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O DEDAL DAS ARMADURAS DO TEMPO

Netos pequenos gostam de mexer em tudo. Duas alegrias: quando chegam em casa e quando vão embora. Desde cedo aprendi a esconder deles: objetos caros, raros, pontudos e perigosos. Guardo no armário minhas coleções de selos e de canetas, meus radinhos de pilha e desligo o computador de trabalho. Já tive um livro – quase pronto – deletado da área de trabalho e a experiência foi amarga. Sorte que o arquivo foi para a lixeira e eu consegui resgatá-lo inteiro. Quando criança adorava mexer nas gavetas e nos armários da casa da minha avó paterna, Sarah. “Vovó, que caixinha é essa?” “Uma caixa de costura”, respondeu. Abri de pronto e senti que ela parou de respirar de vez. “Cuidado: tem agulhas!” Esqueci as agulhas, os carretéis de linhas, a tesoura, a fita métrica, os botões coloridos e fui direto pegar um copinho de aço cheio de furinhos. “O que é isso, vovó?” “Um dedal. Serve para proteger os dedos durante a costura.” Vovó Sarah enfiou o dedo maior da mão direita no copinho de aço e mostrou para que serve. “Um escudo para o dedo!”, disse. Imaginei, então, um dedal gigante e eu dentro dele. Um dedal-armadura. Catei o dedal da caixa de costura e sumi com ele. Vovó viu quando eu o peguei e me escondi no alto do pé da goiabeira. Lá fiquei. Alguns dias depois, vovó Sarah cobrou-me a peça: “João, cadê o dedal?”. “Guardado”, respondi. “Posso saber o que você vai fazer com ele?” “Um dedal-armadura para me proteger das flechas, das lanças e das espadas dos inimigos do reino.” Vovó Sarah riu. Nunca devolvi o dedal. Ficou comigo esquecido no baú do pirata. Estima-se que os primeiros registros sobre o utensílio datam em torno de 12.000 a.C. Usavam para costurar couros de animais e madeira. Lembro-me que, quando vim morar em São Paulo, em 1972, pensei em devolvê-lo. Vovó, na época, estava demente e esquecida de tudo. Faleceu em 1979. Guardei o dedal no baú do pirata, com os meus sonhos de criança e o enterrei no quintal de casa, ao lado do pé de figo, a dez passos de distância do pé da goiabeira. E lá ficou. 

João Scortecci