Zé Belindo era baixinho e feio de doer. Nasceu no município mineiro de Extrema, quase na divisa com o estado de São Paulo. “Eu sou paulista pelo amor”, dizia sempre. Zé Belindo - de pai desconhecido e mãe solteira - jurava que havia sido “feito” numa noite licantropofaga, depois de uma festa do pijama, na cidade de Bragança Paulista, conhecida como a terra da lingüiça. Coisa de mineiro! Zé Belindo era impressor gráfico de máquina offset, e o seu apelido era “Pantone 448 C” ou "marronzinho". Quando o conheci, no início dos anos 1990, tive o cuidado de olhar, desconfiado, na escala Pantone, qual era a cor Pantone 448 C. Descrita como "marrom escuro" e apelidada, informalmente, da “cor mais feia do mundo". Meu Pai Luiz - isso no Ceará dos anos 1960 - chamava o marron escuro de “cor de jumento novo”. Coisa de cearense! A Pantone 448 C é conhecida como uma cor desagradável. Em 2012, foi escolhida, na Austrália, como a cor a ser usada pela indústria do tabaco, nas embalagens de cigarro. O objetivo era encontrar uma cor repugnante, capaz de fazer fumantes, desistirem do vício. Desde 2016, é também usada para embalagens de cigarros na França, Reino Unido, Irlanda, Israel, Noruega, Nova Zelândia, Eslovênia, Arábia Saudita, Uruguai, Tailândia, Cingapura, Turquia, Bélgica e Países Baixos. A escala Pantone, não é, tecnicamente, um "sistema de cores". Pesquisando na Internet, aprendi que a Pantone 448 C, quando convertida no padrão CMYK (Cyan, Magenta, Yellow e Black) corresponde, aproximadamente, as proporções: Ciano: 0%, Magenta: 12%, Amarelo: 40%, Preto: 70%. Marronzinho morreu jovem, de doença desconhecida. Até hoje, quando viajo para Bragança Paulista ou compro pão de linguiça na Padaria São Domingos, na bela vista, lembro do 448 C. Alegre, sorridente e feio de doer. No ano de 1984 – já editor de livros - ganhei de presente do meu irmão José Henrique, arquiteto, um exemplar do livro “Flicts”, do escritor e cartunista mineiro, Ziraldo (Ziraldo Alves Pinto). Era um relançamento, da editora Melhoramentos, da 1ª. Edição de 1969, lançada, então, pela Editora Expressão e Cultura, do poeta, jornalista e acadêmico, Ivan Junqueira (1934 - 2014). “Flicts” foi o primeiro livro infantil de Ziraldo, que, quatro anos antes, em 1980, havia iniciado a série histórica do “O Menino Maluquinho”, um dos maiores fenômenos de vendas da literatura infantil brasileira. Conheci Ziraldo durante a Bienal do Livro de São Paulo, no ano de 1994, quando o evento ainda era realizado no Pavilhão do Parque do Ibirapuera. “Flicts” - representado por um tom terroso de bege - é uma cor “diferente”, que não consegue - por nada - encaixar-se no arco-íris, nas bandeiras e em lugar nenhum, e cujo merecido valor ninguém reconhece, a princípio. Seria o espírito do 448 C? Talvez. Desgostoso deste mundo injusto e cruel, Flicts - que “não tinha a força do Vermelho, não tinha a imensidão do Amarelo e nem a paz que tem o Azul” - sumir do mapa e foi morar na distante lua. Lá, percebe que ela, a lua, "de perto, de pertinho, é flicts", talvez um Pantone 448 C, Marron escuro ou até cor de jumento novo, um pouco de tudo. Coisa de gráfico.
João Scortecci
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