Silvandira, da bodega, abriu a mão e ofereceu-nos: balas Pipper, de hortelã. “Vocês querem?” Perguntou. Desconfiado, catei uma, do meio. Coloquei a bala na boca do céu e o papel, dobrado, no bolso da calça curta. “Novidade!” Disse. “Gostaram?” Insistiu. Pensei - na hora - de cuspir, depois, o gosto de hortelã refrescou a boca e lá ficou, cozendo as tripas. O baleiro ficava no meio do balcão da bodega. Na ponta dos pés - sem muito esforço - girávamos o carrossel, multicolorido, do gomo apinhado de balas Pipper. Silvandira, desconfiada, vigiava tudo, de longe. Meninos danados! Abríamos a tampa do baleiro - rosca para a esquerda -, enfiávamos “a mão grande” nas entranhas do baleiro e lá pegávamos - no escuro da sorte - 3 balas Pipper, cota do dia. Mais que isso estraga os dentes! É o que diziam, na época. Hortelã é planta medicinal, com propriedades que curam problemas digestivos, má digestão, acidez, náuseas, vômitos, é calmante, diminui os níveis de ansiedade, melhora o estado de ânimo e ajuda na qualidade do sono. Um santo remédio! Cura tudo, até mau hálito. Zendinha, vez por outra, brincava junto, adorava dançar colado e beijar os meninos, a força. Pegava pelo pescoço - de surpresa - e beijava, com língua e tudo. O hálito de Zendinha era de matar gafanhotos. Sua presença, vez por outra, no grupo da turma da rua, era motivo de compra extra, de balas Pipper. Funcionava! Zendinha colocava uma bala na boca e duas, de reserva, escondidas no sutiã de moça. Quando completou 13 anos - alguns dias depois do seu aniversário - mudou-se com a família, para a cidade do Rio de Janeiro. Foi e nunca mais voltou. Confesso: as balas Pipper, depois que Zendinha, a beijoqueira, partiu, perderam o encanto. Perderam o vício, o ardido, o gosto selvagem do hortelã. Ficou o verde, apenas o verde. E o papel, guardado e dobrado, no bolso da calça curta. Outro dia, lendo sobre a fabricação de balas, encontrei, do nada, a lista de ingredientes da bala Pipper: Açúcar, xarope de glicose, corante Tartrazina (INS E102), corante azul Indigotina (INS E132) e aromatizantes. Nada de hortelã cozendo as tripas. Já desconfiava.
João Scortecci
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