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MANABU MABE: SAQUÊ, SUSHI E TENUGU

O pintor, desenhista e tapeceiro japonês naturalizado brasileiro, Manabu Mabe (1924 – 1997), teve 53 de suas obras, avaliadas em mais de 1,2 milhão de dólares, perdidas no mar, no dia 30 de janeiro de 1979, quando o Boeing 707, cargueiro da companhia aérea brasileira Varig, desapareceu sobre o oceano cerca de 30 minutos após a decolagem do aeroporto de Narita, em Tóquio, com destino ao Rio de Janeiro. O acidente é conhecido por ser o maior mistério da história da aviação até os dias de hoje. Conheci Manabu Mabe no ano de 1978, um ano antes do acidente aéreo com parte de sua coleção de quadros. Na época, eu trabalhava no Departamento Comercial da FK Equipamentos para Escritório, empresa de Yujiro Furusho, no bairro da Liberdade, na cidade de São Paulo. Eu tinha 22 anos de idade e sonhava em ser escritor, editor e gráfico. Não sabia quem era Manabu Mabe e o quanto era famoso, respeitadíssimo, principalmente na comunidade japonesa. Yujiro Furusho me procurou no final do expediente e fez o convite inesperado: “Você já comeu sushi?”. “Não”, respondi. Entramos num táxi e fomos até um restaurante japonês, na Liberdade. Eu era o único “estrangeiro” na casa. Um senhor oriental, cinquenta e poucos anos, nos aguardava numa mesa de canto, bebendo saquê, bebida alcoólica fermentada tradicional do Japão. Provei e gostei. O garçom trouxe tenugu – toalha de mão de algodão – pegando fogo. Desconfiado, aguardei a vez. Yujiro e Mabe esfregaram a toalha no rosto, no pescoço e nas mãos. Educadamente esperaram por mim. Exagerado que sou, esfreguei a tenugu no rosto, no pescoço e nos braços. Sensação maravilhosa. Banho completo! Do nada, começaram a chegar pequenos pratos, com três porções cada. Foi a minha primeira vez num restaurante japonês. Gostei da brincadeira. Yujiro e Mabe misturavam na fala português e japonês. O que eu não entendia passava batido. Coisas do saquê. Já tarde da noite, Mabe me perguntou o que eu queria fazer da vida. “Quero escrever e publicar livros”, respondi. Manabu Mabe, então, começou a falar do seu trabalho e não parou mais. Um mestre. Iluminado. Fomos embora tarde da noite. No dia seguinte fui procurar saber quem era Manabu Mabe. Levei um susto. Quase morri do coração! “Patrão, o cara é famoso!” Yujiro, então, me disse: “Eu sabia que você ia gostar dele”. Ficou o sushi. Vez por outra lembro de Manabu Mabe, do porre de saquê e das toalhas de tenugu no rosto, no pescoço e nas lembranças do tempo.

João Scortecci