Xadrez. Já joguei. Gostava. Depois, por alguma razão, desisti. Perdi o fiel amigo do jogo e, depois, também o parceiro inimigo do jogo. Eu era o perdedor, sempre. Isso – talvez – explique a razão de terem desistido do meu perfil singular. Aceitava a derrota, passivamente. Não roubava no raciocínio e poeticamente: adorava sacrificar o meu Rei, em sinal de desistência. Rei morto, rei posto! Uma vez – no Ceará dos anos 1970 – participei de um desafio de xadrez, no Clube Náutico. Um mestre enxadrista, jovem e estranho, jogava contra ao mesmo tempo contra um bando de alunos. O mestre, miúdo e de óculos fundo de garrafa, perdeu apenas um jogo. Ganhou o resto, de lavada. Vi o seu Rei resfolegar e cair, mortalmente, no tabuleiro. Xeque-mate! Palmas. Pediu revanche. Aceitamos! Em segundos, o mestre amassou o Rei do aluno sortudo, que rolou, mortalmente, no piso do salão. Gritos! Depois, pegou um peão do tabuleiro e o deu, de presente, para o herói do dia. Inesquecível. Peões, bispos, torres e cavalos – na arte da guerra – “sacrificam-se”, lutando, pelo reino de 64 casas. Andei lendo – até então não sabia – qual a diferença entre “Guerra absoluta” – aniquilamento total do inimigo – e “Guerra total” – mobilização global. Singela diferença. Tentei, então, resgatar do passado o contato com "o fiel amigo do jogo". Não o encontrei. Escafedeu-se. Depois tentei localizar "o parceiro inimigo do jogo". Sem sucesso. Encontrei foi o seu neto, Lucas, nas redes sociais. Surpresa! Disse-me, assim que falei o meu nome: "Vovô morreu em 2022, da Covid-19". Lamentei. Continuou, então, emocionado, falando do avô: "Ele o aguardava. Deixou comigo o jogo de xadrez para lhe entregar de lembrança. Ele sabia que, um dia qualquer, você, do nada, daria o ar da graça!". Chorei. Choramos. Hoje, no território da saudade, compreendo o significado de perfil singular e desistência absoluta. Singela diferença. Xeque-mate? Talvez. Rei morto, rei posto!
João Scortecci