Entrei e fiquei. Abri a boca: abobalhado! Surpreso? Sim. Na verdade: fascinado! Foi no ano de 1972 que visitei, pela primeira vez, o prédio da Biblioteca George Alexander, Campus de Higienópolis, do Instituto Presbiteriano Mackenzie. Tinha, então, 16 anos de idade. George Alexander? Disseram-me: Um importante educador e conselheiro do Mackenzie College. Entendi. Preenchi, então, ficha de leitor-estudante e subi, velozmente, pisando forte, até o primeiro andar da biblioteca. Era de lá que vinha um sinal, um chamamento. Um livro, talvez. A bibliotecária - mulher magra e miúda, óculos fundo de garrafa – olhava-me, desconfiada. Sorri, jogando charme. De nada adiantou. Adoro quando desconfiam de mim. Sinto-me: guerreiro! E quando provocado: faço danações! É da natureza. Digo sempre: minhas causas e meus efeitos imediatos! Mamãe Nilce dizia, sempre: É típico do signo de Leão. Então, assunto encerrado. A Biblioteca George Alexander foi inaugurada em 1926, com um pequeno acervo de 7 mil volumes, livros aqui deixados por missionários americanos. A arquitetura do prédio - até hoje - impressiona, pela sua beleza e imponência. Adoro bibliotecas. Gosto do murmúrio dos imortais e suas almas inquietas, espremidas, encurraladas e catalogados, na desordem do abecedário. Prisões de papel! Liberdade, apenas, quando, então, lidos, amados, vasculhados, destruídos, queimados e odiados. A primeira diretora da Biblioteca George Alexander foi Adelpha Figueiredo (Adelpha Silva Rodrigues de Figueiredo, 1894 – 1966), então professora da Escola Americana, de 1916 a 1926. Seu interesse pela organização técnica do acervo da biblioteca a levou a estudar nos Estados Unidos e implantar, na época, métodos modernos de catalogação, conservação e guarda de livros. Escolhi um livro: "A Origem das Espécies" do naturalista, geólogo e biólogo britânico Charles Darwin (Charles Robert Darwin, 1809 – 1882). Retirei o exemplar da prateleira e desci a escada. Posso levar o livro para ler em casa? Perguntei. “Não!”. A bibliotecária apontou com o dedo na direção de uma mesa de mogno escuro e cadeiras. “Ali!” Sentenciou. E eu fui. Sentei-me. Ela continuou me olhando, feroz, perigosa. Sorri, mais uma vez. Não adiantou. Desta vez, fez cara feia e apertou os lábios. Uma bruxa, pensei. Comecei, então, a bolinar-me, com vontade e gosto. Fiquei excitado e o volume entre as pernas apareceu. Livre e solto, na fragilidade de uma cueca samba-canção. Levantei-me e fui “armado” até a sua mesa. Ela, surpresa, talvez, olhou-me inteiro. Depois, delicadamente, desviou-se do pecado. Perguntou-me, então, desconfiada: “A Origem das Espécies?”. Isso mesmo, respondi. Sorriu, pela primeira vez. Teria dito: “É a natureza humana!” Mas, calei-me. Então, surpreendeu-me, retirando seus óculos do rosto maduro, quarenta e poucos anos: “Cada espécie é fértil o suficiente para que, se todos os descendentes sobreviverem para se reproduzir, a população cresça.” Resfolegou. Darwin? Enfim, nos olhamos, na imortalidade da hora. Li a obra de Charles Darwin - mais de 500 páginas - ali, abduzido, no silêncio da paixão e do gozo da danação. Vingança? Talvez. Eu, Ela, o busto do educador George Alexander e o abecedário das inquietas almas da natureza humana.
João Scortecci