Aos emudecidos das trevas. Das tripas, “A puta, em gélidos calafrios, pare uma criança morta”. No papel, versos do poeta austríaco Georg Trakl (1887 – 1914). Hoje chove calor: “árvores atrofiadas fitam inertes ao longo do muro negro”. “Oh! Tão tristes as sombras nos muros”. Cegueira. Um pedido da quase noite: “A luz, com açoite magnético, expulsa a noite pétrea”... Sinos da tarde? Talvez. “A cólera de Deus chicoteia enfurecida a fronte do possesso”, aquele que se crê dominado pelo demônio. “Epidemia purpúrea” – números imorais: “fome que despedaça olhos e carne”. Mundo enlouquecido pelo fim. Georg Trakl – tomado de ira – consome ópio, veronal e cocaína. Depois, o suicídio, aos 27 anos de idade. O poeta maldito teve uma relação incestuosa com sua irmã, seu grande amor. Calafrios! Poesia de profunda angústia, melancolia e desespero humano. “Crepúsculo: A enfermidade fecha-os fantasmagoricamente nela./As estrelas espalham uma tristeza alva/ No cinzento, cheios de ilusão e repiques,/Vê como, horríveis, se dissipam confusamente.” Georg Trakl, emudecido, então, sussurrou-me sua dor: “O que faço do rebento morto?” Mais calafrios! Gélidos do inferno, pensei. Embalo trevas – com o manto branco do abandono – e, no ópio, entrego-me aos silêncios. Durmo e acordo Georg Trakl. Espero a chuva passar – tudo no seu tempo – e depois passarinhos. Veronal, de verão.