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TOUCINHO E BANHO DE BACIA, A LÁ MATUSALÉM

Meu avô paterno, João Batista de Paula, o Batista da Light, nasceu no dia 26 de março de 1895, na cidade de Quixadá, interior do Ceará. Faleceu no dia 16 de fevereiro de 1966, uma quarta-feira, três dias antes do começo do Carnaval daquele ano. A família enlutada, fugindo da folia do Carnaval, viajou para a Prainha, praia do município de Aquiraz, distante 30 km de Fortaleza. Batista, como gostava de ser chamado, tinha, então, 71 anos de idade e desde os 68 anos, sofria de demência, doença de Alzheimer. Diziam, na época: Muito toucinho e farinha! Prato diário do meu avô. Eu tinha, na época, 10 anos de idade. Sua morte "parou" a cidade. Era uma pessoa querida, respeitada e admirada. Foi, durante muitos anos, o Superintendente da Light no Nordeste. Vovô Batista foi o meu primeiro velório e vê-lo, no caixão, na mesa da sala de jantar, marcou-me profundamente. Eu o amava. Já “caduco”, nos divertíamos muito. Gostava de um "rabo de saia" e suspirava sempre que via na calçada da rua, uma mulher de bunda tanajura. Gritava: “Olha lá a Raimunda: feia de cara e boa de bunda!” Risos. Batista era craque na tabuada - mesmo esquecido do resto. Pergunta: "Vovô é verdade que você nasceu no século passado?" Verdade, respondia. "Eu nasci no final do século XIX, namorei a Princesa Isabel e joguei gamão com o jovem do Matusalém!” Risos. Matusalém? "Ele mesmo. Aquele moço que viveu 969 anos, segundo a Bíblia. Explicava. E nós, inocentes, acreditávamos em tudo. Outro dia alguém - do nada - perguntou-me: “João, você já tomou banho de bacia?”. "Sim". Respondi. Foi a “deixa” para voltar no tempo, no melhor dos anos 1960. Na água da bacia - azeda e suja - lavávamos os pés, as orelhas, as axilas, a bunda e a piroca. Lembro-me da festa que era - pelados e velozes - irmãos, irmãs, primos, primas, todos, na fila indiana para o banho de bacia. A água, suja e fedorenta, depois, era despejada, aos goles, no ralo de ferro do banheiro. Descia suspirando, gemendo, fazendo um  barulho medonho, dos infernos. Descia até o silêncio do fim e lá ficava. Não conheci Matusalém, o jovem de 969 anos de idade e não azucrinei os pecados de Isabel - de Tereza, talvez. Eu nasci na metade do século XX e isso - vez por outra - me assusta.    

João Scortecci