Quando criança – isso no Ceará dos anos 1960 – ganhei de presente um caminhão com caçamba. Naquela época andava explorando os quintais da Vila Santa Terezinha, procurando não sei bem o quê. Um tesouro, talvez. O caminhão com caçamba foi o único presente “diferente” que ganhei quando criança. “Filho, o que você vai querer de presente de Natal?” A resposta era a mesma de sempre: “Dois revólveres com cartucheiras do John Wayne e muita espoleta estrela”. O caminhão com caçamba era uma réplica perfeita de um "Fenemê", da Fábrica Nacional de Motores, fundada em 1942 pelo Presidente Getúlio Vargas e pelo Cel. Antônio Guedes Muniz, pioneiro da indústria aeronáutica brasileira. É dessa época, também, a fundação de várias estatais brasileiras, com dinheiro americano, durante a Segunda Guerra Mundial: Companhia Siderúrgica Nacional (1941), Companhia Vale do Rio Doce (1942), Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945), entre outras. Com o fim dos dólares, a Fábrica Nacional de Motores, orgulho nacional, encerrou as atividades em 1977. Gosto da história da carroça e do jumento. Oportuna e de autor desconhecido. Aos 30 anos de idade, carroça e jumento são únicos: Indivisíveis. Nada fica para trás: tudo vai para a caçamba. Aos 40 anos, tornamo-nos seletivos e prudentes. Algumas coisas são simplesmente deixadas de lado e nem tudo vai, automaticamente, parar na caçamba da carroça. Aos 50 anos, tornamo-nos chatos, criteriosos, detalhistas e vaidosos. Alguns: insuportáveis! Quase nada mais vai para a caçamba, já lotada até a tampa. E o jumento, pobre de nós, já não é o mesmo: envelheceu, de vez. É a década das escolhas ruins, dos milagres e das fraquezas humanas. Aos 60 anos, inesperadamente, chega-se, afinal, à década do desapego. E da cura, para muitos. Hora do descarte, da reciclagem, da arrumação de papéis, do arquivo de fotos, de retirar da caçamba entulhos, engodos e fantasmas. Hora, também, de aliviar o jumento do peso cruel e poupá-lo do pior. Aos 70 anos – estou quase lá – o “Fenemê”, vez por outra, engasga e solta pelas narinas enxofre e chiados. Confesso: não esperava viver tanto. Sorte? Talvez. A história da carroça e do jumento termina, para muitos, por volta dos 80 anos, década da morte, já que poucos chegam aos 90 anos ou mais. É quando surge o dilema da vida: abandonar a carroça ou salvar o jumento, mesmo que por pouco tempo. Acompanhei, pela TV, o resgate do Cavalo Caramelo, ilhado no telhado de uma casa submersa, na tragédia que assola o estado do Rio Grande do Sul. Caramelo, carinhosamente assim apelidado, permaneceu firme, ali, imóvel, de pé, faminto, aguardando ser resgatado com vida. Foi corajoso, paciente e confiante. Caramelo, guerreiro e brasileiro, sempre.
João Scortecci