O meu primeiro amor foi platônico. Quando a vi, pela primeira vez, meu coração subiu feito balão de São João. Tinha 11 anos de idade. Apaixonei-me, de vez, quando o cupido nos colocou de par, para dançarmos juntos, a quadrilha. “Eu?” “Você mesmo.” Foi assim. Quadrilha – na infância dos anos 1960 no Ceará – era mania e ainda é, nos meses de junho e julho, no Nordeste brasileiro. Trejeitos: Camisa xadrez, lenço no pescoço, remendos nas calças, chapéu de palha e bigodinho feito com carvão de rolha queimada. Pronto. Papai Luiz era o organizador de tudo. Comandava os ensaios, gritava a quadrilha, cuidava da fogueira, imprimia no mimeógrafo a álcool os convites e a programação da noite. Animadíssimo! Fogueira, bandeirinhas, fogos de artifício, balões e muita comida: milho verde cozido, paçoca, pé de moleque, canjica, arroz doce, batata doce, pudim de leite, pamonha e aluá de abacaxi. A quadrilha é uma dança folclórica – dançada em pares. A origem da quadrilha está relacionada à forma de dançar do “country dance” da Inglaterra, por volta do século XVIII. Com a Guerra dos Cem Anos, essa maneira de dançar foi compartilhada na França, região da Normandia. A chegada da quadrilha ao Brasil ocorreu por meio tanto da vinda da Família Real Portuguesa, em 1808, quanto por escravizados europeus, que vieram ao Brasil, após a Lei Eusébio de Queirós (lei n.º 581/1850), promulgada no Segundo Reinado e que proibia a entrada, no Brasil, de africanos escravizados. A quadrilha segue um roteiro fixo – até hoje o mesmo, com poucas modificações – e encena a realização de um casamento forçado, pela honra da moça, desonrada e grávida. Personagens da quadrilha: noivos, pais dos noivos, padrinhos, delegado de polícia, padre e convidados. Depois do casório, sempre com o sermão do padre, começa, então, a festa, com a dança e a comilança: apresentação, entrada no salão, aos pares, noivos na frente, seguidos de pais, padrinhos, casais, delegado e, no final da fila, por último, o padre. Passos: “caminho da roça”, “cumprimento”, “olha a chuva”, “damas ao centro”, “coroa de rosas”, “coroa de espinhos”, “olha o túnel”, “olha a cobra”, “caracol”, “cavalinho” e “grande roda”. Meu pai, Luiz, deixou saudade e grandes lembranças. Na família, tento substituí-lo, manter a tradição. Sou eu hoje na família quem "grita" a quadrilha e, travestido de padre, prego aos pares o “Sermão da Moita”, encruzilhada do amor onde tudo um dia começou: atrás da moita! Quanto ao meu primeiro amor: disse-lhe: Eu gosto de você! E ela, ruborizada, saiu correndo em disparada, pulou a fogueira, subiu no balão, e nunca mais voltou. Escafedeu-se!
João Scortecci
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