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JESUS, O MESSIAS E A BIENAL DO LIVRO DE SÃO PAULO DO ANO DE 1998

Em tempos de bienais do livro, tudo pode acontecer! Histórias não faltam. A Scortecci participa das bienais paulistas desde 1994, quando o evento ainda acontecia no Pavilhão do Parque do Ibirapuera. O evento já circulou nos espaços do Anhembi, Expo Center Norte, Imigrantes e agora, para 2024, no novo Anhembi. Na Bienal de 1998, na gestão do editor e gráfico Altair Ferreira Brasil como Presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), eu era Diretor-Adjunto e fazia parte da comissão organizadora da Bienal. No primeiro sábado do evento, dia de maior público, fui abordado no corredor central da feira por um homem de cinquenta e poucos anos, baixo, magro, de óculos “fundo de garrafa", carregando uma pasta surrada, tipo 007. “Você é o Scortecci?”. “Sim.” “Podemos conversar em particular?”, perguntou-me. Ele falava baixo, quase sussurrando. Achei o sujeito estranho, com perfil de adoidado e respondi. “Pode dizer aqui mesmo. Está ótimo". Ele me olhou fixamente, olhos vidrados, mantendo os braços agarrados na pasta 007. Pensei: deve estar carregando uma bomba, algo assim. Vez por outra, durante as bienais do livro, a CBL recebe denúncias anônimas de bombas nos banheiros, no estacionamento ou nas bilheterias do evento. Ameaças não faltam. “Qual o seu nome?”, perguntei. Ele não respondeu. "O que você quer?", insisti. Ele, então, puxou-me pelo braço, com força, e sussurrou no pé do meu ouvido: “Eu vi Jesus, o Messias!”. “Que privilégio! E o que o Messias lhe contou?”, quis saber, curioso. O homenzinho, então, abriu a pasta 007 e tirou de dentro dela um maço de folhas de papel, amassadas, escritas a mão, amarradas com barbante. “Você vai ter que ler o livro! Quero um contrato de edição de 1 milhão de exemplares!”, sentenciou. Tirou da pasta um documento e acrescentou: "Antes, por favor, assine esse termo de confiabilidade e sigilo”. "Você é doido?", protestei. Furioso, perguntei: "Posso saber quem indicou o meu nome?". Ele não respondeu. Pedi, então, o número do seu telefone, com a falsa promessa de ligar, logo após o término da feira. Anotou o número do telefone num pedaço de papel, colocou-o no bolso do meu paletó, deu meia-volta e entrou, velozmente, no estande da editora Rocco, em frente. Escafedeu-se! Até hoje, quando reencontro o editor Paulo Rocco, pergunto-me, em silêncio: “Será que o homenzinho conseguiu entregar os originais do livro para o Paulo Rocco?”. Desconfio que não. Depois da estranha conversa, vindo dos céus e dos anjos, o mago Paulo Coelho adentrou no estande da Rocco, cercado por seguranças e uma multidão dos infernos, indo em direção ao espaço reservado para autógrafos. Jesus, o Messias, aguardava, pacientemente, na fila dos imortais. Eu, talvez assustado, decidi continuar andando, a esmo, pelas ruas de livros e gritos, no posto de diretor de plantão, da comissão da Bienal do Livro do ano de 1998.

João Scortecci