a Livraria Kairós, por dois tiros, que, por sorte, acertaram a grade que protegia a vitrina e a porta de madeira da loja, não danificando os vidros. Dois dias antes, a Livraria Capitu já havia sido atingida por um tiro, atentado assumido pelo CCC – Comando de Caça aos Comunistas. Em telefonema à livraria, uma voz masculina havia ameaçado: “Somos do CCC. Foi só um tiro. Se continuarem vendendo material subversivo, da próxima vez colocaremos fogo nessa porcaria”. Em vez do fogo, no dia 4 de abril a Capitu foi atingida pelos 12 disparos e a pedra. E, no dia 7 de abril de 1980, as três livrarias “alvejadas” publicaram "Carta aberta à população", assinada por mais 24 livrarias e editoras, em que repudiavam o ato de vandalismo e o cerceamento ideológico. No começo dos anos 1980, o Brasil vivia, após anos de ditadura, um período de retomada das atividades políticas e culturais, que havia se iniciado com as manifestações estudantis de rua, em 1977, com as greves operárias do ABC paulista, em 1978, e com a Lei da Anistia, Lei n. 6.683, sancionada em 28 de agosto de 1979, pelo Presidente da República João Batista Figueiredo, após uma ampla mobilização social, ainda durante a ditadura militar.
João Scortecci