Livro de autor aflito é tortura. Novato, então: um desespero só. Pior que tudo: quando o livro é o nosso. Muito sofrimento. Entregamos o livro – quase – pronto, com a promessa de depois – antes de liberar para a gráfica –dar uma olhada final, uma arredondada. Mentira! Quando o livro volta da diagramação, já no boneco, bate aquele desespero mortal. Transpiração! Muda aqui, muda acolá, muda, muda. Jura que escrevi isso? Mexeram no meu arquivo? Doideira. Uma vez copiei o arquivo do livro já diagramado no “Bloco de notas”, depois de volta para o "Word" e reescrevi tudo. Livro novo? Sim. Aquele outro vai ficar para depois. Menti. Já que era outro livro, aproveitei e troquei também o título. Tenho um arquivo só com títulos, ideias e rascunhos. Vez por outra vou lá e trabalho – aleatoriamente – num deles. Qual? Um deles. Mil anos: é o tempo de que vou precisar para terminá-los. Mentira. Nós, escritores, somos mentirosos e covardes. Vivemos com a cabeça nas nuvens. Quando a coisa aperta, filosofamos com os deuses: a poesia salva! Em 50 anos trabalhando com livros – escrevendo, editando e imprimindo – só conheci um escritor honesto, com os pés no chão. Foi o Zacarias, viúvo, na época com 60 anos, da cidade de Osasco, região metropolitana de São Paulo. Fechou contrato de edição do livro e pediu 30 dias para concluir a obra, um romance policial, algo assim. Voltou na data combinada e sentenciou: “Não consigo terminar o livro! Estou desistindo.”. “Quer ajuda?”, perguntei. “Não, obrigado.” Desistiu. Foi embora feliz. A maioria de nós mente, inventa desculpas, conversa para boi dormir: “estou finalizando”; “falta pouco”; “fazendo ajustes”; “dando a última olhada”; “na revisão”; “no prelo” ... Já escutei de tudo: esse é o meu último livro! Trabalheira. Pergunta: “E sua obra-prima: não vai escrever?” “Chega! Chega!”, mentimos, sempre. Todas as vezes em que começo novo livro lembro do Zacarias, o escritor feliz, calmo, resolvido e mortal. Já disse: a poesia salva!
João Scortecci