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LEI CORTEZ NA BERLINDA

Eu sou um inocente, apinhado de pecados! Tenho defeitos que nem eu mesmo suporto. Tento corrigi-los, mesmo que em vão. Faz parte. Aqui com os – quase – 70 anos: e pensar que ninguém neste mundo seria contra o livro e os benefícios da leitura. Repito: sou um inocente.

Já não é de hoje que nos assustam as palavras “lei”, “norma”, “regra”, “regulação” e muitas outras que orbitam nas nossas vidas. É bem conhecida a frase "A lei, ora, a lei", atribuída ao Presidente da República Getúlio Vargas (1882 – 1954), durante o seu segundo mandato. Existem outras pérolas, também incorporadas à alma do povo: “O Brasil já tem leis demais”; “Essa lei não vai pegar”; “Lei Caracu”; “Lei para inglês ver” etc. Hoje, grande parte das mais de 37 mil leis existentes no Brasil, aguardam regulamentação, total ou parcial, dificultando e prejudicando finalidades e propósitos. Esse é um dos muitos motivos da máxima: “Não somos um país sério”, dita no início dos anos 1960 pelo diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho (1901 – 1990) ao jornalista cearense Luís Edgar de Andrade (1931 – 2020), à época correspondente do “Jornal do Brasil”, em Paris, no contexto do incidente diplomático conhecido como “Guerra da Lagosta”. 

Deixemos de lado a lagosta, as conversas “para inglês ver” e a máxima de Getúlio Vargas: "A lei, ora, a lei". O assunto desta nota é a “Lei do preço fixo” ou “Lei do preço comum”, rebatizada de “Lei Cortez”, em homenagem ao editor e livreiro José Xavier Cortez, que faleceu em 2021 e é responsável por um importante legado na história do livro no Brasil. Essa lei foi proposta no Projeto de Lei 49/2015, pela então senadora Fátima Bezerra, hoje governadora do estado do Rio Grande do Norte. A inspiração veio da “Lei Lang”, em vigor na França há mais de 40 anos. O projeto – desengavetado em maio de 2023 – visa regulamentar o comércio varejista de livros e proteger as livrarias – principalmente as pequenas – de concorrência predatória. A “Lei Cortez” conta com o apoio institucional das principais entidades do livro no Brasil: ANL – Associação Nacional de Livrarias; CBL – Câmara Brasileira do Livro; SNEL – Sindicato Nacional dos Editores de Livros; ABRELIVROS – Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais; ABDL – Associação Brasileira de Difusão do Livro; e ABIGRAF – Associação Brasileira da Indústria Gráfica, entre outras. 

De acordo com o PL 49/2015, o preço de capa – sugerido pela editora – deve ser respeitado pelo período de 1 ano, a contar da publicação ou lançamento do livro, podendo os canais de comercialização praticar o preço de capa, oferecendo, no máximo, desconto de até 10%, sobre o preço sugerido. Os livros didáticos e importados ficam de fora dessa regra. Os favoráveis ao projeto de lei defendem que o instrumento poderá proteger as pequenas e médias livrarias, salvaguardando a diversidade e combatendo a guerra por preços e descontos. Os contrários não são poucos. O principal motivo, generalizando, é o desconhecimento do projeto de lei, julgando tratar-se de um tipo de congelamento ou imposição de preço tabelado e, ainda, apostando no encarecimento do preço de capa do livro, o que não é verdade. As editoras e livrarias – maiores interessadas em que esse projeto de lei seja aprovado – manteriam o preço de capa abaixo do sugerido, não agregando “gordura” no jogo insano dos descontos e da guerra de preços, proporcionando, assim, equilíbrio e preço justo ao mercado e a toda cadeia produtiva do livro. 

Aqui cabe explicar o que disse na introdução desta nota: “Sou um inocente, apinhado de pecados!”. E pensar que o mercado livreiro e a imprensa, em especial, tomariam ciência do assunto e compreenderiam a importância da Lei Cortez para toda a cadeia produtiva do livro. A lei, ora, a lei, para brasileiro ver.

João Scortecci