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JOANA, A “TILÓGRAFA”

A história é antiga. Lá da adolescência, na cidade de Fortaleza/CE, nos anos 1970. Joana, cansada e desgostosa do serviço diário de arrumação e faxina, em uma casa com quase meia quadra de extensão, protestou: “Dr. Luiz, eu vou embora hoje mesmo!” “O que aconteceu, Joana?” Silêncio. Mamãe Nilce, de olhos arregalados, ficou esperando qual seria a justificativa de ela ir embora, assim, de repente, após anos de casa. Joana foi minha babá – felizmente cresci – e depois arrumadeira, faxineira e ajudante de copa. Tenho saudade dela. Eu era a sua “danação”. Quando criança, banhava-me em bacia com água morna. Na bacia da lavação, costumava colocar uma colher de açúcar. Mamãe Nilce não tirava os olhos dela, principalmente quando eu era o banho da vez. “Joana, o que você está fazendo?” “É para ele ficar docinho”, justificava. “Não é para bolinar o menino. E vê se lava – também – o pescoço e os pés dele. Estão imundos!” Joana balançava a cabeça concordando e, demoradamente, banhava-me com mãos de mulher. Antes da Joana, Das Dores foi a primeira babá da casa. Cuidava dos meus irmãos mais velhos, Luiz e José. Era ela quem nos colocava para dormir, no horário do boa-noite, pontualmente às 20 horas. Alguém gritava “Das Dores, caga a luz!” E Das Dores respondia, também aos berros: “Já caguei!” Joana era de Tauá, da região do sertão dos Inhamuns, no coração do estado do Ceará. “Eu vou estudar para ser uma tilógrafa”, disse. “Tilógrafa?” Silêncio. Papai ficou ali pensando. Olhou para a mamãe Nilce.  Tétrica, na espera, bebeu água do copo de vidro de geleia Colombo e disse: “Joana, parabéns! Apenas uma pergunta: o que é mesmo ‘tilógrafa’?” Joana esticou os braços e movimentou os dedos da mão, mimicamente ensaiando batê-los num teclado de máquina de escrever. “Datilografia?” “Isso. Vou ser tilógrafa de oito dedos!” Joana partiu na manhã do dia seguinte. Chorou muito. Trocamos abraços. Joana era querida e merecia toda a sorte do mundo. Voltou quase um mês depois. Entrou na casa e guardou suas coisas. Papai e mamãe nada disseram. E o assunto ficou por aquilo mesmo. Em março de 1972, fui embora de Fortaleza para morar na cidade de São Paulo. Joana ficou. Alguns anos depois, voltei para a capital cearense, de férias, e Joana não estava mais na casa. Havia partido. Família que se ama é assim mesmo. Todos, um dia, acabam voltando, pródigos que são, mesmo que seja apenas para arrumar nossas lembranças no tempo.

João Scortecci